Quando Argemiro chegou em casa, Lolinha percebeu um certo ar de novidade em seu rosto. Era o marido entrar com aquela cara, logo uma bomba estourava no meio da sala, pasmando toda a família e mais os agregados. (Família de sergipano é assim: uma mesa para a qual todos são convidados e, alguns, convocados).

      Argemiro disse um boa noite em voz de baixo, perguntou das meninas, levantou as tampas das panelas, mencionou mais umas duas bobaginhas e ficou por ali, ciscando.

      – Fala, Argemiro! – impacientou-se Lolinha.

      – Falar o quê, hôme?

      – O que você tá doido pra falar! Pensa que não te conheço? Quando tu me chega com essa cara de olha que bonito o rabo da mariquinha, já sei que tem coisa. Por que já não diz de uma vez?

      Argemiro coçou o queixo, enquanto ria pra dentro e pelos olhos. Divertia-se com a impaciência e a falsa zanga da mulher. Admirava essa sua capacidade de adivinhá-lo em cada gesto. Com essa aí, tinha jeito não; nem adiantava mentir. Sabia que ele estava chegando, só pelas pisadas no corredor.

      – Você não sabe quem foi que eu vi. Esperava encontrar qualquer um, mas não ele.

      – Quem, o papa? – respondeu a esposa, enquanto refogava a couve.

      Argemiro nem xite pra provocação. Ficou no aguardo.

      – Se não foi o papa, foi o Cão – insistiu Lolinha, ríspida.

      – Antes fosse!

      – Credo, Gemiro! Quem é esse que é pior que o Cão?

      – Cabo Jorge.

      – O-quê?! Você viu…

      – Foi. Cabo Jorge. Quero que um raio me acabe aqui se não vi.

      – Onde?

      – Numa oficina que eu parei no caminho. O carro tava falhando, resolvi logo ver o que era. Vai que eu ficava na rua.

      – E ele te viu?

      – Não. Eu tava lá, ele chegou com uma kombi. Não reconheci logo. Mas quando abriu a boca, parece que eu tava vendo ele lá em Saco das Varas.

      – Meu deus…

      – Tá velho. Olhando assim, você não diz que era ele. Mas continua igual: cheio de nove hora; piadista; gozador.

      – Ele tava sozinho?

      – Tava. Acho que é feirante, que encostou com uma kombi com parece que uma banca em cima e umas caixas dentro.

      – Virgem santíssima. E agora?

      – Oxente. Agora é avisar a família de Gulóra.

      – Hôme, tu vai se meter nisso…

      – Que me meter, Lola? Que me meter? Zeca Oliveira não é nosso parente?

      – Parente! Marido de Edinalva!

      – Sim, sua prima!

      – E se não for ele?

      – Mas eu não tô dizendo que vi o homem, Lolinha?

      – Mas pode não ser ele. Cê pode ter se enganado.

      – Pois lhe digo que é ele. E vou dizer isso ao povo de Gulóra também. A verdade, Lolinha, um dia, a gente vai distraído e, quando dá fé, ela diz: ói eu aqui de novo! Pois eu faço questão de ajudar a desenterrar a bicha.

      Foi até a porta da cozinha que dá para o quintal, enganchou os polegares no cós da calça, mirou a primeira nuvem que viu e completou, satisfeito:

      – Quero ver agora o mundo não entrar nos eixos.