Articulação ampla e plural das esquerdas latino-americanas e caribenhas A criação do Fórum de São Paulo, em 1990, foi uma reação da esquerda latino-americana e caribenha à derrota do socialismo e à abrangente ofensiva burguesa e imperialista então desencadeada. Vivia-se na esquerda um ambiente de desmoralização, decorrente não só do retrocesso nas conquistas sociais, mas também do descrédito nas idéias revolucionárias.

O Fórum de São Paulo constituiu-se como um agrupamento integrado por mais de 100 partidos e
movimentos políticos da esquerda regional, com uma composição política e ideológica ampla e plural, que abarca todo o espectro da esquerda latino-americana e caribenha. Ao longo de 17 anos, apesar do percurso acidentado, essas forças foram capazes de conviver na diversidade, de forjar a unidade política em torno de pontos comuns e plataformas mínimas. Essa capacidade tornou-se um atributo das esquerdas da região, chamando a atenção das forças progressistas de outras regiões do mundo.
Até 1993, quando se realizou o 4º Encontro em Havana, o Fórum de São Paulo firmou-se como uma articulação de caráter antiimperialista e até anticapitalista, com proclamações a favor do socialismo como alternativa para os graves problemas da época.

Os Encontros do Fórum de São Paulo – até agora 13 – produziram um extraordinário acervo de declarações e pronunciamentos, fruto de seus seminários, oficinas de trabalho, mesas redondas e plenárias. Esse conjunto de documentos contém uma aguda, profunda e percuciente crítica à globalização capitalista, às políticas neoliberais, à dominação imperialista na região e no mundo.

Num quadro em que são muito diversificadas as forças em atuação no Fórum de São Paulo, em seu interior cristalizaram-se correntes de opinião. Uma delas nitidamente antiimperialista e socialista, outra de cariz social-democrata e moderada cuja estratégia e tática consistem em promover reformas perfunctórias na ordem social e política vigente. Tendo conseguido a convergência em torno de plataformas comuns, essas correntes, porém, viveram e ainda vivem muitas tensões, ligadas à concepção de mundo, a interpretações sobre as conjunturas políticas, aos caminhos para a libertação nacional e social, aos modelos sociais, econômicos e políticos alternativos e até mesmo aos procedimentos e métodos de condução de uma coletividade tão diversificada de forças políticas.

Essas tensões foram particularmente agudas nos Encontros do ano 2000 (Manágua), em que quase se produziu um cisma resultante da imposição de métodos antidemocráticos no Grupo de Trabalho; de 2002 (Antígua Guatemala), quando, sob pretexto de que a eleição de Lula no Brasil impunha a necessidade de outro discurso, por conseguinte, pretendeu-se aprovar uma declaração contemplativa que ignorava a brutal ofensiva imperialista dos EUA contra os países e povos, e no de 2005 (São Paulo), quando o Encontro do Fórum de São Paulo se realizou na mesma semana em que se desencadeou a crise política do PT e do governo Lula.

O 13º Encontro, realizado em janeiro último em São Salvador, El Salvador, sob os auspícios da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, assinalou uma retomada e abriu a possibilidade de o Fórum de São Paulo retomar o caminho, que corresponde à sua vocação, da luta antiimperialista e por alternativas de fundo consoantes os profundos anseios de libertação dos povos latino-americanos.

Realizado num quadro político inteiramente novo, de vigência de governos democráticos e progressistas, em que avançam processos políticos de caráter antiimperialista com proclamações pró-socialistas, como o venezuelano, o 13º Encontro foi coroado de êxito. Os seus documentos principais – o que provocou os debates e a Declaração final – além de recolherem o que há de essencial no novo quadro político regional, assumem posições vigorosas de condenação das políticas agressivas e neocolonialistas do imperialismo norte-americano na região e no mundo. Outrossim, defendem a união dos povos, das forças políticas e a integração dos países como caminho para avançar na conquista da soberania nacional e no aprofundamento da democracia.

