À deusa Juno, o Pavão
foi se queixar, certa vez,
dizendo que quem o fez
não o fez com perfeição.

– Tenho uma voz horrorosa.
Tanto assim que, quando canto,
todos os bichos, de espanto,
se escafedem em polvorosa.

Queixou-se a bonita ave:
– Causa inveja, ao pôr-do-sol,
ouvir o canto suave
e doce do rouxinol.

Por que, Juno, não me deste
uma voz tão linda igual?
Rogo que me livres deste
canto, que é um berro, afinal!

– Deixa de ser invejoso,
Pavão – a deusa falou.
És o bicho mais formoso
que a Natureza criou.

És uma ave elegante,
de plumagem delicada.
Tua calda é deslumbrante,
de ricas gemas ornada.

Foi bem sábia a Natureza
não dando tudo a só um.
Se o Rato não tem beleza,
tem tino como nenhum.

Ao Macaco deu destreza,
musculatura ao Leão;
deu à Raposa esperteza,
deu à Coruja atenção.

E nenhum deles se queixa,
conformados com o que são.
Não estás contente? Pois deixa,
Vou te dar uma lição!

Queres ter voz maviosa?
Pois essa voz te darei.
Mas retiro a esplendorosa
cauda com que te enfeitei.

E então o Pavão, aflito,
achando a troca ruim,
falou: – Até que meu grito
não é lá tão feio assim.

 

Fábulas – La Fontaine  
Tradução de Ferreira Gullar
Ilustrações de Gustave Doré 
Editora Revan – 4ª edição, maio de 1999.