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    Comunicação

    Talvez só uma lenda

    Diziam da beleza dela buscando sorvê-la, buscavam saqueá-la. Já que a selva é assim ocorreu dela saquear também. Assim narcisos, vampiros ao chegarem em seus castelos já despidos dando suspiros pelo dever cumprido ao se contemplarem no espelho davam gritos de pavor e horror ao perceberem no pescoço marcas dos dentes da frágil donzela possuída. […]

    POR: Adalberto Monteiro

    Diziam da beleza dela
    buscando sorvê-la,
    buscavam saqueá-la.
    Já que a selva é assim
    ocorreu dela
    saquear também.
    Assim narcisos, vampiros
    ao chegarem em seus castelos
    já despidos
    dando suspiros
    pelo dever cumprido
    ao se contemplarem no espelho
    davam gritos de pavor
    e horror
    ao perceberem no pescoço
    marcas dos dentes
    da frágil donzela
    possuída.
    É por isso
    que pouca gente
    entende
    aquela expressão
    — jocosa dela —
    sempre dita
    a gargalhadas:
    a de que tem
    sangue azul
    nas veias.

    Pelo que viu e viveu
    e de ouvir cantar,
    na acesa polêmica
    acerca
    do formato da Terra,
    partilhava da opinião
    de que se tratava de uma esfera
    azul e linda.
    Mas as queimadas
    das florestas,
    as guerras e as pestes
    tragando mares e nações,
    as matanças
    das crianças
    nas escadarias
    das Catedrais
    foram esculpindo, nos olhos dela,
    tristes vitrais.

    Então os verdes deles,
    como que espantados com
    o que cintilavam,
    foram se refugiando
    nos ermos
    perdidos de sua alma
    e só fulguraram
    em momentos raros
    quando a aragem da felicidade
    esvoaçava
    os cabelos castanhos
    dela.

    Imagem errada dela
    terá, entretanto,
    o mundo
    se julgá-la
    frágil.
    Outro dia
    encontrou no centro da cidade
    um animal ferido.
    Depois de ser tratado
    por uma semana,
    o bicho readquiriu
    a capacidade de voar e cavalgar.
    Certa feita,
    quando passeava pela praia,
    viu uma estrela
    desabar no oceano.
    Ouvindo os gritos
    de socorro daquele
    animal cósmico,
    mergulhou no mar,
    arrastou a estrela
    à branca areia da praia
    e a devolveu ao céu.

    Incandescentes, contagia de alegria
    e lascívia as festas.
    Girava girava girava
    com sua saia de extravagantes matizes.
    Se havia moços tristes,
    se condoia daquilo.
    Achava um despropósito
    a vida ser desperdiçada assim
    e os embriagava de vinho e gozo.

    As iniqüidades,
    a força e a maldade dos caras
    e a fragilidade dos bons
    a entristeciam,
    faziam-na esquivar da vida.
    Se ia ao mar,
    evitava
    as altas ondas
    e ficava flutuando
    nas marolas das enseadas.
    Outra vez
    agia de forma oposta:
    entrava num bloco de carnaval,
    se fantasiava dela mesma,
    injetava alegria nas veias.
    Girava girava girava
    e num rodopio
    caía em si
    deprimida
    de tantas gargalhadas.

    Era uma mescla de eras,
    de ervas.
    Bruxa e princesa,
    amante do vinho e da água,
    do delírio e da realidade.
    Não se sabe se ela existiu,
    talvez seja uma lenda.

    Verbos do Amor & Outros Versos – Adalberto Monteiro
    Goiânia – 1997

    Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).

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