O livro Operação Araguaia: os arquivos secretos da Guerrilha do Araguaia foi inspirado num desses acervos de oficiais militares que, de modo mais ou menos direto, estiveram envolvidos no conflito. Trata-se de uma obra que será conferida pelos brasileiros interessados nesse significativo episódio da nossa História.

O livro foi escrito em parceria pelo jornalista Eumano Silva e pela estudante de Comunicações Taís Morais – filha do oficial que mantinha em sua posse os documentos. No livro, que busca a narração cronológica dos acontecimentos, não há uma unidade na elaboração – apenas os agradecimentos são separados. É impossível saber quem escreveu o que e com que propósito, visto que os autores não assinam individualmente os capítulos. Posto à luz com o indiscutível mérito de mostrar que existem, sim, os proclamados arquivos secretos – o rebento, entretanto, traz consigo indícios de um certo contágio.

Para o leitor mais atento as contradições vão transparecendo no desequilíbrio de valor entre o exame dos arquivos, que revisitam os autos inquisitoriais, e as informações oferecidas pelos documentos e depoimentos oriundos do partido protagonista da guerrilha – o PCdoB – e de seus aliados, que incluem elementos da igreja católica compulsoriamente envolvidos no conflito. Como o atrativo eleito consiste nas revelações dos arquivos oficiosos, o pêndulo força nessa direção algumas das principais conclusões, fazendo com que em determinadas ocasiões o conteúdo dos depoimentos, obtidos sob bárbaras torturas, ganhe o tom e a cor impositivos do rito oficial. Isso faz com que, na mesma linha de propaganda do regime militar – uma propaganda de guerra, mesmo que suja e avessa a todos os princípios abraçados pela Convenção de Genebra –, a disposição revolucionária dos combatentes mais jovens seja relativizada, como se arrefecessem ao inimigo pela falta da arraigada convicção dos mais velhos.

Mesmo que o livro reproduza algumas das exaustivas entrevistas com os que se deslocavam para o interior do País e não deixe de mencionar a bravura de guerrilheiras como Walquiria Afonso Costa, executada em 25 de outubro de 1974, e informações disponíveis acerca da presença de João Amazonas e Mauricio Grabois, entre outros antigos dirigentes do comando político e militar guerrilheiro, à frente dessa preparação. Isso não evitou, em duas fotos legendadas, uma infeliz insinuação acerca da ausência de João Amazonas no início e na fase dos combates – fato exaustivamente explicado por Elza Monnerat. Amazonas, que ia de São Paulo para a região, foi avisado, em Anápolis, da presença militar. No lugar dele, poderia estar Grabois e, nas circunstâncias, suas tarefas se alteravam radicalmente. A menos que, cumprindo o desejo da ditadura, se entregasse.

Também é incompreensível a insistência dos autores em perguntar por que o PCdoB não assumia a paternidade da guerrilha. Há uma contradição atrelada à estranha persistência militar em culpar o hoje sociólogo Pedro Albuquerque, que saiu da área com a mulher, grávida, em junho de 1971, cerca de dez meses antes do início da guerrilha.

Em algumas passagens os autores dizem que, apesar de preso e submetido a torturas hediondas, ele não revelou o nome de ninguém. Noutras, insistem na versão de que as forças oficiais foram para a região do Bico do Papagaio após sua prisão, quando a historiografia informa que manobras militares foram ativadas ali muito antes da prisão de Albuquerque. Quanto à descoberta da área de atuação, prevalece o argumento de José Genoino Neto – preso no dia 14 de abril de 1972, dois dias depois da chegada dos militares: havia a clara orientação para os guerrilheiros o abandonarem caso alguém “caísse”. Lúcia Regina de Souza Martins, que saiu da área bem depois de Albuquerque, em dezembro de 1971, desaparecendo de um hospital em Anápolis, conta com a simpatia dos autores.

No entanto, o raciocínio que absolve um é inútil para outro, fazendo, com dois pesos e duas medidas, glorificação e linchamento. Velhas coisas da surrada polícia política são olimpicamente ignoradas pelos autores, como se, nas devidas épocas e proporções, Tiradentes e seus mártires inconfidentes pudessem ser balizados pela célebre peça da polícia lusitana produzida com o sangue e retalhos da carne dos revoltosos – Os Autos da Devassa.

EDIÇÃO 79, JUN/JUL, 2005, PÁGINAS 81