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    Comunicação

    Da ilha do Marajó aos navegantes do futuro

    Sejam bem-vindos, cidadãos do Brasil brasileiro! O povo das águas vós saúda desde a boca das amazonas Venham e voltem em paz, façamos escambo bacana: A solidariedade e amizade fique de ambos os lados Da balança Se não a gende dança… Com o brinde duma boa esperança do futuro Em pacto seguro A demanda popular […]

    Sejam bem-vindos, cidadãos do Brasil brasileiro!
    O povo das águas vós saúda desde a boca das amazonas
    Venham e voltem em paz, façamos escambo bacana:
    A solidariedade e amizade fique de ambos os lados
    Da balança
    Se não a gende dança…
    Com o brinde duma boa esperança do futuro
    Em pacto seguro
    A demanda popular atendida com razão e consciência
    Voltem depois ao Planalto e Palácio dos Despachos em Belém
    Bem carregados de gratidão das Ilhas filhas da pororoca.

    Eu sou ainda hoje em dia
    Aquele primitivo inventor das primeiras letras
    E pinturas rupestres da Planície amazônica
    Cansado de contar ao vento e à correnteza do rio-tempo
    Um segredo profundo que vem dos princípios
    Do mundo
    A escritura das pedras na serra Paytuna
    Em vias de se transformar
    Em cerâmica de Ananatuba cujo vestibular
    Na demanda da piracema em busca de cardumes
    O ensaio geral da arte primeva Marajoara.

    Teoria da conversão da pedra bruta em lição orgânica
    Da madeira tropical renovável
    Capital natural da amazonidade pós-industrial
    A surrealidade barroca do barro equinocial
    Da pintura corporal ao envelope de terracota
    E a tanga matriarcal da cerâmica marajoara
    A universidade livre do camutim sagrado
    Passaporte para eternidade na contemplação
    De astros e estrelas sobre a linha do equinócio
    No Ócio o cio é a parte mais complicada do negócio,
    (dizia um índio malmente catequizado acusado de herético
    e preguiçoso diante da visitação do Santo Ofício na Bahia
    De todos os Orixás,
    “Deus criou o homem para dormir e sonhar”).
    Por Zeus, com efeito! Pobre índio ignorante de teologia
    Da Inquisição.
    Sonhar que somos por acaso um pássaro ou um peixe sobrenatural
    Talvez um deus terrível como o Trovão…
    Da arquitetura da palafita ao monumento arqueológico do “teso”
    Transmutação natural da matéria em espírito telúrico:
    Passagem secreta da animalidade à humanidade.

    Sou o Homo sapiens tapuya da ingênua classificação
    Científica (posto que iluminista-racista)
    Do naturalista da Viagem Philosophica de 1783
    Cuja cabeça degolada e empalhada como troféu de caça
    O sabio despachou pela nau da vez para Lisboa
    Para estudos sizudos da Universidade de Coimbra…
    Deixa estar que antes de topar com os matabugres d'el-Rei
    A escapatória da poligamia e as índias prolíficas
    Como formigas deram-me a chance
    Da descendência de uma prole enorme de cabocos
    Parrudos com que sobreviver ao amanhã
    Desde o reservatório genético do Xingu:
    Sou algo indizível com cara de gente e ar de caruana
    Através do tempo e do espaço em diversas culturas e gerações
    Algo sou de inexplicável no limite de uma vida apenas
    Um fenômeno coletivo no arco do tempo arqueológico
    Que neste recanto insular do mundo quer dizer alguma coisa.

    Eis a última instância da Demanda das demandas!
    (para não dizer o desenvolvimento eco-cultural
    versus desenvolvimento colonial insustentável).

    Entre os hemisférios Norte e Sul na margem extremo-ocidental
    Do Atlântico equatorial
    O Arquipélago assiste a uma dialética de titãs:
    O oceano imenso quer entrar à montante das pororocas
    Conquistar a Amazônia verde até o sopé andino,
    O enorme rio quer vencer a Amazônia azul para ganhar o mundo.
    Nada mais lógico em ser Marajó o umbigo do planeta Água.
    Jóia da coroa no patrimônio natural e cultural dos Brasis.

