O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush foi empossado no último dia 20 de janeiro para um segundo mandato de quatro anos. É o fato político mais negativo da conjuntura internacional. Nada prenuncia de bom para os povos, nem mesmo para a população estadunidense que lhe conferiu a vitória eleitoral sobre o adversário John Kerry, em decorrência de um baixo nível político e da desinformação quanto aos fenômenos essenciais que presidem aos rumos do governo de seu país, o que a torna vulnerável a toda sorte de manipulação e chantagem psicológica.

Durante o primeiro mandato de Bush, o país mais rico do mundo conheceu o aprofundamento dos problemas econômicos e sociais, viu alargar-se o fosso entre pobres e ricos, com a redução de impostos para os detentores de poder econômico e corte de dotações orçamentárias para a saúde e a educação. Na era Bush, seguindo uma tendência que vem de longe, os problemas estruturais da economia estadunidense se agravaram, seus déficits e endividamento externos assumiram proporções colossais, enquanto a moeda se desvaloriza continuamente, irradiando-se daí desequilíbrios e incertezas para a economia mundial.

Bush no poder representou uma deriva conservadora como há muito não se via nos Estados Unidos da América. Pode-se dizer, sem receio de se cometer exagero, que desde o início dos anos 80, quando tomou forma e corpo um verdadeiro “tsunami” conservador, a partir da instalação da Administração republicana de Ronald Reagan, não houve governo tão reacionário e obscurantista no país que se pretende o centro irradiador da civilização ocidental. Imbuído de um fundamentalismo que muito o aproxima de uma nova forma de fascismo, o governo de Bush chamou a si a tarefa de “regenerar” a América, mesmo ao preço de transformá-la num anacronismo.

Politicamente, pretextando a estabilidade e a segurança da América, o primeiro mandato de Bush representou um retrocesso precisamente naquilo que pretensamente distinguiria a “civilização americana” das demais – a defesa da liberdade. A chamada Lei Patriota e a criação do aparatoso Departamento de Segurança Interna foram passos na direção de importantes mudanças na relação entre o poder governamental e a sociedade civil nos Estados Unidos.

O primeiro mandato de Bush constituiu um período de brutal e generalizada ofensiva contra os povos e nações soberanas, marcado por fatos gravíssimos, como a invasão de países, a interferência nos assuntos internos de outros, a militarização infrene da vida política e social e a desmoralização das Nações Unidas. Mais do que em qualquer outro momento da história contemporânea, este que vivemos sob o governo de Bush tem sido o mais caótico, inseguro e ameaçador. O governante que iniciou um novo mandato presidencial na maior superpotência do planeta pôs a guerra no centro da sua atividade internacional, eliminou a diplomacia, o diálogo e os mecanismos multilaterais como métodos e ferramentas de governo, substituindo-os pelo unilateralismo e pela política do ditame da força. A sensação vertiginosa do poder absoluto de que pode usar arbitrariamente os meios militares para impor sua vontade ao resto do mundo tem sido de tal ordem que, acompanhada pela difusão de mentiras e argumentos ideológicos legitimadores, parece conquistar a hegemonia sobre as mentes do chamado senso comum, que começa a aceitar tais acintes como normais.

Mas as forças progressistas e antiimperialistas, diante do início de mais um mandato presidencial de George W. Bush, não podem cessar seus protestos e deixar de denunciar que durante o primeiro mandato foram feitas guerras chamadas preventivas com base em rematadas mentiras durante as quais foram e são cometidos hediondos massacres de populações civis e torturas a prisioneiros de guerra, o que credenciaria o ocupante da Casa Branca não propriamente a um segundo mandato, mas a uma condenação, se ordem internacional democrática houvesse, por crimes de lesa-humanidade.

Agora mesmo, para estupor da opinião pública, a Casa Branca, sem cerimônia, publicou uma nota lacônica dando conta de que “a busca por armas de destruição em massa no Iraque foi concluída sem ter sido encontrada qualquer evidência de armas proibidas”. Às vésperas do desencadeamento da agressão norte-americana contra o Iraque, os inspetores da ONU já haviam chegado à mesma conclusão no início de 2003 e, diante das afirmações em contrário do governo estadunidense, pediram tempo para prosseguir as investigações, o que era uma legítima manobra protelatória para evitar a guerra A resposta foi uma declaração do então secretário de Estado Colin Powel diante do Conselho de Segurança da ONU taxando-o de organismo “inservível” porque “faltava com as suas responsabilidades” e na seqüência o início da agressão em 20 de março.

