Ponto final. Olga Maria descascava uma bala e pensava em Sérgio. Cogitava do amor e suas dúvidas; do desejo e suas certezas, quando encosta um cidadão alto, tiposo, com um olhar sereno e longe. Cabelos negros e bastos, têmporas grisalhas, pele morena, íris de um castanho claro e vivo, o sujeito vergava um terno azul bem escuro, camisa preta acetinada sem gravata.

      Olga deu um suspiro. "Que homem é esse, meu Deus!?".

      Mulata de um e setenta, cabelos em cascata de cachos, vestia um tubo por baixo do qual se insinuavam as curvas, e trazia nos pés um par de sandálias salto alto que lhe tensionava as pernas.

      Fez que não viu o figura, deu um passinho pra trás e esbarrou: 

      – Ô, desculpe. Eu não vi que o senhor estava aí.

      – Não foi nada.

      – A gente fica tanto tempo esperando esse ônibus e acaba se distraindo, pensando longe… Desculpe, sim?

      – Sem problemas. 

      – …

      Chegam mais dois na fila. A tarde vai, devagar, morrendo.

      – Sempre pego ônibus aqui – reatou Olga, repentinamente -, e nunca vi o senhor no ponto.

      O "bonitão" olhou-a bem nos olhos, num silêncio que não durou cinco segundos. Um olhar tão intenso e tão cheio de vozes, que a nega ficou assim como que hipnotizada, expectante. Só depois de um certo tempo, ela percebeu que ele falava. 

      – Desculpe, não enten…

      – Falava – disse ele, calmamente – que é a primeira vez que pego esse ônibus. Disseram-me que é um dos que vão até o final da Brigadeiro. É certo?

      – O quê?

      – Que ele vá até o final da avenida.

      – Ah, sim, é, é sim.

      – Obrigado.

      – Tem de quê…

      Silêncio. Olga se inquietava e não sabia por onde recuperar aquele veio, que sorveu sem saber como já se esgotou. Daqui a pouco o ônibus chegava. Quem sabe sentados juntos… Mas ela entrava primeiro, e ele podia não sentar ao lado dela…

      – O senhor… Você – e um lampejo de decisão aflorou-lhe as pupilas – você acredita em amor à primeira vista? 

      O sujeito voltou a invadir-lhe fundo os olhos. Sério, perscrutava-a num à vontade que ela não sabia se a incomodava ou embevecia. Ao mesmo tempo, só pensava na burrada que tinha feito. Como é que se chega prum estranho e já declara assim amor desse jeito. "Como você é idiota, Olga Maria! Jesus Cristo!".

      – O amor não existe – respondeu-lhe uma voz sob um sorriso quase beato, prenhe de sentidos.

      Olga quase desmonta de vergonha. Mas o despeito é maior, que ela não era nêga de ser assim dispensada, ainda mais com tudo aquilo a lhe queimar por dentro:

      – E isso aqui que eu tô sentindo, é o que, me diga? – "Ai, meu Deus, a besta ainda insiste!", pensou. 

      – O mesmo que sinto eu – respondeu-lhe o cidadão -: um perfume e uma tensão no ar que só pode existir agora e aqui, neste ponto de ônibus, entre mim e você.

      – E como é que eu chamo isso? – devolveu ela, a carne dos lábios quase num suspiro, olhos fitos nele.

      – Como é seu nome?

      – Olga. Olga Maria.

      – Prazer. Diogo.

      Mal depositou sua mão na dele, ouviu mais uma vez a voz sob o sorriso, agora largo:

      – O nome disso, Olga, é Olga e Diogo.