    A um povo sem-história toda migalha de memória e invenção
    É mais valia da civilização tropical
    Toda atenção é como uma barcada de afeição…
    Vale por remo e canoa boa,
    Se houver porto seguro será melhor do que ficar a pé
    Na beira do igarapé de maré seca
    A ouvir canto de saracura e frescura lesa
    Pela fé da mucura em noite escura sem lamparina
    Esta menina da rede rasgada, sem uma pílula d'aspirina
    Na hora da febre malária e o compadre na jebre
    Caçando encrenca por precisão de patrão que preste
    Muriçocas mil dando coça ao enjeitado do mercado
    Livre,
    Que Deus o livre da peste, da fome e da peia!…
    Esta outra, diz-que, mais feia do que puxar cadeia.
    Seu Raimundo não me deixa mentir, o Viramundo
    Caduco de tonta tortura na noite escura
    Asilou-se no museu do Gallo depois de fazer terror
    A muito escravo fujão, valei-nos São Sebastião!
    Povo marcado pela extinção dos Gados do rio, o peixe-boi,
    A caçoada dos sapos no alagado: cadê o boi?… cadê o boi?
    A gia não pia por medo de cobra, mas quando pode
    Chateia o mondongo: bem feito! bem feito!
    Quem te mandou? Quem te mandou, acabar o pirarucu?
    Dá uma de delegado a curuja murucututu…
    Piranha sem vergonha, não rasga rede do pescador!
    São vozes dos “centros” que a ordem do Progresso quer desbravar
    Por via da Hidra, dragas e balsas em busca de grana e fama
    Sem pisar na lama, nem saber o que há além da Jebre
    Pai e mãe da febre e do alastrim (Cruz credo).

    Por isto o caboclo que vos fala serve de mestre-sala
    Na parte da Esmolação do Glorioso santo da Cachoeira do rio Arari
    Na falta de quem melhor represente a gente ribeirinha
    Filha das Ilhas amazonas.
    Sejam bem-vindos os embaixadores da República federativa.
    Mensageiros do Presidente brasileiro de luta sindical
    Entendido PhD na amargura do povo trabalhador
    Companheiros e companheiras da guerreira
    Governadora paraense que vence o preconceito
    Autoridades competentes que ouviram o bispo
    A quem os marajoaras foram se queixar depois da missa
    Do desconforme atraso humano destas ilhas
    Que foram as primeiras em cultura do sol e da Chuva.
    A gente sabe que todo santo ajuda a quem paga promessa
    Direitinho desde menino
    Mas porém a nossa pressa é de quem véve avexado por demais
    Por isto às vezes o santo desconfia de esmola grande
    E caboco não é besta
    Acende uma vela a Deus e outra ao Diabo
    A ver quem primeiro obra o milagre…

    Somos os caboclos ribeirinhos remanescentes
    De séculos de maltrato desde o mato ao “índio” nheengaíba
    Vítimas preferenciais do cativeiro do Grão-Pará
    Só ultrapassado pela mina funda de “ouro vermelho”
    Extraído a muque do Rio Negro pra serventia da Casa das Canoas
    Cuja ferida não sarou na alma desta gente descendente
    Do bárbaro, pagão e “canibal” ancestral
    (diziam os inimigos brancos, tupis e mamalucos)
    Falador da língua ruim: o inventor da cerâmica de 1500 anos
    Afilhado da cobra Jararaca, mestra da zarabatana e da emboscada…

    No fim do mundo
    Por sina cruel numa guerra metafísica entre pajés rivais
    De aldeias inimigas, o honorável homem do Pacoval
    Acabou tendo fama de “ladrão de gado”
    Entre matar sua fome ou matar boi do senhor destes campos
    Lavrados
    Sem outra escolha na baronia da Ilha Grande de Joanes.
    Deste um desvalido foi defensor o padre italiano “Giovano”
    Mandado, paresque, nos rastos do payaçu Antônio Vieira
    Por São Pedro Safadinho padroeiro do folclore marajoara
    E padrinho dos pescadores da vila do Jenipapo,
    Do remoto antepassado dos cabocos foi advogado o Padre grande
    Antonio Vieira,
    Que caiu na besteira de deixar a Corte para vir ao Maranhão e Grão-Pará
    Pregar o Sermão aos Peixes para cegos desta colônia imensa…

