Dobrou a esquina, entrou no boteco e pediu uma Bohemia e um prato feito. Abriu o jornal e, numa olhada ligeira, enfastiou-se com o mais do mesmo. Fez um canudo com as folhas e o atirou no cesto de lixo. Fixou-se na tv. Uma loira com expressão idiota dançava na tela, em meio a crianças histéricas.

      Chegou a cerveja. Despejada no copo, sua espuma inflou até o limite regulamentar, ameaçou explodir e refluiu. De um sorvo, deu cabo de metade do líquido gelado e refrescante. Após um respiro, virou lentamente o resto. Encheu de novo a tulipa. Desta vez, passou a saborear em pequenos goles.

      O prato chegou: arroz, feijão, bife a cavalo, banana frita e couve. Apreciou a disposição dos ingredientes. Pediu sal e azeite, ao que foi prontamente atendida. Semeou generosos filetes do óleo na carne já aliviada do ovo, que, por sua vez, recebera sal e fora misturado ao arroz e ao feijão.

      Comia com prazer. Um bom comercial acompanhado de cerveja era para ela o melhor da culinária. E quando vinha com couve, então, hmm!, era um delícia.

      A primeira vez que ela aparecera, o dono do estabelecimento espantara-se. Cheio de mesuras artificiais, dissera um “pois não” que provocou risos em alguns fregueses. Neste dia, ela comeu picadinho. E com gosto. Depois disso, voltava pelo menos umas três vezes na semana. Pagava com tíquete. Calada se sentava, calada almoçava, calada se ia.

      Um senhor, assíduo freqüentador do bar e que há muito a vinha observando, abordou-a:

      – Chamo-me Augusto. Muito prazer.

      – Samira.

      – Perdoe-me o atrevimento de me sentar assim e me apresentar, mas é que a venho notando desde que esteve aqui pela primeira vez e não atino o que uma moça como você faz num lugar como esse.

      – …

      – Desculpe, estou sendo rude e intrometido.

      Ela olhou em torno e esquadrinhou o ambiente. Pés sujos como aquele existiam aos montes por aí. E ela gostava de freqüentá-los. A cerveja era sempre gelada, a comida tinha sabor e era barata. As pessoas, cada qual cuidava de sua própria vida, e davam a noção de que tudo fluía. Sem elas, talvez o tempo parasse.

      – Refeição boa e preço bom.

      – Desculpe…

      – Venho aqui porque me agrada o tempero e o que pago é compatível.

      – Entendo.

      – E o senhor, o que faz aqui?

      – Observo.

      – Não come?

      – Por certo que como! Mas venho aqui mais para observar.

      – O quê?

      – A vida.

      – Acho que vem para saber algo.

      O velho riu. De fato, vinha em busca de algo. Mas ela saberia o quê?

      – De si mesmo, de um sentido. Mas eu lhe digo: o sentido não está aqui, nem em mim, nem em você. Ele está em algum lugar fora de nós. Ele é que nos observa. Captura-lo não é simples, mas é fácil.

      – Diga-me o segredo

      – Não há segredo. Basta perguntar e saber ouvir, que a resposta aparece. Em tudo há uma intenção e alguém que domina os fios. No dia em todos tivermos o mesmo entendimento, as coisas mudam. E aí, meu velho, não há quem segure a primavera.

      Levantou-se.

      – Quanto é o meu?

      – Seis e cinqüenta – respondeu o balconista.

      O senhor acompanhou-a com o olhar e seu pensamento soltou um sorriso: “Veja só como é a vida…”.