O discurso sintético de Oscar Niemeyer é denso de idéias progressistas e de preocupação com os menos favorecidos. Na conversa, realizada no dia 23 de novembro, com o arquiteto para gravação do programa televisivo do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e para a revista Princípios Niemeyer mostrou-se otimista em relação ao Brasil e à América Latina, mas disse que, os jovens deveriam ter uma formação mais ampla e humanista. Foi enfático ao afirmar (mais de uma vez) que não é a arquitetura o que mais importa: “o importante é a vida, é a luta política”, ressaltou.

Em seu famoso escritório na avenida Atlântica, onde nos recebeu, há uma vista exuberante para a praia de Copacabana. O apartamento é branco do piso às paredes, com espaços para estudos e para palestras, maquetes, e muitos livros e quadros. Nesse lugar novos projetos arquitetônicos são feitos sob sua direção. Um dos mais recentes é o monumento a Simon Bolívar com 100m de altura, entregue ao presidente venezuelano. Lembrou que certa vez esteve com Hugo Chávez e, ao se despedir, disse: “A revolução continua!”. Chávez sorriu e se foi.

Princípios – Qual mensagem sobre o socialismo o senhor teria para o povo brasileiro?

Niemeyer – A gente quer muito pouco: uma sociedade igual, as crianças na escola, a vida tranqüila, todos juntos, a vivência mais simples, os grandes empreendimentos humanos: teatros, cinemas, estádios, ainda maiores para que o povo possa participar mais.
Ultimamente, ando muito ocupado. Quase todo dia vem gente aqui para fazer entrevista, mas eu levo a conversa para outro lado porque não vou falar de arquitetura e dos prédios que faço. Nada disso é muito importante. Os assuntos de arquitetura têm importância relativa para quem é arquiteto ou para quem a arquitetura se destina. Mas acredito que o importante é a vida e a luta política.
Lembro que um dia cheguei a meu escritório e havia um garotinho vendendo balas na rua. Ele tinha uns dez anos. Do elevador até a minha sala a miséria dele me parecia a coisa mais triste do mundo. Quando cheguei resolvi pedir a alguém para chamá-lo. Perguntei ao garoto: onde você mora? Ele disse: durmo nas calçadas. Tentei levá-lo para o estudo, mas ele estava nessa vida de luta e de aventura correndo da polícia, e foi ficando difícil até que desisti. Depois de dez anos ele apareceu por aqui, já um homem – e não para pedir ajuda ou nada – só para saber se eu estava bem de saúde.
Hoje a arquitetura não fala para o povo. Ela trabalha para o povo eventualmente quando o governo é progressista.
Princípios – Falando em governo, e os governos nacionalistas da América Latina e do Brasil? O senhor é esperançoso quanto ao futuro deles?

Niemeyer – Neste momento nós estamos bem. A imagem do Bush está desaparecendo, ele é um idiota. O Lula compreende os problemas brasileiros, é um operário, faz jus às suas origens e está ao lado do povo. A América Latina está se organizando e seus povos tomando um caminho mais popular. Tem o Hugo Chávez e o Fidel, que são figuras fantásticas. A Revolução Cubana é um exemplo que podemos aproveitar para melhorar as coisas. É uma utopia querer consertar o capitalismo, achar que ele pode ser melhorado. Está tudo errado, é uma doutrina de miséria, de egoísmo. Não queremos melhorar o capitalismo que representa isso tudo, essa diferença de classes, os pobres sem ter onde morar etc. Queremos acabar com o capitalismo.

Princípios – O senhor falou sobre educação e mostrou-se preocupado com os rumos que a juventude brasileira vem tomando. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Niemeyer – Para mim, esse problema da educação e dos jovens é muito grave e é a principal coisa que temos de enfrentar. Os jovens entram para a escola e esperam sair como vencedores e então saem como especialistas não preparados para o mundo injusto que vão encontrar pela frente. Nós estamos fazendo uma escola em Niterói, na nova sede da Fundação Niemeyer, dirigida pela minha neta Ana Lúcia Niemeyer, que funcionará no ano que vem. São dois meses de curso. Primeiro a idéia era fazer uma escola de arquitetura, sobre as noções gerais da arquitetura, mas resolvemos fazer uma escola de arquitetura e humanidades.
Um dia eu estava aqui no escritório e ouvi duas moças conversando. Uma dizia para a outra: “você conhece a obra do Eça de Queiroz?”. A outra disse: “é filho da Raquel de Queiroz?”. Quer dizer: é uma ignorância total. É preciso sair para a vida não como especialista na profissão, que só fala na profissão, mas sair como um homem que conhece a vida, sabe a situação do ser humano sem perspectivas, da sociedade injusta em que vivemos. Quando vem gente aqui conversar sobre arquitetura eu não dou muita conversa não.

Princípios – Agora, prestes a completar 100 anos, que mensagem sobre sua trajetória o senhor considera mais relevante?

Niemeyer – O importante é pensar na vida, na condição social mais do que na profissão. Como o sujeito quer ser um vencedor se não toma contato com as coisas mais importantes que é o mundo em que ele vai viver e participar? O sujeito vai aprender que a vida é um sopro. Cada um vem, dá o seu recado e vai embora, as coisas desaparecem. O importante é a solidariedade, saber que estamos no mesmo barco.

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Pedro de Oliveira é jornalista, da Comissão Editorial de Princípios
Carolina Ruy é Secretaria de Redação (interina) de Princípios

EDIÇÃO 93, DEZ/JAN, 2007-2008, PÁGINAS 26, 27