A nova edição, atualizada e ampliada do livro Os Companheiros de São Paulo, Ontem e Hoje, da Profª. Paula Beiguelman, é uma feliz iniciativa da Cortez Editora, que possibilita aos leitores o acesso a um texto clássico da história do operariado de São Paulo. Livro que retrata as históricas lutas e ações do período republicano (nos anos 1889/1920), até aquelas desencadeadas no final de século XX, pelos metalúrgicos do ABC e portuários de Santos, como conseqüência da implantação do neoliberalismo e da reestruturação produtiva no Brasil. Passado e presente se reencontram em suas continuidades e descontinuidades.

Na primeira parte do livro há um minucioso acompanhamento das lutas operárias no início de nossa industrialização, com destaque para o relato dos processos grevistas que marcaram a constituição do jovem proletariado de São Paulo. Rico no desenho retratado, pode-se ler que “em outubro de 1902, as operárias da fábrica de tecidos Anhaia, no Bom Retiro, declaram-se em greve em protesto contra os maus tratos do mestre de teares”, cujas arbitrariedades culminaram na expulsão de uma jovem operária.

Como essa, muitas são as ações coletivas desencadeadas pelos Companheiros (e companheiras) de São Paulo, visando à regulamentação da jornada de trabalho, aumentos salariais e conquista dos direitos basilares do trabalho, contra a superexploração que grassava (e ainda grassa) em nosso solo industrial. Exemplo mais forte dessa luta está estampada na histórica Greve Geral de 1917, também retratada no livro.

Na segunda parte – e inteiramente nova {1} – Paula Beiguelman nos oferece exemplos das lutas atuais da classe trabalhadora. Estamos em acelerado desmonte dos direitos sociais e do trabalho, decorrentes da reestruturação produtiva e das transformações neoliberais desencadeadas por Collor e seguidas à risca por FHC, afetando intensamente o mundo do trabalho. Depois de uma década de forte expansão das lutas sindicais, como durante os anos 80, quando houve um enorme volume de greves e presenciou-se a constituição da CUT e outras centrais sindicais, além do MST, a partir especialmente da década dos 90 estamos vivenciando um cenário fortemente desfavorável aos trabalhadores.
Nestes flashes contemporâneos, como denomina a autora, são retratadas as ações e lutas recentes do ABC paulista, como as confrontações grevistas na Volks e na Ford, ambas em 1998, procurando contrapor-se à nefasta política de liofilização organizacional das duas montadoras, eufemisticamente chamada de enxugamento pelo ideário dos capitais globais. E cuja conseqüência mais cruel é a brutal redução de trabalho assalariado, acarretando o agravamento do desemprego e o aumento da precarização das condições de trabalho.

Cansadas da limitadíssima política negocial, as bases metalúrgicas do ABC partiram novamente para o confronto. Numa das greves, na montadora Ford, agiram motivadas pelo anúncio, feito às vésperas do Natal de 1998, por telegrama, de que milhares de metalúrgicos estavam demitidos. Talvez essa seja a singeleza e polidez que marca a política negocial do patronato transnacional automotivo.

Ao discorrer sobre a ação de resistência dos portuários de Santos, Paula Beiguelman oferece elementos de sua luta contra a precarização, a desregulamentação, a privatização e a liofilização dos portos que, para o patronato, implicava também em quebrar o monopólio sindical na contratação dos trabalhadores, vigente no Brasil há mais de 60 anos. Estes exemplos são sintomas claros de retomada das ações de confrontação dos trabalhadores e das trabalhadoras, depois de longo ciclo de desestruturação neoliberal. Que devem configurar uma década bastante tensa.

Se ontem o nosso operariado lutava pela conquista da legislação do trabalho, combatia pelos direitos sociais e por sua emancipação, hoje sua luta tem sido prioritariamente para preservar o que foi conquistado em quase um século de lutas sociais e que o capital, em sua fase mais destrutiva, procura subtrair. E o livro da Profª. Paula Beiguelman, fotografando com vida e sensibilidade as lutas de ontem e hoje, faz uma bela radiografia dos inúmeros embates dos companheiros de São Paulo.

Nota da Redação
{1} Todos os textos dessa nova parte foram originalmente publicados como artigos de Princípios.