Os leitores brasileiros, em especial os que se dedicam ao estude e debate das grandes questões atuais, como a elaboração de um novo projeto nacional de desenvolvimento em meio a um contexto de financeirização, ganharam um fôlego a mais com a publicação das Obras Reunidas de Ignácio Rangel pela Editora Contraponto (com apoio do BNDES).

Nelas, o leitor poderá acompanhar uma visão quase documental do tortuoso processo econômico do país entre a consolidação do Estado nacional dirigido por Vargas a partir do início dos anos 1950 do século XX e os reais motivos de seu esgotamento evidenciado pela crise do II PND e possíveis soluções dentro da ótica do Estado nacional – o que acabou não sendo implementado devido à contra-revolução neoliberal da década de 1990.

Importante iniciar a leitura das Obras com “Dualidade Básica da Economia Brasileira”. Trata-se de uma síntese da adaptação das idéias da III Internacional sobre o caráter antiimperialista e antifeudal da revolução na periferia. Logo, como economia periférica o Brasil está regido por dois pólos: um interno e outro externo. A prova do radicalismo do autor fica na habilidade com que utiliza várias categorias do materialismo histórico, além de uma aula de como conjugar economia, política, direito, geografia e história com um grau de abstração digna de um grande filósofo.

Em seguida, é importante partir para a leitura de “Economia: Milagre e Antimilagre” no qual o mestre maranhense disseca o chamado “milagre brasileiro”. Neste texto é essencial ler o subitem IV dedicado ao “Novo Departamento I”, em que se identifica a existência de processos de substituições de importações anteriores ao início de nossa industrialização, formando um Departamento I artesanal, servindo de base física para o futuro Departamento II.

Uma série de artigos dedicada à questão agrária abre o volume 2. O leitor identificará a influência de Lênin no autor no que concerne ao chamado desmonte do complexo rural brasileiro, idêntico ao demonstrado por Lênin em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Para Rangel, a solução da questão agrária está no aprofundamento do processo de industrialização e na composição das chamadas vilas rurais, onde o bóia-fria trabalharia em épocas de não-plantio ou colheita.

Em “Revisitando a questão nacional”, indispensável àqueles que hoje pensam a questão nacional como algo estratégico, o autor situa historicamente a questão nacional desde 1822. Para ele, a questão nacional no presente e sua solução passam pelo aparelhamento de um sistema de intermediação financeira com capacidade para prover recursos para o setor privado tocar adiante obras nos setores de infra-estruturas (qualquer semelhança com a luta contra as altas taxas de juros não terá sido mera coincidência).

Por fim, é interessante a leitura dos subitens “Do ponto de vista nacional” e “Artigos avulsos”. São coletâneas nas quais se poderá saborear sua posição intransigente em torno dos interesses nacionais e populares em contraponto aos de Roberto Campos, além de conterem artigos de denúncia aos planos “estabilizadores” (Cruzado etc), a traição collorida e suas opiniões acerca do colapso soviético.

Aos poucos os que vão conhecendo com profundidade a obra de Ignácio Rangel, também vão percebendo que se trata do mais completo economista brasileiro da segunda metade do século XX e de um dos grandes pensadores marxistas. Ele apontou elementos centrais para o rumo do desenvolvimento soberano. Certamente, a última impressão deverá ser a falta que este extraordinário intelectual faz à defesa do Brasil e do socialismo científico. (pedidos para: [email protected])

Obras Reunidas de Ignácio Rangel, 2 vol., Ed. Contraponto, Rio de Janeiro, 1504 pp., R$120,00

Edvar Bonotto e Elias Jabbour

EDIÇÃO 80, AGO/SET, 2005, PÁGINAS 80