Estive com Iasser Arafat em abril deste ano quando visitei em missão oficial, com um grupo de deputados federais, os territórios palestinos ocupados. Tive oportunidade de encontrá-lo por duas vezes: uma no dia seguinte ao enterro de Abdul Aziz Rantissi, líder do Hamas assassinado pelo Exército israelense; e outra, no encontro oficial, quando a delegação parlamentar brasileira foi recebida pelo presidente da Autoridade Palestina.

Na ocasião, Arafat não poupou demonstrações de carinho e agradecimento pela solidariedade que o povo brasileiro tem prestado à causa palestina: beijou nossa bandeira e emocionou-se ao encontrar-se com nossa delegação.

Foi um encontro recheado de emoção, mas também serviu para nos colocar frente a frente com a dura realidade palestina. Em nossa reunião, o presidente Arafat denunciou o mal que o chamado Muro do Apartheid, construído pelo governo israelense, e condenado pela comunidade internacional, tem feito ao povo palestino e ao processo de paz.

Arafat nos contou que 64% das oliveiras, a partir das quais é produzido o azeite de oliva, foram derrubados para construir o muro e áreas ricas em água foram subtraídas do território palestino – trazendo conseqüências funestas e irreparáveis para a economia local.

A dura situação do povo pode ser relacionada com a forma em que o líder palestino foi obrigado a viver os seus últimos dias: desde novembro de 2001 Arafat estava confinado na Muqata, como é chamado o seu escritório em Ramallah.

O que era um quartel general ficou reduzido a dois prédios, onde ficam seus seguranças e assessores. Arafat recebe todas as visitas em uma mesma sala – no terceiro andar do prédio –, na qual todas as janelas estão lacradas com placas de metal.

Nos outros andares, sacos de areia formam barricadas nas janelas com pequenas frestas suficientes apenas para o cano de uma arma, para permitir alguma reação em um eventual novo cerco. O esquema de segurança, embora precário, é absolutamente necessário: Arafat foi apontado abertamente como alvo de assassinatos seletivos por parte de Israel, que não negociava com ele, nem o reconhecia como o autêntico líder que era.

Hoje, a vontade do governo israelense de ver o líder palestino morto, infelizmente, se concretizou – ainda que de outra forma, pelo seu debilitado estado de saúde que, tenho certeza, foi agravado pela prisão domiciliar a que o governo de Israel submeteu Arafat.

Quero aqui prestar minha homenagem ao líder maior e incontestável da causa palestina, que abandonou sua carreira de engenheiro e empresário para dedicar-se à causa de seu povo – fundando o movimento nacionalista Al Fatah que, posteriormente, se transformou na maior força da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Com a liderança de Arafat, a OLP tornou-se um movimento que, por agir com plataforma política e democrática, ganhou apoio e reconhecimento da maior parte dos países do mundo. O comandante da OLP foi recebido e apoiado pelos maiores líderes mundiais e ombreou-se com estadistas históricos, como Nelson Mandela e Fidel Castro. Arafat foi guerrilheiro por um longo tempo e líder sincero e perseverante em defesa da paz – o que lhe rendeu o Prêmio Nobel em 1993.

Em minha opinião, a principal marca da personalidade de Arafat foi ter, ao mesmo tempo, flexibilidade e firmeza para enfrentar situações extremamente adversas sem nunca perder seu objetivo maior: a criação do Estado Palestino Independente para dar uma pátria a seu heróico povo.

Ao lado da tristeza pela perda deste verdadeiro herói na luta pela paz, sinto um enorme orgulho em estar ao seu lado nesta trincheira. E reitero a necessidade de a comunidade internacional barrar imediatamente o verdadeiro genocídio que acontece hoje naquela região, com constantes ataques aéreos e terrestres por parte do Estado israelense contra civis palestinos. Para isto é preciso que a Organização das Nações Unidas envie imediatamente tropas de separação para a região; que a comunidade internacional repudie de forma ainda mais intensa a construção do Muro do Apartheid e exija sua imediata demolição; que sejam libertados os presos políticos palestinos e desocupados imediatamente os territórios palestinos invadidos por Israel a partir de 1967; que seja garantido o direito de repatriamento dos que foram forçados a viver no exterior; e que Jerusalém Oriental seja a capital do Estado Palestino Independente.

Estes eram os desejos e reivindicações do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Arafat. Alguns deles explicitados, inclusive, na carta que tive a honra de receber dele no final de agosto. Lutar por eles de forma incansável é a melhor forma de homenagear este sofrido povo e seu líder maior, Iasser Arafat, conquistando a almejada paz que beneficiará não só palestinos e israelenses, mas toda a humanidade.

Jamil Murad é médico, deputado federal pelo PCdoB/SP e secretário-geral da Liga Parlamentar Árabe-Brasileira. Chefiou a Delegação Parlamentar Oficial que visitou os territórios palestinos ocupados, em abril de 2004.

EDIÇÃO 76, DEZ/JAN, 2004-2005, PÁGINAS 69, 70