Salvador, Bahia. Ônibus lotado como o quê, sobe uma dona zungando com as compras numa sacola abarrotada. De degrau em degrau, lá vem ela depositando a matula no chão:

      – Licencinha, licencinha. Brigada, viu? Licencinha.

      Chega diante do cobrador, abre a carteirinha piquititinha e, como mágico puxando lenços das mangas do fraque, faz surgir uma nota de dez amassadinha. Suada, ofegante, vê o cobrador encher a mão de moedas para o troco. Com um sorriso obsequioso, pede:

      – O senhor faça o favor de não me dar moeda, sim?, que não tenho nem como carregar, num sabe?… 

      O cobrador faz que não ouve. Vai deixando pingar, uma a uma, as pratinhas na mão.

      – Moço, o senhor não me ouviu pedir? Me dê moeda não, faz favor!…

      O sujeito nem xite. Abre um sorriso bem do safado nos lábios finos e toca a contar as moedas.

      A nêga, gorda, enorme, braços que só duas maças de carne, fecha a cara, produz um beiço do tamanho da Bahia, junta as duas mãos em concha e proclama: 

      – Ponha aqui! Isso, pode por! Ponha!

      O cobrador, incauto, despeja a cascata de níqueis nas mãos dela. Assim que tilinta o último óbulo, ela arremessa tudo na cara do cujo que, apalermado, fica sem ação.

      – Agora apanhe tudo, sujeito descarado!, e me dê o troco de papel, tá me ouvindo?, que se não eu te lasco é de cima a baixo, seu um sem mãe!

      O pobre coitado se sacode da poltroninha e se põe a catar as moedas. O lotação inteiro ri da cena: ele, agachado; e ela, entalada na catraca, mãos nos ferros, qual capataz vigiando o eito. Terminada a tarefa, o moço passa o troco – em papel – olhando de solaio para a preta, agora mais giganta do que quando entrou. 

      Ela puxou num repelão as cédulas da mão dele. Contou uma a uma de cenho franzido. Olhou-o bem na cara lívida e disparou:

      – Abusado!

      A gargalhada estrondou entre os passageiros. E ela saiu arrastando sua sacola, agora mais pesada, digna como uma mãe de santo.