Desde a queda do ministro Palocci a oposição conservadora retomou a ofensiva contra o governo, voltando a cogitar o impeachment do presidente Lula. A oposição também continua sua investida para “paralisar” o governo. Como você caracteriza essa conduta da elite conservadora?
Renato Rabelo – Este processo em curso faz parte da disputa pelo poder – como caracterizamos essa luta –, sobretudo porque se aproximam as eleições de outubro e está em jogo a Presidência da República. Neste contexto, essa disputa pelo poder se acirra e acaba ganhando uma profundidade maior.

É bom lembrarmos que desde os primórdios da República as sucessões presidenciais sempre foram momentos de aguda batalha política. Mesmo quando setores dominantes disputavam entre si a Presidência, o confronto era forte. Até na época do regime militar, quando o processo ocorria “entre muros”, a contenda foi muito séria.

Hoje, o confronto entre um bloco liderado por Lula – que representa um conjunto de forças democráticas, patrióticas, populares (ao contrário das que sempre mandaram no país) – e os setores conservadores se agudiza ainda mais, porque essas forças que hoje têm como expressão maior o PSDB não admitem a reeleição de Lula. A própria vitória de Lula ocorreu sob uma grande resistência do bloco conservador que, sem êxito, a todo custo tentou impedi-la. Uma vez que “tiveram de engoli-lo” o tempo todo procuram uma forma de se livrar dele. A eleição de Lula representou um corte no ambicionado projeto do PSDB e de seus aliados de governar o país “por décadas”.

A atual disputa, então, ocorre entre as forças que querem a qualquer preço voltar ao centro do poder e o bloco progressista que mal iniciou seu governo – uma vez que três anos é muito pouco para realizar grandes mudanças, sobretudo por ter encontrado uma situação de descalabro e de crises bastante severas.

Neste contexto, a oposição conservadora tem procurado por todos os meios fazer oposição ao governo, inclusive com sucessivas tentativas de desestabilizá-lo. E nos momentos em que a crise se eleva surge sempre – ou se cogita – a questão do impeachment do presidente da República, como forma de tentar encurralá-lo.

Assim vem agindo o bloco com centro no PSDB, principalmente porque, hoje, o presidente tem grande respaldo popular, pois seu governo é voltado para a parte mais pobre da população – não por acaso Lula tem amplo apoio nesta faixa. Justamente por isso o bloco conservador persiste em procurar formas para atingir este governo. Porque se nas pesquisas ou sondagens de opinião Lula estivesse mal, talvez a tática deles fosse outra.

Exatamente porque persiste esse apoio popular e o prestígio do presidente se mantém o bloco conservador dá continuidade a essa tentativa de desestabilizar o governo.
Os tucanos, entre outras vaidades, cultivam a imagem de uma espécie de direita civilizada, contemporânea. Contudo, essa ação desestabilizadora, golpista, é algo recorrente na história política do país…
Renato Rabelo – De fato, os setores da atual oposição conservadora se apresentam como uma direita moderna, mas não deixam de ser a velha classe dominante. Sua fisionomia política tem sido a mesma se considerarmos o período republicano. Esses setores oposicionistas conservadores têm usado métodos que visam, primeiro, a desestabilizar um governo, deflagrando o que denominamos de “cruzada moralista”, em que eles se vestem de defensores da moral e do bem público. Segundo, às atitudes golpistas – aspecto próprio desse tipo de oposição –, porque eles procuram a qualquer preço apressar a retirada do governo de cena. E terceiro, visam à tentativa de formação de uma espécie de governo paralelo – aspecto que compõe esse tipo de manifestação, de “cruzada moral” golpista. Um tipo de poder paralelo que, tendo forte influência na mídia, propaga suas idéias e ações contra o poder estabelecido. A mídia torna-se, portanto, um centro que legitima as ações desse setor e dissemina seu ideário.

