Dona Inácia chegou das compras cansada. Arriou a sacola no ladrilho da cozinha e, assoprando, dirigiu-se ao sofá da sala. Na mesinha de centro, um maço de contas e outras correspondências. Dentre elas, um envelope rosa, endereçado a seu Jorge.

      – Lucinda Almeida…

      Apalpou o pequeno volume. Parecia cartão. Tava meio fofo. Cartão e uma carta? Ou seria foto? Quem era Lucinda? O que queria com seu Jorge? Abria?

      Em 40 anos de casamento, nunca houvera um cisco de dúvida na relação deles. As cartas que recebiam eram dos filhos, dos amigos, sempre dirigida aos dois. O resto era contas, prospectos, comunicados. Nunca vacilara em abrir qualquer envelope que fosse. 

      Mas agora…

      Resolveu deixar tudo como estava. Devia ser alguma parenta, conhecida antiga, amiga de infância. Ou, quem sabe, colega de alguma das meninas. Se bem que nenhuma havia freqüentado assim a casa para ter essa intimidade… Enfim, vamos à janta, que logo Jorge chega.

      – Mas, por que envelope rosa?

      Voltou à sala, examinou o sobrescrito: tinta lilás; tipo miúdo e redondinho. Cheirou. Perfume? Hoje tem aquelas canetas que imitam odor de fruta… Vai ver, é alguma sobrinha. 

      – Mas Jorge é Oliveira. Não tem Almeida nenhum na família…

      Lembrou de comadre Amália. Pegou umas cartas fedendo à mulher entre os papéis de Zé Rubens e foi aquilo que se sabe: trinta anos de vida em comum pelo ralo. E quem podia imaginar que o Zé Rubens…? Em casa, parecia um bispo!

      – Hum. Esses é que mais pecam, minha filha – foi o que lhe dissera a ofendida Amália, um ódio lhe comendo o amor-próprio.

      Depositou a carta de volta na mesinha. Lá fora, o sol já ia baixando. Mirou os cantos da sala que as sombras ocupavam. Respirou os anos de matrimônio, a memória dos porta-retratos, as rendas cerzidas dos cortinados. Pensou no rosto do marido. 

      – Nem com vela preta, minha filha, você arranja um igual – declarara-lhe, do alto de seu padecimento, sua mãe.

      De fato, Jorge era um bom moço. Trabalhador, discreto. Não era propriamente bonito, mas não fazia feio em nenhuma roda de moças. Enaura, sua amiga de colégio, considerava-o “bem apessoado”. Nunca entendera bem essa expressão, mas a aceitava como um elogio pertinente a Jorge.

      – Bem apessoado – pensou, não sabe se saudosa, ou decepcionada.

      A noite se instalou com ela ali, de pé, no meio da sala. Súbito, reconheceu-se com dor de cabeça. E a janta? Hoje comeriam pizza. Jorge não gostava muito desses arranjos, mas… dane-se.

      Foi até o banheiro, destacou da cartela um analgésico. Voltou à cozinha, encheu um copo com água e tomou o medicamento. Ficou na dúvida se deitava no quarto ou na sala. Lembrou que tinha que guardar as compras. Resolveu estirar-se no sofá e esperar passar a dor. 

      – Não é nada. Só um pequeno mal-estar…