A decisão das esquerdas latino-americanas é de prosseguir fortalecendo o Fórum de São Paulo como articulação ampla e plural em que é indispensável a unidade política, sem hegemonias pré-estabelecidas, sem a ilusão nas soluções fáceis provenientes de algum iluminado centro único, nem imposições artificiais de maiorias. Está nas mãos das suas instâncias de coordenação – o Grupo de Trabalho e a Secretaria Executiva – depois de realizadas consultas amplas, instituir mecanismos e dinâmicas de trabalho que assegurem esse objetivo.

José Reinaldo de Carvalho Declaração Final – XIII Encontro do Fórum de São Paulo

De 12 a 14 de janeiro de 2007, em San Salvador, El Salvador – tendo a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) como anfitriã – desenvolveu-se o XIII Encontro do Fórum de São Paulo, com a participação de 596 delegados. Dentre eles, 219 representantes de 58 partidos e movimentos políticos, sociais e da igreja, de 33 países. E, ainda, 54 convidados de outras regiões do mundo.
Destacamos o esforço político e organizativo da FMLN, que garantiu o desenvolvimento exitoso deste encontro. Por isso, expressamos nossa gratidão pela fraternidade e pela solidária hospitalidade com que nos receberam os companheiros anfitriões.

Quatro grandes temas nos atraíram a este encontro na busca por uma nova etapa de integração latino-americana e caribenha:

1- A formulação de políticas antineoliberais que desenvolvem uma autêntica democracia política, econômica e social; o desenvolvimento sustentável; a igualdade plena a todos os seres humanos e uma nova integração solidária.

2- A luta contra o colonialismo e a interferência imperialista, e em favor da solução dos conflitos armados mediante processos de paz, não contendo – mas, sim, disponibilizando – o avanço de nossos povos à imprescindível transformação política, econômica e social em benefício das maiorias e minorias oprimidas.

3- O enfrentamento da doutrina imperialista de segurança hemisférica, que promove a militarização.

4- A relação entre as forças políticas, os movimentos sociais e cidadãos; entre os governos de esquerda e progressistas; e no papel que desempenha a solidariedade internacional.

Durante os trabalhos do Encontro realizaram-se várias atividades nacionais e internacionais em que foram analisadas e debatidas temáticas que fortalecem a construção de linhas legislativas e de políticas públicas. Suas deliberações serão conhecidas por ocasião da publicação do documento-base e seus respectivos informes que resumem os debates dos diferentes temas de discussão.

Nesse intercâmbio aberto, franco e pluralista (característico do Fórum de São Paulo), todas, e todos, assentimos que – apesar de o neoliberalismo continuar sendo a doutrina hegemônica imposta pelos centros de poder mundial – o enfrentamento em evolução dos povos da manutenção da concentração da riqueza e da massificação da exclusão social favorece uma acumulação política sem precedentes por parte da esquerda latino-americana. Esse enfrentamento é um dos fatores fundamentais que explica os triunfos eleitorais mais recentes obtidos pela esquerda latino-americana e caribenha. Entre eles, a segunda reeleição do presidente Hugo Chávez Frías na Venezuela; a reeleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva no Brasil; a eleição do presidente Rafael Correa no Equador; e do presidente Daniel Ortega na Nicarágua, cujo povo venceu o medo. Esses, os triunfos que proporcionam um processo de mudanças na correlação de forças na região. Com essa batalha político-eleitoral foi recuperado o governo que, anos antes, havia conquistado a vitória da revolução sandinista.

Os novos triunfos eleitorais da esquerda somam-se àqueles obtidos com a eleição do presidente Tabaré Vazquez no Uruguai, em outubro de 2004; a eleição do presidente Evo Morales Ayma na Bolívia, o primeiro líder indígena a chegar à presidência de um país da América Latina, em dezembro de 2005. E à presença e ao apoio de partidos integrantes do Fórum em outros governos da região, como Michelle Bachelet no Chile e Nestor Kirchner na Argentina.

