Estou me apropriando de um famoso título de uma famosa peça de Shakespeare por pura conveniência. Mas já vou avisando que minha impudência termina aqui, pois jamais teria a coragem ou a insolência de plagiar uma linha sequer de uma obra daquele genial dramaturgo. Cedi à tentação de aproveitar o título apenas porque a expressão veio a calhar prontinha e irretocável para definir um fato cultural simplesmente inimaginável antes da invenção ou mesmo durante algumas décadas de um veículo de comunicação portentoso chamado televisão.

      Para começo de conversa, preciso confessar que foi uma curiosidade quase mórbida que me levou a dedicar um bom tempo a assistir a um certo programa televisivo de grande sucesso, utilizando uma fórmula sem precedentes. E mais: participar, em seguida, de papos obrigatórios e infindáveis de grupos sociais a respeito do assunto. Está claro que estou me referindo a um formato de programa chamado reality show que, utilizando diversas variantes, está sendo produzido em diversos países do Mundo.

      Aceitando como premissa que se trata de um jogo cheio de obstáculos a serem superados, e que tem como finalidade conferir um prêmio em dinheiro a uma pessoa transformada fatalmente em personagem, por força da sua presença e de suas falas ao longo da brincadeira, bem como admitindo a casualidade das cenas apresentadas (isto é, que nenhuma cena seja produzida ou editada), o resultado, em termos culturais é pelo menos surpreendente. Aliás, conforme o enfoque, pode ser considerado espantoso.

      Loucos para descobrir a chave do sucesso, eu, assim como outros caras (mais ou menos ao mesmo tempo), estamos achando que a coisa, no fundo, é muito simples. Trata-se apenas de um novo formato de bisbilhotice. Bisbilhotice, sim. Desde que as religiões monoteístas elegeram o Bem e o Mal como condições extremas para os seus fieis merecerem algum tipo de recompensa ou de castigo, gerou-se um subproduto chamado bisbilhotice. Por ela transitam coisas como a maledicência, as leviandades, a insolência… e muitos outros pecados veniais. O que não deixa dúvidas é que a bisbilhotice sempre pertenceu, com maior ou menor gravidade, ao reino do mal. Senão que a convivência longa, forçada e não fiscalizada (?) parece que criou um outro modo de bisbilhotice.  Vamos chamá-la de bisbilhotice do bem. Pelo menos é o que parece caracterizar uma parte das pessoas/personagens, vistas do lado de dentro e do lado de fora da telinha.

      Pena que esta versão brasileira de reality show não esteja mais no ar e que, conseqüentemente, o assunto desapareceu dos blá-blá-blás domésticos. Mas quem tiver boa memória, talvez possa concordar comigo. O embate entre a bisbilhotice do mal versus a bisbilhotice do bem, medido em centena de milhares de pessoas pelos ibopes da vida, gerou algo que, em termos benevolentes, podemos chamar de inusitado. Mas que, em termos malevolentes, podemos classificar como espantoso: conteúdo zero.