Ameaças de guerra

Tal como o primeiro mandato foi marcado por semelhante belicismo, o novo período de governo se inicia sob o signo das ameaças de guerra. Já não é segredo para ninguém a intenção de realizar uma operação militar contra o Irã, a Síria e outros alvos no quadro da “guerra infinita ao terrorismo”, proclamada por Bush logo após os atentados de 11 de setembro de 2001. Não é outra a finalidade a que serve o chamado plano de “reestruturação” ou “reforma” política do Oriente Médio. Com a justificativa de “democratizar”, “civilizar” e “libertar” a região das ditaduras e do fundamentalismo islâmico, o governo de Bush pretende neste segundo mandato desenvolver uma ação intervencionista que serve aos seus objetivos neocolonialistas de longo prazo. É também por essa razão que nada se pode esperar dos planos de “paz” e dos “acordos” propostos pelos EUA aos palestinos depois do desaparecimento do líder histórico Iasser Arafat e a eleição da nova liderança da Autoridade Nacional Palestina.

O segundo mandato de Bush não prenuncia nada de bom também para a América Latina e o Brasil. Os objetivos proclamados atentam contra a soberania, a segurança e a estabilidade no continente: derrocar o regime revolucionário cubano, impedir o desenvolvimento da Revolução Bolivariana na Venezuela, intervir militarmente no conflito colombiano e impor regras de comércio lesivas às economias dos países latino-americanos, seja através da Alca ou dos chamados acordos bilaterais.

As ameaças contidas na situação mundial, que se tornam mais sérias com a conquista de um segundo mandato pelo grupo ultra-conservador nucleado em torno de Bush, não devem, porém, ser encaradas com medo pelas forças progressistas em todo o mundo. O governo de Bush é reacionário, agressivo, belicista, mas não é onipotente. É falsa a suposição de que tudo pode e não há força que se lhe possa opor. A Resistência Iraquiana é disso o mais contundente exemplo. Há exatos 22 meses, que se completou em 20 de janeiro desde o início da ocupação por meio da guerra, não decorreu um só dia sem que os agressores fossem hostilizados pelos patriotas iraquianos em armas, cuja resistência se converteu num movimento insurgente de tamanhas dimensões, que as autoridades de ocupação e seus lacaios admitem não estarem preparados para enfrentar.

Em todo o mundo os povos resistem. Com dificuldades, é certo, porquanto foram duros os golpes sofridos pelo fator subjetivo, as forças revolucionárias, durante a onda conservadora, que não passou e tende mesmo a permanecer. Mas em toda a parte há luta: pela paz, a democracia, a soberania nacional, os direitos dos trabalhadores e pelo desenvolvimento, contra o neoliberalismo e o protecionismo dos países ricos. Simultaneamente, atuam na cena internacional fatores de contrapeso ao hegemonismo estadunidense, como a resistência de Cuba, o fortalecimento da Revolução Bolivariana, o aumento do poderio nacional da China, com todas as peculiaridades do socialismo na grande nação asiática, e a manifestação das contradições interimperialistas com os próprios aliados tradicionais dos EUA, que objetivamente desempenham papel na evolução do quadro mundial.

A luta do povo brasileiro por democracia, soberania nacional, progresso social e desenvolvimento não está alheia a esse processo. Se o governo do presidente Lula superar seus impasses e promover as necessárias rupturas com o conservadorismo e o renitente neoliberalismo, ainda bastante influentes em seu governo, o Brasil também poderá ser um forte fator de resistência à ofensiva do imperialismo norte-americano, que ingressa em nova fase a partir do início do segundo mandato presidencial de Bush.

José Reinaldo Carvalho é jornalista, vice-presidente nacional do PCdoB e responsável pela Secretaria de Relações Internacionais do Comitê Central.

EDIÇÃO 77, FEV/MAR, 2005, PÁGINAS 56, 57, 58