Visitar as Veredas de Guimarães Rosa, no ciclo histórico que lhe sucedeu, não carece de razão de estudo. Pode ser só a vontade de pegar um caminho para entender o conflito humano presente, ou até mesmo uma saída terapêutica para conviver com ele.

Em licença literária, se é que se pode assim chamar o exercício de revisitar as incertezas de Riobaldo, vale a pena prosear com esse personagem tão brasileiro. O fato é que o espírito do tempo não apagou os traços mais fundos do “homem humano” e de sua travessia, tão fartamente listados em Grande Sertão.

As incertezas de hoje, as razões da vida e do que cerca o mundo continuam sendo o desafio de todos e de cada um, mesmo em meio às seguras veredas feitas de concreto.

O que falta mesmo é a vontade e a coragem de as pessoas viverem se perguntando para se encontrarem, como fazia Riobaldo – o personagem mais contemporâneo no rumo da sabedoria.
“O que é que tu acha do que acha, Alaripe?”, pergunta Riobaldo. E esclarece o sentido da inquietação ante a resposta desorientada do companheiro: “– que não isso; que da vida, vagada em si, no resumo?” (432). (1)

Na angustiante narrativa de seu viver, Riobaldo trilha uma caminhada permanente para descobrir sua verdade, o que levou o Compadre Quelemem a reprovar suas incertezas. Narra seu tempo de desorientação: “De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos” (11). Aponta a mudança no seu jeito de viver: “Mas agora, feita a folga que me vem… me inventei nesse gosto de especular idéia” (11). E é desse seu primeiro prazo de pensar que ele conclui: “Viver é negócio muito perigoso…” (11).

Impregnado das marcas religiosas de então, tenta explicações além delas povoando seus momentos com indagações: “É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é” (12).
Durante todo o tempo de sua narrativa, Riobaldo se permitiu o registro de suas incertezas. Mesmo no auge da preparação de um conflito com Hermógenes, seu grande desafeto, em momento de descanso das tropas, assume seu estado: “eu sem segurança nenhuma, só as dúvidas e nem soubesse o que tinha de fazer” (431).

O conflito que o sentimento por Diadorim despertava em Riobaldo e a ausência de explicações no terreno religioso, que amenizassem seu sofrimento, mantinham acesa a procura da sua verdade: “Não podendo entender a razão da vida, é só assim que se pode ser ver o bom jagunço…” (432).
É a descoberta da identidade de Diadorim, após sua morte, o caminho para que ele encontre sua verdade e todo o sofrimento que ela lhe produz. “Foi assim. Eu tinha me debruçado na janela para poder não presenciar o mundo” (454).

Assume na sua plenitude a consciência do acontecido: “A vida da gente nunca tem termo real”. E é a verdade que desconstrói o seu poder: “Desapoderei”, entrando em profunda inconsciência marcada por um quadro febril que leva longos dias.

Mas é também a partir da sua verdade que ele encontra a energia para trilhar novos caminhos. “Era feito eu me esperasse debaixo de uma árvore tão fresca” (…) “A primeira coisa que eu queria ver, e que me deu prazer, foi a marca dos tempos, numa folhinha de parede”.

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Jô Moraes é deputada estadual pelo PCdoB/MG.

(1) Referências: ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. José Olympio: Rio de Janeiro, 9ª ed., 1974.

EDIÇÃO 86, AGO/SET, 2006, PÁGINAS 57