    Eis a notícia feia que se esconde na teia do Paraíso perdido
    Debaixo da sigla IDH: Índios Danados pela História…
    O remédio é lembrar o ano da Graça de 1655 da abolição
    Que nada aboliu nem aluiu na escravidão dos índios
    As pazes do rio dos Mapuá 1659 em breves linhas avacalhadas
    Por historiadores oficiais até o Diretório dos Índios:
    Aqui d'el-Rei!
    Quebrou o pau e parou o tempo das sesmarias
    Ao sesmo e sesmeiro El-Rei doou ferros a derrubar a mata
    A pata do boi para amansar a terra virgem, cavalo a descontar
    A lonjura, a tapuia cativa por amásia para garantir prole ao colono
    Bisonho feito por acaso
    Dono do pedaço, senhor de escravos boçais (diz-que
    para os educar…).

    Na contra-maré os pajés em confederação metafísica
    Com os bichos-do-fundo, e os padres na fronteira
    Entre o bem e o mal.
    Quem catequiza quem no fim da história?
    Eis a imprevista invenção dos “extraídos do mato”,
    Os Cabocos sonsos como o diabo….

    História escassa em documentação e verdade,
    Não anda uma polegada sem muleta da imaginação.
    A fraude, o abuso, a Corrupção da exceção da lei
    Converteram-se em regra não-escrita
    Sobre o espírito e a letra da lei de 1655,
    Minto:
    O costume desumano era a própria Lei acima da lei escrita
    Imposta pela Corda e o Baraço…
    Quem sabe agora o que isto quer dizer?
    Podiam ser na Modernidade
    A “corda” da propaganda e o “laço” do cadastro
    De devedores inadimplentes de cartão de crédito…
    Liberdade ainda que tardia… tal dia era o Batizado
    “Abolição dos cativeiros” queria dizer “guerra justa” e “resgate”,
    Caça infame ao homem da selva livre por natureza
    Para o fazer dele escravo sem piedade na Cidade,
    Do antigo crime amazônico de lesa humanidade
    Não se pode isentar o Estado-Colônia nem os padres
    Do Padroado Português que ficou freguês das freguesias
    Com seus Donos e Donas montados no cangote
    Da gente sem eira nem beira
    A concordata entre o Trono e o Altar
    Apesar das boas intenções
    O inferno verde
    Pavimentou transamazônicas mil por vias tortas
    Muito menos os iludidos colonos para escapar da míngua
    Não podem ir direto ao Céu com tantos pobres que fizeram
    Na rica terra dos Tapuia
    Para eles os teólogos arquiteraram o Purgatório
    Pois o mundo civilizado os mandou “civilizar” Índios
    E cristianizar Negros a peso de chibata.
    Por conseguinte:
    Não é decente dar carta branca a quem torturou pardos e pretos,
    Nem seria justo mandar ao Inferno quem com tantas penas
    Aumentou as fronteiras da Cristandade…

    No imaginário país das Amazonas não se deve ser indulgente
    Em causa própria sem primeiro perdoar a Dívida
    De terceiros e quartos mundos e fundos.

    “Que se implante a moralidade ou que nos locupletemos todos”
    Sérgio Porto, autor do Samba do crioulo doido:
    inspiração ao carimbó do cafuso confuso e o brega do caboco aloprado.

    Com que pouca roupa a santa madre Civilização
    Que nos deixou cheios de pecado e vergonha de andar nu
    Se atreve agora a dar lição na quentura da Terra imatura?
    Uns engrossam a voz com ameaças do aquecimento global
    Já pensando na “internacionalização” da Amazônia…

    Quem acreditaria que se fossem esses novos brancos
    Donos destas matas e destes rios
    Fariam eles menor estrago aqui do que já fizeram lá?

