Eram tardes quentes, suavizadas pela literatura dos cordelistas que chegavam através de agradáveis folhetos de sonhos.

      Nas pausas, entre um verso e outro, ele preparava um cigarro de fumo, não tinha pressa, preparava como quem ouvia a fala do tempo… o cheiro do fumo era gostoso. Eu sentada no peitoril, me deliciava com detalhes do contentamento enquanto passavam pequenas nuvens de fumaça, olhava o céu vazio de água e não entendia a tristeza da espera. A espera era longa e a água não caia… e o cigarro continuava a queimar as esperanças.

      Talvez ainda não compreendesse porque a seca provocava tanta amargura e… gostava da poesia que batia no meu rosto e me fazia sorrir. Gostava da poesia que quebrava o silêncio do tempo e açoitava os meus ouvidos com os ruídos da inocência. Gostava da poesia que se espalhava pelos campos, levando uma alegria que teimava em brotar. Mesmo quando não entendia as palavras, gostava do vozeirão que se transformava em melodia  e me fazia acreditar nas possibilidades.

      Era possível extrair poesia da terra árida. Era gostoso ver a sonoridade da voz que mantinha viva a certeza das auroras. Era bonito escutar os lamentos musicados em preces no aguardo das respostas, que não tinham compromisso com o tempo.

      Depois a voz ia diminuindo e já se ouvia apenas os assovios de alguém que passava ao longe… o mugir do gado… ou o crepitar das folhas secas pelo chão… chegava mais perto para observar  meu avô… agora ele tirava  o seu sagrado cochilo… o vento era morno, parece que a tarde o tempo se prepara para ninar a noite e se envolve com um calor maternal… me aproximava devagarinho e ficava contemplando meu avô, como quem admira um rei, não tinha coragem de tocá-lo, alguns passos e os folhetos estavam ali diante de mim…  vovô abria um olho e esse movimento valia mais que qualquer palavra, ficava quieta e em seguida saia silenciosamente, como quem pisava em plumas para não atrapalhar o descanso do vovô. E o seu precioso sono , onde em sonhos a chuva chegava mudando a cor cinza da capoeira e trazia o barulho das águas nas grotas, alimentando o sertão com o grito da terra molhada.

      Desde pequena aprendi a conviver com o olhar. Os olhos que amedrontam também são os olhos que derramam amor. Esse amor que era transmitido pelas palavras de coragem, poesias de esperanças iluminadas pelo entardecer. Ações e gestos que se transformavam em declarações de amor disfarçadas nos repentes… era um jeito carinhoso de cantar o seu amor. Um homem que escondia os seus sentimentos e escolhia, talvez sem perceber, a forma mais maravilhosa de expressar o seu amor – a poesia.

      E foi assim que cresci, ouvindo sempre ao cair da tarde o canto da poesia – um canto de esperança.

Lúcia Ana de Mélo e Silva, Assistente Social e Assessora parlamentar da Câmara dos Deputados em Brasília