Chove no planalto central. No meio da tarde, um chuvisco, filho do pé d'água de véspera, toma conta da paisagem. De um cinza claro, feito algodão sujo, o céu esmaece o brilho das disposições niemeyeranas.

      Passeio com minha filha pela Praça dos Três Poderes. É a hora da troca da guarda no Palácio do Planalto. Turistas fotografam a coreografia dos rapazes de preto e vermelho, fusil ao ombro. Crianças sentam na rampa, enquanto os pais conversam com um policial. Uma mãe, cabocla de ancas poderosas, cabelos de um castanho alourado, aponta, pro filho preso pela mão, uma garça — escândalo de branco no espelho d'água.

      Atravessamos a avenida, passamos pelos Candangos e suas varas, cruzamos a praça, chegamos diante da estátua da Justiça. Minha filha pergunta o porquê dos olhos vendados. Narro o mito da justiça cega, sem olhar a ricos ou pobres. Digo-lhe, em palavras pedestres, que infelizmente a vida não imita a arte: que a Justiça tem brandido sua espada na cabeça dos mais fracos.

      — Essa que ela tem no colo? – pergunta.

      — Essa mesma.

      Do alto de seus oito anos, a menina estuda a estátua. Mede-a de cima a baixo. O cenho franzido se desfaz e ela indaga, cândida:

      — E por que o pé direito está assim pra frente?

      Imediatamente, reparo nos pés da escultura. De fato, o esquerdo está adiantado em relação ao direito. "Cega nos olhos, mas não nos passos", concluo num sorriso.

      — Vamos ver outro monumento? – pergunto com uma alegria renovada.

      — Vamos!

      E saímos os dois, correndo, no rumo do busto de Tiradentes.