É possível traçar um paralelo entre a atual CPI dos Bingos e a “República do Galeão” no governo de Getúlio Vargas?
Renato Rabelo – Há vários episódios parecidos a esse em nossa história. Fazendo uma analogia, o exemplo do que ocorreu com o governo de Getúlio Vargas é bem elucidativo. Naquele momento formou-se a chamada “República do Galeão”, uma espécie de poder paralelo ao de Getúlio Vargas. Ela era formada por oficiais da Aeronáutica e das Forças Armadas, pela UDN – esta última, um agrupamento político na época com muita influência junto à opinião pública e à mídia, composta basicamente por jornais e emissoras de rádio. Essa articulação irradiava o que pretendia para o Brasil inteiro e a imprensa dava grande destaque a tudo o que ela pregava, criando um clima em que aparecia um outro poder tentando se impor ao poder estabelecido no país.
Hoje podemos fazer uma analogia também com o Senado, no qual um setor conservador vai criando formas de se tornar um poder desse tipo, utilizando as CPI’s (Comissão Parlamentar de Inquérito). A CPI dos Bingos, por exemplo, é pura provocação; conhecida hoje como “CPI do Fim do Mundo” – uma espécie de “comissão geral de investigação”.
No afã de formar esse poder paralelo, esse setor chega até a passar por cima do presidente do Senado, das instituições da República, com todo tipo de pressão e, nas condições atuais, com a formação de um bloco de oposição – conservador e midiático: a soma das forças políticas e o complexo das empresas de comunicação. Se em outros momentos foram utilizadas a mobilização e a intervenção das Forças Armadas, hoje os conservadores contam com a mídia – seu instrumento-chave atual.

