De uns tempos a essa parte, dona Firmina deu para variar. Amanheceu dizendo coisa sem combinar com coisa e, virou mexeu, por dê cá aquela palha, distribuía tabefe em quem quer que fosse – seu Ginaldo, amado esposo, e suas filhas Jovelina e Jovicleide; seu Dantas, avô querido, agregado pós-reforma da previdência; o padre, seu confessor; e até dona Marcolina, sua mais íntima amiga.

      Dona Firmina sempre fora uma senhora séria, cônscia de seus deveres e zeloza de seus afazeres. Cumpria seus ritos domésticos com precisão e presteza de relógio. Até mesmo o sexo era regrado: uma vez a cada quinze dias, um papai e mamãe básico (e decente!), como convém a uma senhora. Seu Ginaldo é que não via conveniente nenhum nessa história. O que lhe valia era Gilselene, à sua disposição nos outros vinte e oito dias sobrantes.

      Eis que num destes desjejuns protocolares, dona Firmina, por sobre todo o silêncio matinal, dispara, sonora e exemplarmente pronunciada, a palavra “prexeca”.

      Seu Ginaldo, xícara a meio caminho do beiço já pronto para a primeira golada de café com leite, estatela-se, sem crer.

      – Prexeca – repete a esposa.

      Silêncio.

      – Prexeca, prexeca, prexeca – retorna, em vários tons e modulações.

      A cada prexecada de dona Firmina, Jovelina e Jovicleide estremecem. A empregada, de cuscuz na mão, tesa ao lado da patroa, arregala olhos de não mais poder.

      – Prexeca, prexecosa, prexequíssima – esmerava-se a nobre senhora. – Prexecuda, prexequérima, prexecável. Prex…

      – Firmina! – berra, num alto lá, seu Ginaldo. – O que é isso?!

      Dona Firmina se levanta, solene, concentrada, boca e queixos juntos num quase muxoxo indignado, e solta o primeiro de uma enfiada de tabefes que iria desferir no desconcertado marido.

      Depois do acesso e do corre-corre dos presentes – Qué isso, dona Firmí…!? Mãe, pelamordedeus!!! – ela faz que acalma o desalinho dos cabelos e das vestes, olha para as filhas com asco e brada:
– PREXECA!

      Retira-se pisando duro, cotovelos em ângulo, sobe para o quarto e estronda a porta.

      Seu Dantas, como sempre, atrasado para o café, só testemunhou a prexeca final. Boquiaberto, olhava para cada um dos presentes, em busca de alguma explicação, enquanto a neta marchava sobrado acima.

      Desse dia em diante, dona Firmina foi é de ladeira abaixo: depois de uma semana de prexeca e suas variações, engatou no caralho, enveredou-se por indizíveis orifícios e nomes feios, e ampliou os tabefes, em número e intensidade.

       Óbvio que psicólogos e psiquiatras foram mobilizados. Não é culpa de ninguém, diziam. Mas a cada sessão, a coisa toda, por vias tortas, era computada na conta de seu Ginaldo. Um freudiano deu uma aliviada, mas acabou sobrando pra seu Dantas, genitor do pai de Firmina.

      Após terapias diversas e muitos tabefes depois, a esposa amantíssima e mãezinha querida foi internada numa clínica. Lá a doparam conforme as boníssimas práticas da medicina, de modo que não deu grande trabalho.

      Hoje, dona Firmina passa os dias catatônica, olhando o vazio. Recebe visitas, a quem não mais recepciona com tapas e impropérios. Todavia, algo nela inquieta o visitante. Dona Marcolina, que a conhece desde os tempos de magistério no Brasílio Machado, viu, lá bem no fundo das meninas dos olhos, um lampejo de escárnio e maldizer. Dia desses, quase pôde ler nos lábios da amiga algo assim parecido com “puta”.