Arranquei-lhe as vísceras, segurei-as rente aos meus olhos pensando comigo:  Está aí algo que não interessa a ninguém, não pode ser vendido como um rim ou um coração. Há quem queira comprar? Não, acho que não.

      Já senti vontade de morrer, mas não desse jeito. O homem foi morto pela multidão, e muitos participaram do linchamento sem sequer saber a razão de tanta violência, mas assim mesmo bradavam que o homem devia morrer. O velho morava só, naquela casa cercada de matos; vivia enfurnado. Não tinha amigos, nem um gato, um cão ou um passarinho de gaiola. Gente assim é suspeita.

      O homem estava agüentando bem, mas o que derrubou mesmo foi uma paulada  bem no meio da cabeça. Ninguém pode com o povo enfurecido. Uns queriam enforcá-lo, mas enforcamento é processo demorado e depois ainda dá tempo de ouvir algumas razões da vítima ou de algum condescendente. Estripar é bem melhor.

      Eu nem conhecia o sujeito, quer dizer, só de ouvir falar, de ver ele por aí de vez em quando. Um dia ele apertou minha mão e disse "Feliz ano novo!" É, foi isso que ele disse: "Feliz ano novo". Mas eu não vou deixar de matar alguém só porque me diz "Feliz ano novo", e depois, ele tinha mesmo que morrer. Todo mundo gritava: "Mata! Mata!", então o que se tinha que fazer era matar, é ou não é? Ao bem da verdade eu nem sei direito por que ajudei a matar o homem, mas ele já estava ali naquele estado meio pedindo pra morrer, então só ajudei a estripar o bicho. Foi só isso que eu fiz.