No ano passado, no auge da crise, o PCdoB ajudou a deflagrar um movimento em defesa do mandato do presidente. Em sua ótica como deveria se dar a reação do governo e do campo político e social que o apóia ante o recrudescimento dos ataques conservadores? Renato Rabelo – A ação e conduta dos comunistas devem estar apoiadas em dois planos: um imediato e outro em perspectiva. No plano imediato é necessário enfrentar as investidas e tentativas feitas pela oposição para criar uma opinião contrária ao governo. Ou seja, formar uma linha de resistência aos ataques. Quando a oposição procurou explorar mais o clima de crise política foram fundamentais as mobilizações de rua defendendo o mandato do presidente da República e desmascarando as tentativas golpistas de impeachment que se procuravam criar. Num segundo momento foi importante a própria rearticulação do PT, por ser o principal partido no campo oposicionista. E, finalmente, o momento mais significativo e importante para compor essas linhas de resistência foi a vitória de Aldo Rebelo, um quadro do PCdoB, para a presidência da Câmara dos Deputados na condição de representante do campo democrático e popular. Esses foram momentos e movimentos daquele enfrentamento. Mas como esse processo faz parte do embate político, agora a oposição volta à ofensiva, procurando explorar a situação e se aproveitar de erros cometidos por setores que compõem o nosso campo.
De imediato, hoje, devemos enfrentar este novo recrudescimento da ação oposicionista conservadora, sobretudo quando se aproximam as eleições. Num primeiro momento é preciso mobilizar o povo, a maioria da nação, e dizer-lhes quais os reais propósitos dessa investida: desestabilizar o governo e impedi-lo de governar, preparando a volta da direita neoliberal ao comando do país. Pelo nosso entendimento, deveriam ser incentivados um movimento de massa e um amplo debate de idéias para demonstrar à nação que Lula é um presidente do povo, uma liderança comprometida com os interesses da maioria da nação; e que é necessário impedir o retrocesso e continuar lutando pelas mudanças que o país requer.
No plano em perspectiva, para o PCdoB – para poder dar continuidade a um novo mandato e impulsionar as mudanças, assim impedindo o retrocesso – há a necessidade de uma repactuação política e de alianças para se firmar uma perspectiva a um segundo mandato de Lula. Conforme temos defendido, o presidente neste primeiro mandato criou pelo menos condições mínimas básicas para o desenvolvimento, voltado para enfrentar os desafios sociais e investir na produção e na valorização do trabalho. É necessário fazer uma sinalização nesse rumo. Pela comparação que fizemos com a situação da primeira campanha, deveríamos hoje escrever uma nova carta aos brasileiros, uma nova versão, destinada a quem produz e a quem trabalha – diferentemente da primeira que, para garantir uma certa governabilidade, foi dirigida aos chamados meios financeiros, ao mercado. Essa deve ser a perspectiva a ser apresentada como forma de repactuação, para que o novo mandato do presidente Lula – se o alcançarmos – esteja voltado para enfrentar o desafio do desenvolvimento com maiores investimentos para conseguir resolver os graves problemas do Brasil.
Na temática da repactuação programática um tema fundamental é a questão da política macroeconômica, que apesar das criticas recebidas ao longo do tempo se beneficia de uma idéia disseminada na sociedade, segundo a qual não haveria alternativa ao modelo econômico vigente. Como o PCdoB reage a essa visão de que esse atual caminho é inevitável?
Renato Rabelo – A questão da política econômica se relaciona com a formulação de que todo caminho a seguir no terreno econômico, antes de tudo, passa por uma decisão política, por uma opção política. E uma determinada escolha ou decisão política de governo requer sempre apoio e mobilização – inclusive da maioria da sociedade, ou pelo menos de boa parte dela. Não entendemos simplesmente a questão como uma fórmula somente econômica, mas antes de tudo como uma decisão política.
As mudanças econômicas também requerem tal apoio político. Em determinadas situações, primeiro se formou uma convicção, mesmo sem o apoio necessário para a mudança.
Atualmente, mesmo sem uma mudança da política econômica, poderíamos redirecionar essa política de forma a permitir maior índice de desenvolvimento. Dentre eles, basicamente, devemos implementar a baixa dos juros: o governo pode ser mais audacioso na questão da diminuição dos juros – que estão muito altos. (Muitos economistas dizem se tratar de uma verdadeira deformação.) Outra iniciativa nesse rumo seria destravar os investimentos públicos e privados, mesmo com a manutenção de certo nível de superávit primário, que pode ser inclusive menor que o atual.
Com essas medidas já poderia ser reforçada a possibilidade de um crescimento do investimento e uma tentativa para se buscar enfrentar a dívida interna – o grande problema da situação econômica atual. Isso porque a dívida externa em parte diminuiu, mas a dívida pública foi sendo concentrada na dívida interna. É preciso buscar saídas, sobretudo alongando os prazos dessa divida. Com a dilatação dos prazos e juros menores em perspectiva também o seu volume pode ser diminuído.
Tais medidas poderiam ser tomadas no contexto da política atual. Significariam passos importantes para que o desenvolvimento nacional atinja um outro patamar de crescimento econômico.
A mudança e o redirecionamento dos marcos atuais perpassam definições, convicções e apoio político – são antes de tudo decisões políticas a serem tomadas.

