Entre o final de 2005 e dezembro de 2006 realizaram-se catorze eleições nacionais na América Latina e no Caribe. A vitória de quatro candidatos do campo da esquerda fechou esse calendário: Hugo Chávez, Lula, Daniel Ortega e Rafael Correa. E nos demais países houve o fortalecimento do campo político que vai do centro à esquerda, mesmo que neles não se tenha conquistado o governo central. À colheita desta referida safra eleitoral somam-se as vitórias anteriormente alçadas em Argentina, Uruguai e Bolívia e, ainda, a persistência revolucionária de Cuba.

Tudo, enfim, no seu conjunto, configura, nos primórdios do XXI, um ciclo político progressista na América Latina. Os processos político-sociais que fizeram emergir em cada país tais vitórias são singulares. As frentes partidárias e lideranças políticas que as encabeçam têm matrizes e referenciais teóricos e políticos diversos, todavia, há uma unidade nessa heterogeneidade: o compromisso com a democracia, com a soberania nacional e o desafio de incrementar um arrojado desenvolvimento que propicie vida digna às massas populares. A par dessas bandeiras, nas plataformas vencedoras, está sublinhada em vermelho, a integração solidária latino-americana como uma das condições indispensáveis à superação do neoliberalismo. De comum, também, do México ao Uruguai o povo como força-motriz desses processos e a ampla rejeição aos paradigmas neoliberais.

Neste universo, a Venezuela chama atenção especial, porque lá entremeio ao incremento de um programa patriótico, democrático e popular, o governo de Hugo Chávez proclamou ter dado início à edificação do que denomina de “Socialismo do XXI” na pátria de Bolívar.

Esse ciclo progressista da América Latina se constitui ao lado da resistência das nações árabes ao massacre e ao saque de que são vítimas e também ao lado dos caminhos distintos de desenvolvimento e de posicionamento político da China e do Vietnã, na Ásia, como um dos cumes da ascendente resistência dos povos contra a ofensiva do imperialismo estadunidense encabeçado, hoje, pelo criminoso governo Bush.

Por isso, seria ingênuo imaginar que a Casa Branca assoberbada com o fracasso da ocupação do Iraque estaria de braços cruzados ante esse alvorecer progressista num continente que ela julga ser dela. Dos velhos golpes de Estado de outrora, como o perpetrado na Venezuela em 2002, às ações diplomáticas de pressão, cooptação e de semeadura de discórdias, nada se pode descartar dos EUA para tentarem conter, domesticar, neutralizar ou sustar esse vigoroso movimento latino-americano. Contudo, o que se ressalta, agora, o que prevalece é uma oportunidade histórica extraordinária para se estancar a sangria de uma América Latina mil vezes saqueada, mil vezes agredida, como a retrataram Eduardo Galeano e Oscar Niemeyer.

O Brasil tanto usufrui desse momento histórico promissor quanto tem grandes responsabilidades para com ele. Nosso país já desde o primeiro governo Lula desempenhou papel destacado para que vingasse esse ciclo progressista ao Sul das Américas. Em aliança com outras nações a altiva política externa brasileira conteve a Alca e abraçou com firmeza o projeto de integração regional. Agora, o segundo governo Lula, respaldado por uma reeleição incontestável e pelos ventos favoráveis desse ciclo progressista, pode com audácia e coragem política acelerar seu desenvolvimento econômico e social e fortalecer o Mercosul e a Comunidade Sul-Americana de Nações.

EDIÇÃO 88, FEV/MAR, 2007, PÁGINAS 3