Foram obtidos também triunfos em várias nações do Caribe. No Haiti o imperialismo norte-americano e a direita local não conseguiram finalizar a fraude para evitar a eleição do presidente René Preval.
Ao lado dessas novas gerações de governos latino-americanos de esquerda, ou progressistas – fortalecidas com a primeira eleição de Chávez em dezembro de 1998 – ergue-se a revolução cubana com seus 48 anos de luta e resistência. Embora nem em todas as eleições presidenciais tenham triunfado candidatos de esquerda, ou progressistas, durante os comícios desenvolvidos em 2006, no México, no Peru e na Colômbia, revelou-se uma importante acumulação política. A tudo isso se somam as bancadas de esquerda nos legislativos nacionais e parlamentos de integração e em inúmeros estados, províncias ou departamentos, e em muitos mais municípios e governos locais, administrados pela esquerda em toda extensão e na grande América Latina e no Caribe. Esses avanços no terreno político e eleitoral criam condições favoráveis, sem precedentes, para conseguir a derrota política e ideológica definitiva do neoliberalismo em nossa região. Mas, ao mesmo tempo, eles comprometem os partidos e movimentos políticos da esquerda latino-americana e caribenha a atuarem de acordo com as expectativas neles depositadas pelos povos, sob pena de seus governos virem a ser somente um breve período após o qual a dominação neoliberal seja re-qualificada.

Nestes inícios do século XXI – em que os povos latino-americanos e caribenhos começam a fazer valer sua soberania, autodeterminação e independência para romper com o neoliberalismo patriarcal e empreender políticas próprias de desenvolvimento econômico e social – o colonialismo é um anacronismo ainda mais ultrajante que antes. Por isso, todos e todas, que formamos o Fórum de São Paulo, nos comprometemos a redobrar nossa luta pela autodeterminação e independência das colônias que subsistem na região: Porto Rico, Martinica, Curaçao, dentre outras.

Lutamos, ainda, contra o Plano Colômbia, a Iniciativa Regional Andina e os demais mecanismos de interferência e intervenção impostos pelo imperialismo norte-americano, como parte de seu sistema de dominação continental, amparados na doutrina de segurança hemisférica que utiliza como pretextos o combate ao crime organizado, ao narcotráfico e ao terrorismo para ampliar e aprofundar a militarização da região e a criminalização da luta popular. Exigimos uma solução política negociada para resolver o conflito armado da Colômbia. Atualmente, são requisitos para obtenção da paz democrática, da autodeterminação, da soberania e da consolidação das transformações democráticas na América Latina e no Caribe.

A violência também penalizou as mulheres, objetos de feminicídios, violência domestica, ataque sexual, violência trabalhista e agressões das tropas e dos governos títeres. Nós nos manifestamos pela erradicação da violência contra a mulher.

Levantamos as bandeiras identificadas com a defesa dos direitos dos povos indígenas do continente. Reivindicamos a interculturalidade e a condição plurinacional e étnica de vários países da América Latina.

A partir de nossas respectivas realidades nos comprometemos a produzir uma corrente de opinião, como parte de um movimento, que exija o cumprimento dos acordos de paz em El Salvador e Guatemala.

Expressamos nossa solidariedade à revolução cubana. Fazemos votos de uma pronta e efetiva recuperação do presidente Fidel Castro Ruiz. Reafirmamos nosso repúdio ao bloqueio imperialista. Exigimos a libertação dos cinco cubanos injustamente presos em cárceres estadunidenses, pelo suposto delito de lutar contra o terrorismo.

Expressamos nossa solidariedade a Evo Morales e aprovamos sua postulação ao Prêmio Nobel da Paz.

O Fórum de São Paulo demonstrou em seu III Encontro que para nós, os povos da América Latina e do Caribe, está na hora de assentar as bases para a derrota total do neoliberalismo patriarcal e de avançar na construção da alternativa ao sistema imperante.