A atual orientação econômica absolutiza as metas de inflação em relação às metas de crescimento econômico. Contudo, a sociedade brasileira, traumatizada por longos períodos de inflação, valoriza a estabilidade, mas com um descontentamento em razão dos pequenos índices de crescimento. Como você analisa essa questão?
Renato Rabelo – A absolutização das metas de inflação faz parte da política macroeconômica atual. Para um redirecionamento da política econômica, garantido certo nível de estabilidade monetária com metas de inflação (atualmente já bastante reduzidas), é necessário também estabelecer no mesmo nível metas de desenvolvimento, metas de investimento e emprego (de índice de emprego). Porque o controle da inflação por si só – ou a estabilidade monetária por si só – não é suficiente para enfrentar a questão essencial para a economia: resolver o problema da maioria da nação, do povo. Resolveriam o problema do povo os índices altos de desenvolvimento e emprego. Esse tipo de absolutização, “a economia pela economia”, em última instância favorece os setores que têm o domínio da economia, ou seja, seus setores mais poderosos – quando na realidade a economia tem de resolver os problemas de todo o povo e não apenas de uma parte, de uma minoria.
No fundo, é essa a questão, porque não existe modelo econômico abstrato, benfazejo. Todo modelo, todo projeto econômico, inevitavelmente acarreta bônus para uns e ônus para outros. É impossível um projeto econômico na sociedade atual beneficiar a todos de forma igualitária.
O modelo econômico atual beneficia sobremodo um setor muito pequeno da sociedade, em especial o que tem grandes recursos para aplicação em títulos do governo e se beneficia dos juros altos. Ou seja, um modelo perverso e de custo social elevado. Tal modelo cria objetivamente uma situação de transferência volumosa de renda para um setor muito pequeno da sociedade e a grande maioria fica evidentemente prejudicada.
Portanto, não podemos ver os modelos econômicos como uma fórmula científica e neutra. A economia faz parte das ciências sociais, ela deve estar voltada para resolver problemas sociais. E o grande desafio atual é como ter uma economia que beneficie a maioria da sociedade e não somente uma parte pequena dela.
Para os comunistas isso é importante, porque nessa discussão toda pode ficar uma impressão de que não existem interesses, mas, sim, apenas a defesa de fórmulas econômicas – encobrindo, assim, seus verdadeiros interesses, o motor que as movimenta.
O Ministério do governo Lula passou por alterações importantes, tanto com a saída de Antonio Palocci quanto pelos ministros que deixaram seus cargos para assumir suas candidaturas. Como você analisa essa recomposição do ministério do governo?
Renato Rabelo – Em primeiro lugar, já houve uma recomposição no Ministério, pois o núcleo político principal do governo foi alterado devido à evolução da crise política. Figuras importantes desse núcleo, como José Dirceu e Luis Gushiken, de uma forma ou de outra foram afastados – e mais recentemente o ministro da Fazenda. Portanto, o presidente da República já vinha recompondo seu núcleo político principal.
Na atual recomposição entram duas importantes peças para compor esse novo núcleo de governo. Com a indicação de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda mudou também o núcleo que compunha esse Ministério. A secretária executiva (na prática, o vice-ministro), o secretário do Tesouro e a presidência do BNDES – peças importantes –, também apresentam mudanças, incluindo nomes mais alinhados com o ministro atual. Não é uma simples substituição de ministro, portanto. O ministro atual tem uma visão mais ampla e uma abertura maior sobre a necessidade de desenvolver o país.
Na área política também houve alteração com o ingresso de Tarso Genro nas Relações Institucionais. É um nome com posição de prestígio dentro do PT – de certa forma independente, pois não está vinculado a tal ou qual tendência. Ele ocupou a presidência do PT num momento de maior dificuldade e é exatamente uma pessoa de visão política afirmativa sobre o desenvolvimento e a necessidade do avanço das mudanças.
São duas peças importantes que, na composição do governo, vão sinalizando a necessidade de continuidade desse processo de mudança e de persistência de um governo com essa característica democrática.

