Entre 2004 e 2007, o governo Lula reduziu em 59% o desmatamento na Amazônia. A área desmatada caiu de 27 mil para 11,2 mil quilômetros quadrados. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados em dezembro de 2007. Esse resultado decorre de um conjunto de ações articuladas pelo Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, lançado em 2003.

Embora os números do desmatamento verificados até julho último sejam os menores de toda a série histórica mapeada pelo Inpe desde 1988, há novos fatores de ordem econômica a serem considerados na condução da política que, naturalmente, não podem se limitar a ações de caráter repressivo.

Os dados sobre desmatamento na Amazônia do período de junho a dezembro de 2007 acusam aumentos significativos em alguns estados (Pará, Rondônia e Mato Grosso), com taxas superiores a 100% em relação ao mesmo período dos anos anteriores. Estamos diante de uma retomada do desmatamento na região? Quais fatores respondem pela alteração, tão expressiva, na taxa dos últimos seis meses? O ministro da Agricultura Pecuária e Abastecimento e o próprio presidente da República têm reiterado que não será necessário derrubar uma única árvore para produzir bioenergia no país e consolidar o Brasil como uma economia movida a energia limpa e renovável.

É de domínio público que a atividade econômica que mais ocupa terra no Brasil é a pecuária. São 172,3 milhões de hectares utilizados como pasto e 76,7 milhões cultivados com lavouras. Também é conhecido que o Brasil era o quinto exportador de carne bovina no mundo em 2000, com 455 milhões de toneladas, e cinco anos depois se tornou o primeiro exportador, com 1,6 milhão de toneladas. E, por último, mas não menos significativo, sabemos que a participação do rebanho bovino da Amazônia Legal no rebanho nacional saltou de 18% para 36%, entre 1990 e 2006. Todos os dados segundo o IBGE.

Outro elemento que se deve considerar, por sua relevância, na análise da expansão do agronegócio e seus impactos sobre o bioma amazônico é a evolução da área plantada de soja. Apenas na região Norte foi multiplicada por cinco: de 106 mil hectares em 2001 para 518 mil hectares em 2006.

Para não cairmos numa análise simplista desses dados do novo ciclo de desenvolvimento dos últimos anos – sem dúvida reveladores – é oportuno considerar que na retaguarda, ou seja, nas regiões já estabilizadas do agronegócio no país, 18 milhões de hectares de pasto foram convertidos em lavoura, o que significa uma redução de 14% na área de pasto em relação a 1996. O rebanho bovino, no entanto, teve seu contingente diminuído em apenas 1,4%. Ou seja, elevou-se a produção agrícola sem queda relevante na produção de carne bovina.

Esses dados nos indicam onde o governo federal poderia investir. Ao lado de uma rigorosa política de médio e longo prazo de Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), em uma política imediata e intensiva de recuperação de áreas degradadas de pastagens como forma de aliviar a pressão sobre os ativos florestais dos cerrados e da Amazônia pela abertura de novas áreas. E incentivando iniciativas de pesquisa para melhoria na produtividade do rebanho.

Esse quadro esboçado a partir de dados que envolvem o investimento em duas comodities-chave na pauta do consumo interno e das exportações brasileiras reflete o caráter de urgência que ??a agenda ambiental incorpora ao se instalar no centro da agenda do novo ciclo de desenvolvimento do país.

Desenvolver X preservar

Depois de duas décadas de estagnação econômica, o Brasil volta a crescer. Esse é o fato que presidirá os debates da sociedade brasileira em torno da formulação das políticas sócio-ambientais nos próximos anos. Recusamos o dilema que opõe desenvolvimento a proteção ambiental. Ele é falso.

É um dilema dos países capitalistas centrais. Os mesmos que equacionaram ou resolveram o problema da pobreza dos seus cidadãos à custa da exploração colonial ou neocolonial dos recursos naturais dos países do Hemisfério Sul.

Os que propõem o dilema dessa forma, em geral, não consideram a necessidade incontornável de resgatar a imensa dívida social e cultural que o Brasil acumulou ao longo de cinco séculos com seus filhos mais pobres. Ou, no sentido oposto, não consideram relevantes os impactos ambientais sobre os territórios produzidos pela atividade econômica da sociedade. Neste país, o progresso é um valor absoluto. Não se questiona sua qualidade. Quem insiste em interpelar a qualidade do progresso estigmatizado como um obstáculo a ele.

Essa perspectiva reduz o horizonte histórico, quando muito, aos limites de uma geração. Amesquinha o debate porque o trata dentro dos estreitos limites ditados pela lógica do lucro imediato que preside a ação do mercado. Está acorrentada ao presente. Não se responsabiliza pelos brasileiros que virão e pelos filhos dos que virão. E não contribui para a formulação de alternativas sustentáveis que protejam as populações mais vulneráveis do país dos dramáticos fenômenos climáticos e de outras naturezas que resultam, até prova em contrário, da atividade econômica sobre o ambiente.

A retomada do crescimento da economia brasileira traz consigo um sentido maior de urgência no debate e na formulação das políticas ambientais. Os números de 2007 representam uma conquista da sociedade e do governo brasileiro. Nos últimos cinco anos, o governo do presidente Lula liberou os impulsos de uma economia que se encontravam represados havia vinte anos. Recuperou, ainda que parcialmente, a capacidade indutora do Estado no processo de desenvolvimento. Desencadeou um conjunto de iniciativas políticas, sociais e econômicas que se conjugaram no sentido de afirmar o novo ciclo que testemunhamos.

