O intenso debate em torno da autorização para a pesquisa com células-tronco embrionárias e a posterior aprovação do projeto de lei de Biossegurança pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal demonstram o amadurecimento na sociedade da idéia de tratar-se de uma coisa boa para a vida.

O fato de a proposta colocar a vida no centro da discussão e a ciência como instrumento para melhorar a qualidade de vida e buscar solução para diversas patologias fez com que alguns grupos religiosos, mesmo os mais conservadores, se manifestassem claramente favoráveis à proposta.

A necessidade da inclusão do tema no projeto do Executivo nº 2401, ainda em 2003, foi apontada como essencial por vários cientistas durante audiências públicas na Câmara dos Deputados. Os especialistas queriam anular a Lei nº 8.974, que desde 1995 proibia o armazenamento de embriões para utilização com material biológico disponível, o que na prática inviabilizava a terapia com células-tronco embrionárias.

Se nada tivesse sido feito naquele momento, muito provavelmente hoje estaríamos convivendo com a
proibição, pois dificilmente uma outra lei de forma isolada teria condições de aprofundar na sociedade e no Congresso Nacional um debate dessa proporção. Por esse motivo, na condição de relator do projeto na Câmara, achei por bem apoiar e reconhecer como justa a reivindicação dos cientistas em favor da tramitação conjunta dos temas relativos aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e as células-tronco.

O relatório por mim apresentado na Câmara retirou do projeto de lei qualquer restrição ao uso de embriões com material biológico disponível e na prática abriu a possibilidade de serem feitas pesquisas com células dessa natureza.

Quando o deputado Renildo Calheiros (PCdoB/ PE) assumiu a relatoria foi necessário fazer um acordo com as diversas bancadas, principalmente com as religiosas, uma vez que o tema ainda não estava suficientemente amadurecido na Câmara. O texto apresentado por Renildo vedava a pesquisa com células-tronco embrionárias e permitia a pesquisa com células-tronco adultas. A mudança foi importante naquele momento porque evitou o confronto com segmentos contrários à pesquisa, o que poderia resultar até mesmo na rejeição da proposta, e permitiu aprofundar a discussão do tema no Senado, contando com a colaboração de outras entidades e também dos próprios pacientes e familiares de pessoas cujas patologias potencialmente pudessem merecer tratamento a partir da aprovação da lei.

Ao chegar ao Senado, o debate evoluiu muito intensamente, com uma grande mobilização de vários senadores, entre eles Tasso Jereissati (PSDB/CE), Lúcia Vânia (PSDB/ GO) e ainda Jonas Pinheiro (PFL/MT), que se empenharam pessoalmente em favor da mudança do projeto vindo da Câmara. Permitiu-se assim um avanço no Senado e o relatório final mostrou-se como uma solução intermediária, que não liberou completamente a pesquisa como sugeria o texto original, mas permitiu a pesquisa e a terapia em embriões congelados há mais de três anos, com no máximo 15 dias de vida.

Essas células, que seriam descartadas pelas clínicas de fertilização in vitro, passam então a ser potencialmente uma grande esperança para milhões de portadores de doenças genéticas até hoje incuráveis. Isso sem dúvida demonstra o amadurecimento do Poder Legislativo ao ouvir a sociedade e ser capaz de tomar essa decisão avançada até mesmo em comparação com outros países.

Sabemos que os resultados práticos não aparecerão em curtíssimo prazo por se tratar de um novo ramo do conhecimento. A previsão é de que apenas daqui a cinco anos isso possa efetivamente ser utilizado para terapia em escala geral, mas a utilização para uso terapêutico de células-tronco embrionárias abre todo um leque de possibilidades para a medicina, por serem células que podem se transformar em quaisquer tipos de células.

Moléstias poderão ser tratadas com a substituição de tecidos por essas células e isso vai significar um grande avanço tanto para as pessoas que sofrem com essas doenças como para seus familiares. Portanto, a vitória foi da ciência e da sociedade em favor da vida.

Aldo Rebelo é deputado federal (PCdoB-SP) e ministro da Coordenação Política do Governo Lula, foi relator do Projeto de Biossegurança na Câmara dos Deputados

EDIÇÃO 78, ABR/MAI, 2005, PÁGINAS 20, 21