Isto requer uma ação articulada e uma relação respeitosa e complementar entre os partidos, movimentos e coalizões políticos de esquerda e a diversidade de organizações e movimentos populares e sociais. Elas nos permitirão construir as alianças políticas e sociais para fazer avançar em cada país uma ampla frente de luta que integre todos os setores populares e democráticos afetados pelas políticas do modelo dominante.

Essa é uma condição indispensável para a realização e consolidação das transformações de nossas sociedades no terreno econômico, social, ideológico e cultural.

São premissas básicas para a construção de um modelo alternativo que, em mais de um lugar, se define com uma perspectiva socialista: a conquista da independência nacional e regional; a justiça social; a democracia política e social; a integração regional e continental baseada na cooperação, no internacionalismo e na solidariedade entre os povos, na defesa e no desenvolvimento de nossos recursos naturais e da biodiversidade; e a erradicação de qualquer forma de discriminação contra as mulheres e os povos nativos.

O objetivo primordial do modelo alternativo é o bem-estar e a valorização das pessoas, dos povos e países da América Latina.

Nas novas condições históricas em que vivem a América Latina e o Caribe nós, os partidos-membros do Fórum de São Paulo, nos sentimos comprometidos a voltar todos os nossos esforços políticos, materiais, e solidariedade, para tornar realidade esta grande oportunidade histórica de derrotar o neoliberalismo e de adotar o caminho da construção dessa nova sociedade justa e democrática.
Na projeção da cultura desenvolvida no Fórum – de sentir como própria cada batalha democrática dada pelas organizações-membro – comprometemos nossa solidariedade aos companheiros da ANN e da URNG da Guatemala que enfrentarão eleições em setembro próximo. Igualmente, a todas as forças, membros do FSP, que também passaram por processos eleitorais.

O fortalecimento da conseqüência e da unidade de nossos partidos e do Fórum de São Paulo, da ética no exercício do poder, da superação do sexismo, da profunda vinculação com o povo e da solidariedade internacional são, e serão, nossas melhores armas para enfrentarmos com êxito as batalhas vindouras.

O Fórum de São Paulo compromete-se em defender os processos de mudança em marcha e a exercer toda nossa capacidade internacionalista e solidária a Cuba, aos governos democráticos e à luta dos povos.

O fraterno e franco debate do Fórum teve como importante subsídio o documento-base, elaborado e apresentado pelo Grupo de Trabalho. Tal documento foi enriquecido pelo intercâmbio realizado. As delegações assistentes tomaram como suas as propostas nele contidas: 1- a publicação de um boletim eletrônico mensal; 2- a constituição de uma escola continental de formação política; 3- a realização de um Festival político-cultural; 4- a criação de um observatório eleitoral; e 5- o desenvolvimento de uma política dirigida à juventude e de promoção da arte e da cultura. O Grupo de Trabalho será acionado para discutir as medidas que permitam sua implementação.

O propósito dessas iniciativas deverá permitir uma capacidade maior para desenvolver o debate político, o intercâmbio de experiências e para conseguir que o Fórum seja um instrumento mais eficaz e permanente para articular o trabalho político dos partidos e movimentos-membro.
Os avanços deste encontro nos permitem indicar expectativas no desenvolvimento de capacidades para responder aos desafios a nós impostos pelo avanço da luta dos nossos povos. E também nos permitem passar a uma nova etapa na atividade do Fórum.

O Fórum rendeu homenagem e manifestou reconhecimento ao grande dirigente Shafik Handal, ao destacar seu exemplar compromisso que caracterizou sua conseqüência na luta pela emancipação dos povos.

San Salvador, 12 a 14 de janeiro de 2007.

Traduzido por Maria Lucilia Ruy, mestre em Letras Clássicas.

EDIÇÃO 88, FEV/MAR, 2007, PÁGINAS 26, 27, 28, 29, 30