Eleito sob o compromisso da mudança, o governo Lula completa uma dúzia de meses. A avaliação, neste seu primeiro aniversário, deve levar em conta o grau e em que medida a mudança começou. Mudança como sinônimo de o país desvencilhar-se do neoliberalismo e no seu lugar implementar um novo modelo de desenvolvimento, nacional e democrático, capaz de retomar o crescimento econômico, gerar empregos e distribuir renda.

Nenhuma avaliação, evidentemente, é neutra. José Serra, recém-ungido ao trono do PSDB, por exemplo, julga, com uma hipocrisia de fazer inveja, que o novo governo está levando o país “a um retrocesso lento, gradual e seguro…”. Acometido de uma conveniente amnésia, esquece-se da herança maldita que PSDB-PFL legaram: as finanças da União à beira da insolvência, a economia desnacionalizada e estagnada, o Estado debilitado e o povo sob a tragédia do desemprego, da violência e da miséria.

Já desde 2002, a Frente Lula Presidente apresentou à nação o diagnóstico de que a mudança almejada requer um período de transição. Impossível o novo instaurar-se num átimo e num passe de mágica. Impossível também se chegar a esse novo, se a transição – mesmo que progressivamente – não se movimentar em sua direção.

A travessia não tem sido fácil. O governo seguiu até aqui um percurso sinuoso, derivado da dinâmica regida pelo conflito entre a mudança e o continuísmo. Este confronto, presente na sociedade e no interior do próprio governo, está longe de um desfecho. Daí um cenário prenhe de dubiedades. Pensamentos políticos, realizações e características inovadoras entrechocam-se com concepções e ações assentadas no velho modelo fracassado.

Contudo, há muito de positivo a se destacar. Ao contrário da profecia alardeada pelos derrotados, o país não despencou no caos. Aos poucos, o governo restaurou ao Estado as condições mínimas de governabilidade. Vitorioso, mas minoritário no Congresso, termina o ano com maioria parlamentar. Com habilidade neutralizou-se a ação oposicionista dos governadores, a maior parte deles vinculada ao campo adversário.

A democracia asfixiada no período anterior pelo autoritarismo, alarga-se. Os movimentos sociais, outrora hostilizados, são respeitados pelo governo e começam a se revigorar, a ocupar as avenidas, cobrando e impulsionando as mudanças. A erradicação da miséria e da fome que ceifam a vida de milhões ganhou prioridade de governo.

A soberania nacional, tratada pelo governo FHC como “jargão dos dinossauros”, passou a reger a política externa. Assim, em contendas do porte da Alca e da OMC, salta aos olhos que as relações internacionais do país vão adquirindo altivez e independência. Num mundo marcado pelo unilateralismo, pela guerra, o governo Lula defende a paz e uma nova ordem multilateral. Desdobra-se pela integração da América do Sul e age pela coesão dos países em desenvolvimento.
Mas ao lado destes pontos positivos, o balanço acusa negativamente que a mudança ainda não chegou justamente a um setor que é vital: a política econômica e financeira.

Os velhos fundamentos liberais continuam a ditar regras. Em vez de erguer as bandeiras do desenvolvimento e do emprego, grandes aspirações da nação, o Ministério da Fazenda e o Banco Central insistem em superdimensionar o equilíbrio fiscal e absolutizam o pagamento da dívida. Impõem, de acordo com o FMI, superávits primários que impossibilitam os investimentos imprescindíveis à retomada do crescimento econômico e vedam os recursos necessários aos programas sociais.

Apesar das lutas travadas pela mudança, do enfrentamento às adversidades externas e internas, não se cumpriu, ainda, como disse o próprio presidente, “o prometido”.
Mas, em alguns aspectos importantes houve avanços e realizações. O essencial é que o povo e o governo continuam dispostos a lutar pela mudança. A esperança persiste!

EDIÇÃO 71, NOV/DEZ/JAN, 2003-2004, PÁGINAS 3