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    Comunicação

    A carta – capítulo 6

          Quando Argemiro chegou em casa, Lolinha percebeu um certo ar de novidade em seu rosto. Era o marido entrar com aquela cara, logo uma bomba estourava no meio da sala, pasmando toda a família e mais os agregados. (Família de sergipano é assim: uma mesa para a qual todos são convidados e, alguns, convocados). […]

          Quando Argemiro chegou em casa, Lolinha percebeu um certo ar de novidade em seu rosto. Era o marido entrar com aquela cara, logo uma bomba estourava no meio da sala, pasmando toda a família e mais os agregados. (Família de sergipano é assim: uma mesa para a qual todos são convidados e, alguns, convocados).

          Argemiro disse um boa noite em voz de baixo, perguntou das meninas, levantou as tampas das panelas, mencionou mais umas duas bobaginhas e ficou por ali, ciscando.

          – Fala, Argemiro! – impacientou-se Lolinha.

          – Falar o quê, hôme?

          – O que você tá doido pra falar! Pensa que não te conheço? Quando tu me chega com essa cara de olha que bonito o rabo da mariquinha, já sei que tem coisa. Por que já não diz de uma vez?

          Argemiro coçou o queixo, enquanto ria pra dentro e pelos olhos. Divertia-se com a impaciência e a falsa zanga da mulher. Admirava essa sua capacidade de adivinhá-lo em cada gesto. Com essa aí, tinha jeito não; nem adiantava mentir. Sabia que ele estava chegando, só pelas pisadas no corredor.

          – Você não sabe quem foi que eu vi. Esperava encontrar qualquer um, mas não ele.

          – Quem, o papa? – respondeu a esposa, enquanto refogava a couve.

          Argemiro nem xite pra provocação. Ficou no aguardo.

          – Se não foi o papa, foi o Cão – insistiu Lolinha, ríspida.

          – Antes fosse!

          – Credo, Gemiro! Quem é esse que é pior que o Cão?

          – Cabo Jorge.

          – O-quê?! Você viu…

          – Foi. Cabo Jorge. Quero que um raio me acabe aqui se não vi.

          – Onde?

          – Numa oficina que eu parei no caminho. O carro tava falhando, resolvi logo ver o que era. Vai que eu ficava na rua.

          – E ele te viu?

          – Não. Eu tava lá, ele chegou com uma kombi. Não reconheci logo. Mas quando abriu a boca, parece que eu tava vendo ele lá em Saco das Varas.

          – Meu deus…

          – Tá velho. Olhando assim, você não diz que era ele. Mas continua igual: cheio de nove hora; piadista; gozador.

          – Ele tava sozinho?

          – Tava. Acho que é feirante, que encostou com uma kombi com parece que uma banca em cima e umas caixas dentro.

          – Virgem santíssima. E agora?

          – Oxente. Agora é avisar a família de Gulóra.

          – Hôme, tu vai se meter nisso…

          – Que me meter, Lola? Que me meter? Zeca Oliveira não é nosso parente?

          – Parente! Marido de Edinalva!

          – Sim, sua prima!

          – E se não for ele?

          – Mas eu não tô dizendo que vi o homem, Lolinha?

          – Mas pode não ser ele. Cê pode ter se enganado.

          – Pois lhe digo que é ele. E vou dizer isso ao povo de Gulóra também. A verdade, Lolinha, um dia, a gente vai distraído e, quando dá fé, ela diz: ói eu aqui de novo! Pois eu faço questão de ajudar a desenterrar a bicha.

          Foi até a porta da cozinha que dá para o quintal, enganchou os polegares no cós da calça, mirou a primeira nuvem que viu e completou, satisfeito:

          – Quero ver agora o mundo não entrar nos eixos.

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