    Tudo é possivel para salvar e desenvolver a Amazônia…
    Dos amazônidas não se fala grande coisa:
    Não querem que a gente recobre a memória dos 400 anos
    A invenção do “espaço vazio”…
    Não atentar que a tutela oferecida é o novo nome da velha Colonização.
    Outros falam bonito para o reino das nuvens
    Assim se passam os dias e as noites
    Desde a Primeira Noite do Mundo no reino da Cobra grande…

    Não perguntem a um caboco aonde se acha essa tal “Amazônia”.
    Aqui todo mundo é parente uns dos outros e habita terra de gente
    Ribeirinha:
    Somos marajoaras, xinguanos, tocantinos,
    Gente do Tapajós, do Araguaia, do Guajará…
    Tudo isto rio abaixo no Estado do Pará
    (sem falar no Amapá, o Maranhão pré-amazônico, Tocantins,
    Mato Grosso, o formidável Amazonas, Roraima, Acre,
    Rondônia e outras Amazônias pan-amazônicas).
    Amazônia é coisa de branco, mapa de Tordesilhas
    Filhas da cartografia imaginária
    Capitanias hereditárias etecetera e tal
    Pra inglês ver…
    A nós o Ver-o-Peso e a academia do peixe-frito
    Sem grito, com azeite de patauá.
    O que é que há, seu tamanduá?
    Enquanto pescadores sem memória estendem a linha
    Em busca do peixe nosso de cada dia com caldo e farinha
    Da ponta da Tijioca ao Cabo Norte a mesma sorte
    A enorme boca do rio fala com voz de assombro
    O feito ancestral do conselho de caciques
    Anajá, Aruã, Guaianá, Karaboka, Mapuá, Pixi-Pixi e Tucuju
    A expectativa da liberdade dos índios
    Sempre iludidos em suas esperanças
    Demanda da “terra sem mal”
    Antropófagos tupinambás movidos por profetas medonhos
    Porto do sol
    O desejado Araquiçaua prestes a ser conquistado
    Na margem oposta da baía
    Boca do Arari vista da Ilha do Sol
    Destas confundidas águas surdiram-se utopias, sonhos, visões
    Conflitos e injustiças em quantidade a partir da Cidade:
    Temos aqui o mare nostrum mediterrâneo do Grão-Pará.

    Por acaso ou obra da Divina Providência, a pax marajoara de 1659
    Verso duma guerra impossível de vencer
    Reverso duma paz difícil de acreditar.
    Vale a memória do cacique Piié dos Mapuá
    Raro nome indígena resgatado da prolixa crônica da Companhia de Jesus
    Na ilha dos Nheengaíbas ou Marinatambalo, dos Aruans, Joanes,
    Marajó, aliás Analau Yohynkaku…

    Termina a formação territorial amazônica pelo ato (esquecido) dos Nheengaíbas
    Reiterado e homologado historicamente por seus descendentes caboclos,
    Muaná, 28 de Maio de 1823, Adesão do Pará à Independência do Brasil
    (a verdadeira data magna do paraensismo).
    O Pará do Brasil sentinela do Norte, parte essencial da República Federativa
    Brasileira.

    Quem tem medo da história da História do Brasil?
    Por acaso os herdeiros dos sans-cullote não são eles fiadores da República em França?
    Como podemos nós brasileiros ouvir a Voz do Brasil sem lembrar a saga Tupi-Guarani?
    Aqui no Norte naufragou o mito do Bom Selvagem no rio das Amazonas…
    As ilhas Jurupari são o túmulo da utopia selvagem: o Espírito diabolizado
    Pelos padres e novamente amaldiçoado pelos pastores
    Vaga entre árvores e esquecimento…

    A Cabanagem é filha da revolta dos Tupinambá: continua nua e crua nas ruas e rios
    De 7 de janeiro de 1619 a 7 de janeiro de 1835…
    Caminhamos na guerra e na paz até raiar pleno dia da Cidadania:
    Último capítulo da anistia malmente esboçada em 1840
    Ponto maior do plano Marajó no Pará velho de guerra.

    “O nortista só queria fazer parte da Nação”.

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