Eu vendi tudo, daqui a pouco eles vêm aí buscar… é engraçado não é? Durante todos estes anos não parecia que eu tinha tanta coisa… Não faz mal, eu não vou chorar… não vou mesmo(…) Certa vez eu me apresentei num cabaré no quartier latin e no final do espetáculo um público formado por brasileiros gritava: ‘Viva o Brasil!” Viva o Brasil… não, eu não vou chorar, só estava lembrando… se eu tivesse ao menos uma aposentadoria(…) eu vou tentar um concurso público pra professora numa cidade do interior(…) aqui em São Paulo não dá, a falta de perspectiva é muito transparente e fica difícil dar aula numa escola de periferia… Engraçado não é? Há uns dez anos quando aluguei esse apartamento parecia tão barato, agora eu nem posso pagar o condomínio… mas não é isso que me dá vontade de chorar… A dona do apartamento outro dia gritou aqui na porta: “Também, a senhora quer ser artista, por que a senhora não vai vendê cedê pirata na 25 de março?” Eu ri, ri muito porque gostei da sonoridade: “vendê cedê” (…) Eí! pára de ficar me olhando com essa cara… tá pensando que eu vou chorar? É… Talvez eu chore… Chega o seu ombro aqui um pouquinho mais perto.