Como você sintetizaria as razões da importância de uma nova vitória das forças que venceram em 2002? Qual o significado da reeleição de Lula no atual contexto brasileiro e também no Latino-Americano?
Renato Rabelo – No meu entendimento, Lula de uma forma ou de outra simboliza mudanças importantes. Em primeiro lugar ele conseguiu conduzir o país de uma situação que caminhava para a insolvência a uma situação de estabilidade, resolvendo um problema importante que é retomar a estabilidade monetária e em grande parte amainar a vulnerabilidade externa (antes muito acentuada), criando condições agora para o desenvolvimento mais forte.
Em segundo, Lula faz um governo voltado para as camadas sociais que, devido à situação de extrema pobreza, precisavam ser socorridas com medidas emergenciais. Conforme estimativas, tais camadas formam um grande contingente (em torno de mais de quarenta milhões de pessoas) e a sensibilidade de Lula procurou atendê-las com programas sociais (sobretudo o Bolsa Família e o Luz para Todos) que hoje atingem um número significativo de famílias. Não por acaso, Lula tem grande respaldo em toda essa base popular. São programas eminentemente populares e de emergência, como diz o próprio Lula, para atender situações de socorro. Em terceiro lugar, de uma forma ou de outra o governo procurou ampliar o mercado interno e de certa maneira atacar as desigualdades e dificuldades regionais. Com esses investimentos, sobretudo na área social, mais se beneficiaram as regiões Norte e Nordeste; não é por obra do acaso o presidente ter apoio maior nessas áreas. Isso reflete uma outra ótica de ver os problemas brasileiros.
Por último, e ligado ao nosso projeto de desenvolvimento, destaca-se a importância da integração da América do Sul – a integração continental.
Podemos até dizer que a marca de Getúlio Vargas, como homem público que marcou um período histórico, foi exatamente a integração do poder nacional – antes fragmentado, não constituindo um Estado homogeneizado. Essa unificação do Estado nacional foi uma grande obra de Getúlio, uma visão de grande estadista. Juscelino, por sua vez, se caracteriza pela integração física nacional – superando aquela etapa de que o Brasil se resumia à costa brasileira, em que toda a região interiorana era praticamente abandonada. Brasília simboliza essa concepção. Com a nova capital, JK puxou a população para o interior do país, formando pólos importantes de desenvolvimento em toda essa área e promovendo a integração física nacional.
E Lula vai se caracterizando pela persistência da política de governo que se reflete na política externa brasileira: a integração continental – não só integração política, econômica e social, mas também física, com projetos já em andamento (incluindo projetos gigantescos como o do gasoduto, que terá extensão continental, a construção de pontes, rodovias, ferrovias, portos). Um conjunto de obras de infra-estrutura que visam à integração, inclusive com bancos já voltados para isso. O próprio BNDES já tem uma rubrica destinada a esse tipo de investimento. Este é um fator importante porque ocorre num momento em que a América do Sul progressivamente é palco de um movimento ascendente de vitórias de forças democráticas e populares que antes nunca tinham alcançado o poder nacional. Tais forças têm o mesmo caráter das que levaram Lula à Presidência do Brasil.
A derrota de Lula seria como jogar água fria sobre esse movimento crescente de sentido democrático de forças novas que crescem na América do Sul. Esse mesmo movimento influi também em nosso país, sobretudo junto às forças mais avançadas, para ajudar a formar uma convicção de que é preciso reeleger Lula.

Uma vitória da direita no Brasil seria uma contratendência perigosa na consolidação dessas forças?
Renato Rabelo – Exato. A vitória das forças de direita hoje faria nosso país virar as costas a todo esse movimento progressista. O Brasil é peça importante por seu papel nesta parte sul das Américas, por ser o maior país, além de ter maiores recursos econômicos.