Voltamos a crescer de maneira expressiva, entre 2003 e 2007, em comparação com as duas décadas anteriores: 5% do PIB, inflação sob controle, abaixo dos 3,5% (lembro que em 2002, último ano do governo FHC – que proclama ter contido a inflação –, esse número era 12%); formalização do mercado de trabalho, com aumento de 19,5% nas contratações com carteira assinada; redução da taxa de desemprego, com a menor taxa de desocupação já registrada, 7,4% em dezembro último; melhor rendimento médio dos salários, R$ 1.142,72, o que significa uma elevação de 7,7%. Nos doze meses de 2007, a massa salarial cresceu em ritmo chinês: alcançamos 11,5%. A política estruturante de elevação do salário mínimo vem contribuindo decisivamente para a recuperação do poder de compra dos assalariados. Oferece hoje um salário mínimo de R$ 415, algo em torno dos US$ 200. Para fins de reforma agrária, foram colocados à disposição 38.817.707 hectares. O exame histórico dos ciclos de desenvolvimento que caracterizaram a expansão da economia brasileira durante o século XX revela que foram marcados por alguns traços constantes: autoritarismo – crescemos sob ditaduras, o governo JK é a exceção – concentração de renda, geramos uma fratura social, inaceitável para uma nação civilizada, entre ricos e pobres no país; inflação; e, por fim, escassa ou nula sensibilidade para a utilização sustentável dos recursos naturais.

Temos, portanto, diante de nós um triplo desafio a responder no novo ciclo de desenvolvimento: crescer consolidando e ampliando as conquistas democráticas dos últimos trinta anos; crescer sem inflação e com distribuição de renda, retirando o Brasil da vergonhosa condição de uma das sociedades mais desiguais do mundo; e crescer incorporando a dimensão da sustentabilidade sócio-ambiental à cultura do desenvolvimento do Brasil. Essas são as três dimensões indispensáveis do grande desafio ético das esquerdas brasileiras, nesse momento histórico da vida do país. Essas serão as marcas distintivas de um projeto de esquerda para o Brasil do século XXI.

Direita regressiva, esquerda tímida

Os setores conservadores brasileiros, desde Fernando Henrique, vivem um dilema: despediram-se da perspectiva de formular um projeto nacional para o Brasil, na expectativa de resolver os desafios do desenvolvimento e a integração da economia brasileira no mundo contemporâneo por meio da “mão invisível do mercado”. Com a derrota de Serra (2002) e Alckmin (2006) e a retomada do crescimento, sob o governo Lula, a agenda do país se afasta do tema das privatizações e passa a abordar outros tantos.

Trabalha a formulação de uma nova síntese: articular e consolidar as políticas de distribuição de renda resultantes dos projetos sociais do governo federal (distribuir para crescer); expandir o consumo do mercado interno (ampliação da oferta de crédito); recuperar a capacidade de investimento do setor público, e, portanto, redefinir o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Uma alteração, como se vê, substantiva, considerando que nos anos anteriores o centro do debate era o Estado mínimo. Os setores conservadores ainda não encontraram um discurso convincente para oferecer respostas a essa nova agenda. Quando interpelados a respeito, recuam no tempo, para ressuscitar a retórica das privatizações. Uma perspectiva hoje órfã, uma vez que mesmo nos países centrais seus proponentes já a abandonaram.

Por outro lado, as esquerdas brasileiras não têm ainda revelado capacidade digna de nota para incorporar a seu discurso as realizações do governo Lula, no que toca às políticas de promoção da igualdade social, à democratização do acesso às políticas culturais e à defesa das políticas ambientais, diante das posições da direita.

Ainda é débil a elaboração sobre o papel que o Estado deve cumprir no novo ciclo: desenvolver o país aprofundando as conquistas democráticas da sociedade, desenvolver o país com distribuição de renda e recuperar a própria capacidade de planejar e desenvolver regional e nacionalmente o país numa perspectiva de médio e longo prazo, incorporando a dimensão da sustentabilidade sócio-ambiental.

Ocorre que as esquerdas – aí incluídas parcelas importantes que se encontram à frente do governo – não conseguiram avançar na formulação dos contornos do novo projeto nacional que incorpore como parte constitutiva necessária a dimensão do uso sustentável dos recursos naturais. Permanecem presas à gaiola ideológica do pensamento neoliberal, eleitoralmente derrotado em 2002 e 2006, mas ainda não inteiramente removido de centros relevantes de decisão do Estado brasileiro.

A agenda ambiental adquiriu centralidade no debate em torno do novo ciclo de desenvolvimento do Brasil. A questão do desmatamento, não apenas na Amazônia, mas também, e de maneira dramática, nos cerrados e na caatinga, é uma das faces visíveis dos impactos ambientais que a sociedade brasileira deverá enfrentar para equacionar os termos de seu projeto de desenvolvimento para o século XXI. Mas há outras. O colapso da cidade de São Paulo é uma delas. Nos remete, de um lado, para a busca de energias alternativas aos combustíveis fósseis e, de outro, para a discussão do próprio paradigma – econômica, social e ambientalmente insustentável – do modelo de produção e consumo que se reproduz aqui.

A capacidade que as esquerdas revelarem para incorporar a dimensão da sustentabilidade sócio-ambiental à cultura do desenvolvimento do Brasil no século XXI será o fator distintivo, com relação à direita, do novo paradigma de civilização que propomos para o país.

Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é secretário de Articulação Institucional do Ministério do Meio Ambiente
Princípios agradece ao autor do artigo e à revista Teoria e Debate por, gentilmente, terem autorizado a reprodução deste texto.

EDIÇÃO 96, JUN/JUL, 2008, PÁGINAS 29, 30, 31, 32