Pense num homem feio. Multiplique por dois. Agora mentalize um sujeito feio e safado, muito safado. Esse é Zé Amaro. 

      – Meu irmão, – sempre diz, enquanto besunta a boca com a língua e coça as partes – se Deus inventou coisa mais gostosa que buceta, guardou pra ele.

      Um belo dia, Amaro conheceu Rosalina. Estudante do ensino médio, toda lindinha em seu uniforme – saia curta azul-marinho, camisa branca de tergal, o sutião denunciando-se por debaixo – a menina tinha uns cabelos assim em cachos negros e uma boca de pecado. Tropeçaram-se no bar defronte ao colégio. Ele, 25 anos, na cachaça do meio-dia. Ela, 17 pra 18, a caminho da casa de uma amiga, prum trabalho escolar. 

      A moça achou graça naquele figura alto, desengonçado, de olhar lúbrico entre duas orelhas de abano. Riu. Se era pra ele, ou dele, não importava: Zé Amaro abalroou a fragata:

      – São de verdade.

      – O quê? – inquiriu se rindo a menina.

      – As orelhas. Já me ofereceram uma fortuna por elas, mas disse não, que isso é presente de pai, que deus o tenha. 

      Rosalina espocou uma gargalhada. Ele, olhos de azougue, percorria as carnes toda dela, como se procurasse onde melhor morder. Ela pagou o salgado, despediu-se do vendeiro, dispensou um último olhar alegre ao homem engraçado e se foi.

      – Aquilo deve ser cherôso, seu Cleiton.

      – O quê? A menina?

      – Tava pensando era no xibiu, mas a menina também deve de ser. 

      Desde esse então, Zé Amaro voltou todos os dias àquele bar. E todo dia fazia uma graça para Rosalina. Até que, depois de ceder seu nome, seu endereço e muitos de seus risos, ela concedeu a flor por ele há muito perseguida. E aí foram mil espocos no céu alcançado, e lágrimas de uma alegria misturada a um desespero bom que ela nunca conhecera.

      À noite, nas solitudes de seu quarto ou banheiro, lembrava da enorme estrovenga, dos lábios carnudos a lhe chupar inteira, das posições impossíveis, das palavras sujas proferidas com inacreditável carinho e daqueles olhos satisfeitos por tê-la saturado de insuspeitada felicidade. E se desfazia em gozos antecipados, ao tempo em que se encrespava na espera do meio-dia seguinte.

      Num desses meio-dias, Zé Amaro deixou de aparecer.

      Por dois dias, depois de muito esperar, ela voltou pra casa triste, ferida. Na terceira espera, indagou o vendeiro seu Cleiton. Disse que nada sabia, o cidadão. No quarto dia, depois de fuçar aqui e ali e rogar a seu Cleiton uma pista, foi bater na porta de Amaro, tarde de chuva grossa.

      O cujo morava de favor na casa de um amigo. Uma empregada, dona idosa, abriu a porta e a pôs pra dentro sob resmungos de misericórdia, vc se gripa assim, menina. Depois da cortesia de uma toalha seca, indicou a portinha sob a escada que dava pro andar de cima do sobrado. 

      Rosalina bateu. Atendeu-a um Amaro medonho, estremunhado do sono inconcluso. De joelhos, um olho aberto, outro fechado, fez uma expressão de irritação e grunhiu, pastoso:

      – Que cê veio fazer aqui, menina?

      – Onde você andou, Amaro, que tem quatro dias que não te vejo? 

      – Qué isso? Polícia, agora? – retrucou ele, já a caminho da cozinha. 

      – Olha, se você tá pensando que eu sou pasto pra usar e depois…

      – Olhe – interrompeu Amaro, sereno e firme, e de copo d'água na mão, já pelo meio – é justamente porque vc não é pasto que eu sumi.

      Esvaziou o resto do copo, enquanto, confusa, Rosalina procurava recompor o fio partido.

      – Quer água? – ofereceu ele. 

      – Não quero saber de água, quero…

      – Você é muito linda, minha Rosa, e eu… eu não presto. Não amarre sua canoa neste trapiche véio, que não paga a pena.

      – Mas eu te amo, Am…

      – Ama não. Dois namorados depois, você já me esqueceu, pode apostar. 

      – Quem resolve se amo ou esqueço aqui sou eu, não você.

      – Garota, preste atenção…

      – Não presto porra nenhuma, tá sabendo? Porra nenhuma!

      E agarrou o cabra pelas orelhas, baixou-lhe a cabeça e lhe meteu boca adentro uma língua ansiosa. Amaro, ao se libertar após certa labuta, a encarou com aqueles olhos de sátiro e sentenciou, ar canalha:

      – Senhor, perdoai-lhe: ela não sabe o que faz. 

      Dali a meses, casaram-se – debaixo da fúria de um pai militar e lágrimas bastas de uma mãe extremosa.