Para quem gosta de bons filmes, sempre valerá a pena ver ou rever Europa, Europa – traduzido no Brasil como  Os Filhos da Guerra – baseado nas memórias de Sally Perel e adaptado para a tela pelos olhos sutis e irônicos da diretora polonesa Agnieska Holland.

      É uma história singular, de quem vivenciou as incoerências, as atrocidades e as violentas manifestações de valores irracionais reinantes nas décadas de trinta e quarenta na Europa. A irracionalidade maior  ficou naturalmente  por conta dos alemães, responsáveis  por um dos massacres mais perversos de que se tem ciência  na história humana, comparável apenas  à destruição sistemática de vidas humanas perpetrada por ordem  de Stalin, na ex-União Soviética. Não é à toa, portanto, que os dois grandes personagens  da época, Hitler e Stalin – com certeza, os dois ditadores mais atrozes de nossa civilização – estejam sempre presentes nos pesadelos do jovem Salomon, personagem  principal do filme.

      De uma tranqüila família de comerciantes judeus numa pacata cidade da Alemanha, o adolescente vê-se obrigado a fugir com o seu irmão para a Polônia, em função da implacável perseguição nazista, e de lá, sozinho, para o território soviético, onde passa a viver num internato  de reeducação comunista aprendendo a substituir Deus Por Stalin, e o demônio por capitalistas e nazistas. Até ser capturado pelos nazistas e enviado – depois de constatada sua nacionalidade alemã -, como herói de guerra, de volta para a Alemanha, onde ingressa num internato da juventude hitlerista, aprendendo agora a substituir Deus por Hitler e o demônio por judeus e comunistas.

      De tão absurda, a história chega a ser engraçada. O desespero do garoto em esconder o seu pênis circuncidado – emblema  de sua identidade judaica e, portanto, crime hediondo passível de condenação à morte -, a ponto de se negar a fazer sexo com a jovem hitlerista massificada pelos slogans nazistas, suscita na platéia mais a indignação e o riso do que a compaixão.

      Uma cena antológica, felliniana, digna enfim de grandes diretores, é a aula de biologia nazista no internato. Os olhos sarcásticos da câmera registram o ridículo e a insensatez, mas também o  despotismo e a crueldade subjacentes àquelas monstruosas teorias raciais.

      É um filme comovente, engraçado e, por incrível que pareça, com muita fé na vida humana.