Embora a realidade social do Brasil esteja em constante evolução, nossa estrutura político-partidária pouco se modificou nas últimas décadas. Desde a ditadura de 1964 (regime militar 1964 a 1985), fizemos apenas pequenas arrumações pontuais, verdadeiros remendos com o objetivo de adaptar a legislação para a eleição seguinte, atendendo a acordos políticos e, no calor dos acontecimentos. Em toda a nossa história recente, nunca nos preocupamos em analisar a necessidade de uma verdadeira reforma política com a profundidade e o rigor que este assunto merece.

Não é possível imaginar uma ampla e efetiva reforma política em nosso país sem o fortalecimento dos partidos políticos que, no Brasil, ainda precisam se consolidar como instituições permanentes e referência na garantia das instituições democráticas. Neste sentido, um ponto de partida natural no debate sobre a reforma é a fidelidade partidária. Tema, aliás, de valiosas decisões recentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas que tipo de fidelidade queremos ter? Qual deve ser o seu objetivo?

Sou intransigentemente a favor da fidelidade partidária, e o fato de eu nunca ter tido outro partido, além do Partido Democrático Trabalhista (PDT), do qual sou fundador e permaneço desde 1980, é a maior prova disso. Defendo, contudo, uma fidelidade partidária que exija clareza de princípios e de coerência. Não se trata, portanto, de mera fidelidade às pessoas que representam o partido, mas sim às causas que ele representa. Os membros de um partido político – todos eles – nada mais são (ou pelo menos deveriam ser) do que instrumentos de tais causas.

Reforçando o papel dos partidos no cenário político, tornaremos suas propostas os elos responsáveis por toda e qualquer aliança ou acordo, tanto para eleições como para governos, e ficará mais claro para a população o que essas legendas estarão defendendo, tanto no Executivo como no Legislativo, em suas várias esferas. Assim, o eleitor poderá escolher com mais segurança em quem está votando e por quê.

Em contrapartida, os próprios partidos precisam modernizar e democratizar as suas estruturas, transformando as legendas em um ambiente de oportunidades para que todos os seus membros – e não só aqueles que estão no comando das agremiações – possam apresentar suas idéias e exercer o direito a ascender na vida público-partidária, defendendo a sua opção ideológica.

Outra questão interessante numa reforma é o tipo de voto que devemos ter no Brasil. O voto universal e secreto é sem dúvida uma grande conquista democrática, e sou um defensor da sua obrigatoriedade, pois ela reforça a idéia de que conquista dos direitos está intimamente associada ao cumprimento de deveres. E como existe hoje em nosso país a tendência ao voto, cada vez mais, regionalizado, proponho também a análise sobre a adoção do voto distrital misto. Neste modelo, metade dos deputados é eleita pelos distritos, por voto majoritário, enquanto a outra metade segue o critério proporcional e é escolhida através de listas feitas pelos partidos – mas sempre com a aprovação da população, essencial para caracterizar uma representação verdadeiramente popular. Aliás, embora muitos colegas defendam a adoção de um sistema parlamentarista em nosso país, acredito que o presidencialismo caracteriza com mais clareza a vontade que o povo expressa ao escolher o seu chefe de Estado, ao fiscalizar sua atuação e ter nele a representação dos seus anseios, sendo, portanto, o sistema mais adequado a nossa realidade.

Se de fato almejamos a vanguarda política, se queremos ser verdadeiramente partidos de esquerda, populares, comprometidos com o avanço da sociedade brasileira, penso que deveríamos apoiar a criação de uma câmara específica para realizar a reforma política

Se de fato almejamos a vanguarda política, se queremos ser verdadeiramente partidos de esquerda, populares, comprometidos com o avanço da sociedade brasileira, penso que deveríamos apoiar a criação de uma câmara específica para realizar a reforma política, no mesmo modelo já proposto para uma eventual reforma constitucional. Ela seria composta por um grupo de legisladores, eleitos exclusivamente para este fim e com mandato determinado, reunindo pessoas de notável conhecimento, mas sempre submetidos ao voto popular, que estudassem a fundo a legislação e, após seis meses ou um ano, apresentassem à população o projeto de uma ampla e duradoura reforma político-partidária a ser aprovada em um referendo.

Estas são algumas idéias que gostaria de deixar como contribuição pessoal, pois este debate ainda não foi concluído pelo diretório nacional do PDT. Agradeço pelo espaço que o Partido Comunista do Brasil com muita generosidade me oferece, estimando que este companheirismo, esta irmandade que nós temos desde os primórdios do trabalhismo continuem a estimular a busca permanente por avanços para o nosso país. Quando comunistas, trabalhistas e socialistas democráticos se reúnem no mesmo debate, o povo brasileiro só tem a ganhar.

Carlos Lupi é Ministro de Estado do Trabalho e Emprego e presidente nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT)

EDIÇÃO 94, FEV/MAR, 2008, PÁGINAS 17, 18