A oposição conservadora procura ampliar sua base de forças para a campanha eleitoral, buscando aliança com setores do PMDB e outros partidos. Como o PCdoB analisa esse movimento de ampliação de campo do PSDB? Qual a reação do campo da esquerda frente a esse movimento direitista que visa a isolar a campanha de Lula ou colocá-la num campo político bastante restrito?
Renato Rabelo – Da luta política faz parte a conformação de campos. Grosso modo, hoje há dois grandes campos de disputa na política brasileira: esse bloco conservador e o bloco popular e democrático.
O bloco conservador tem como força estruturante o PSDB, procura expor uma vestimenta moderna e utiliza os aparatos produzidos pela política neoliberal. É formado pelos setores que fazem parte da velha classe dominante, que sempre governou o país. O PSDB procura aparecer como um partido moderno, de quadros, mas faz alianças com o PFL que representa abertamente as forças mais retrógradas. É a velha classe dominante com características atuais, aglutinando a direita tradicional na figura do ACM (Antonio Carlos Magalhães) com a direita dita moderna na figura do Alckmin. O outro bloco tem a expressão maior em Lula. É um bloco democrático e popular, de defesa da soberania do país; ou seja, o bloco que levanta a questão do desenvolvimento democrático e da integração do Continente. São esses os dois blocos principais em disputa no presente, com suas várias tendências e matizes de um lado ou de outro.
A pergunta é: como conformar alianças nesses blocos? O bloco conservador vai buscar certas forças de centro que possam ser puxadas para seu lado. Por sua vez, diante da realidade política atual do país, para governar e ir adiante, o bloco democrático e integracionista tenta buscar forças de centro para seus propósitos. Essa é a luta atual para ampliar um campo de um lado e de outro. A governabilidade do país depende disso hoje. Nenhum desses dois blocos tem maioria política própria no Congresso Nacional. Então essa movimentação requer ser feita para que prevaleça um ou outro.
Este trabalho de coalizão política é fundamental. O PCdoB entende a necessidade de coalizão, por isso leva em conta a necessidade de envolver esse centro político para que haja condições de governabilidade – desde que esse centro esteja interessado em levar à frente as mudanças em função dos interesses democráticos, patrióticos, em defesa do América do Sul etc.

Ante a vigência da cláusula de barreira de 5% para as próximas eleições a direção do PCdoB lançou recentemente um “apelo democrático”. Em que consiste isso? O que levou o Partido a lançar esse apelo ao povo e aos setores democráticos da sociedade?
Renato Rabelo – Essa é uma questão importante porque, de maneira geral, a sociedade e a maioria do povo não têm noção do significado de cláusula de barreira.
Em primeiro lugar, ela atinge legendas como o PCdoB que tem definição programática e ideológica. E também partidos como PSB, PV e PDT que são agremiações de fisionomia definida, a pretexto de atingir os partidos de aluguel – muitas destas, na realidade, fazem parte dos interesses dos considerados partidos grandes.
Em segundo, a cláusula de barreira, como critério para definir a representatividade de um partido, é errada e até mesmo falsa. Ela visa, da maneira como está formulada, a beneficiar alguns partidos, mantendo seu status quo, privilégio de tempo na TV e fundo partidário público para eles – eliminando os outros, numa atitude antidemocrática. Para o PCdoB, a fórmula é falsa porque os 5% da dita cláusula se referem a um percentual que os partidos devem alcançar para a Câmara dos Deputados e isso definirá o grau de representatividade dos partidos pela Lei vigente. Mas ela é uma deformação, porque analisando como se deu esse processo no Brasil, percebe-se que tal regra é uma cópia do sistema eleitoral alemão. Mas lá, medir a representatividade de um partido em eleição à Câmara não é absurdo porque o Parlamento é formado por uma só Câmara. Além do mais, por ser unicameral, nele se decide quem será o primeiro-ministro que governará o país. A maioria escolhe o primeiro-ministro, porque o regime é parlamentarista. Então é concernente com essa realidade política medir a representatividade de um partido por esse método.
No caso brasileiro, torna-se uma anomalia, pois um partido pode eleger governador, senador, atingir uma grande votação nessas eleições majoritárias e não ter os 5% na votação à Câmara. E apenas esse critério vai definir a representatividade do partido? Portanto, trazer esse modelo para cá é uma deformação, pois ele não mede a representatividade do partido. No fundo, uma importação que não condiz com nossa realidade.
Essa é uma questão levantada pelos comunistas. O Partido faz um apelo nesse sentido para manter sua representação na Câmara. O PCdoB tem jogado um papel democrático importante – ressaltado não somente pelos aliados, mas também pelos adversários. Porque é um partido que tem dado grande contribuição à vida política brasileira. É um partido que não pode perder sua representação na Câmara. Este é o nosso apelo ao povo.
O povo brasileiro deve saber o que está em jogo neste processo.

*Adalberto Monteiro é jornalista e editor de Principios

EDIÇÃO 84, ABR/MAI, 2006, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13