Princípios – O Conselho Mundial da Paz (CMP) foi fundado em 1949, logo após a II Guerra Mundial. Que motivações levaram à sua criação?
SOCORRO GOMES – Os povos e nações sofreram os horrores da guerra, que provocou uma cadeia mundial de sofrimento e destruição com mais de 50 milhões de mortos. Assistiram ao surgimento imediato de uma grande potência bélica, os Estados Unidos, capaz de destruir cidades, como fez com Hiroshima e Nagasaki num piscar de olhos com a bomba atômica. Esse poder de destruição logo aumentou e a própria sobrevivência da humanidade foi posta em risco.
Além do desafio de reconstruir países, as forças democráticas e progressistas tinham, assim, no imediato pós-guerra uma grande preocupação, um objetivo fundamental: parar a máquina de guerra e evitar as ameaças de uma terceira guerra mundial cujos efeitos destrutivos seriam infinitamente maiores que os da Segunda guerra mundial. Esta grande motivação – a busca da paz mundial – mobilizou no mundo mais de 600 milhões de pessoas que subscreveram o documento de apoio à criação do CMP.
Em todos os continentes surge um grande clamor contra a guerra. As pessoas, cientistas, intelectuais, operários, mulheres, jovens expressaram seu horror e o mais profundo repúdio às ameaças de uma terceira guerra. As imagens de Auschwitz e Hiroshima, e todas as demais cenas de horror e sofrimentos da Segunda guerra, estavam muito presentes na memória coletiva, impulsionando-os a realizar a grande tarefa de criar mecanismos capazes de aglutinar todos os que desejavam fazer cessar a grande ameaça destruidora de uma terceira guerra. A criação do movimento mundial de partidários da paz foi uma imposição da época, uma necessidade urgente na busca de sobrevivência da humanidade. Uma resposta dos povos às ações dos fomentadores de guerra.

Princípios – Às vésperas de completar 60 anos, quais os legados do Conselho Mundial da Paz em sua trajetória?
SOCORRO GOMES – A criação do CMP foi fruto da mobilização e da atividade política não só de intelectuais de grande prestígio mundial, mas do apoio expresso pelos povos em abaixo-assinados, panfleto e uma Declaração subscrita por 600 milhões de pessoas no mundo.
A paz, como essencial para toda a humanidade e responsabilidade de cada um, foi uma cultura muito divulgada pelo Conselho Mundial da Paz, bem como os princípios fundamentais da nascente Organização das Nações Unidas, especialmente o da autodeterminação dos povos. Um dos grandes legados do CMP ao longo dessas décadas foi a grande campanha contra a corrida armamentista.
O Conselho Mundial da Paz foi muito ativo nas décadas de 1950, 1960 e 1970 na luta pela solução pacífica dos conflitos internacionais; pelo respeito às fronteiras territoriais e a autodeterminação dos povos e nações; pela supressão de todas as armas de destruição maciça, o fim da corrida aos armamentos, pelo desarmamento geral progressivo; pela não ingerência das grandes potências nas questões internas das demais nações; pela eliminação de todas as formas de colonialismo e de discriminação racial; pelo direito dos povos à soberania e à independência; pelo estabelecimento de relações comerciais e econômicas eqüitativas, por relações culturais amigáveis e o respeito mútuo entre todas as nações. O CMP esteve ao lado do povo argelino e os povos da África sub-saariana em suas lutas anticoloniais, do povo vietnamita em sua heróica luta de libertação nacional contra a criminosa agressão estadunidense e dos povos do Oriente Médio contra os ataques israelenses de caráter expansionista.

Princípios – A Assembléia de Caracas foi uma das maiores e mais importantes das últimas décadas. Como se encontra o movimento pela paz hoje e quais seus principais desafios?
SOCORRO GOMES – O fato de a Assembléia ter sido realizada na América Latina reveste-se de grande significado para a luta dos povos contra a guerra. Há grandes e importantes avanços ocorrendo na América Latina. Os principais países do continente são hoje governados por forças antiimperialistas, com exceção de México, Peru, e especialmente Colômbia que se tornou uma base política dos EUA, executando a pedido políticas do imperialismo estadunidense, agredindo países soberanos como o Equador, espalhando o terrorismo de Estado, executando a política de guerra preventiva de Bush. Em todos os demais países do continente intensifica-se a luta contra a dominação imperialista e pela autodeterminação dos povos, com destaque para a República Bolivariana da Venezuela, cuja capital Caracas se tornou em abril, por ocasião da realização da Assembléia do Conselho Mundial da Paz, a capital mundial da paz.
O movimento pela paz cresce em todos os continentes e se fortalece tendo como grande desafio o desmantelamento da máquina de guerra dos EUA e de seus aliados Israel e Colômbia, assim como de seu principal instrumento na Europa, a OTAN. É imperioso o desmonte das bases militares em países estrangeiros, bem como a retirada sem a imposição de condições dos países ocupados, como Afeganistão, Iraque e Palestina.

Princípios – Qual o significado do conceito de paz?
SOCORRO GOMES – A soberania das nações é o pressuposto para a paz. A ONU nasceu com o objetivo de dirimir os conflitos através do diálogo entre as nações. Mas isto não é possível com o primado dos interesses das potências imperialistas, que se impõem através do militarismo, do monopólio das armas de destruição maciça e das guerras de agressão. Por isso, o conceito de paz é indissociável da luta contra o imperialismo e suas políticas de guerra. Hoje mais do que nunca é essencial fortalecer os princípios de soberania, diálogo e desarmamento para que países e nações possam desenvolver-se em paz.

Princípios – Que significado tem sua eleição à presidência do Conselho Mundial da Paz para os movimentos antiimperialistas e progressistas do Brasil e da América Latina?
SOCORRO GOMES – O Brasil assume a presidência do Conselho Mundial da Paz após o mandato do companheiro cubano Orlando Furtado, que desempenhou papel decisivo no fortalecimento do movimento pela paz em toda a América Latina e no mundo. Para nós, é um grande desafio estar à frente do Conselho Mundial da Paz. Tudo faremos para fortalecer nosso movimento, consolidando as organizações nacionais que integram o CMP como organização mundial, cooperando com todas as demais organizações, redes e personalidades que desenvolvem lutas e campanhas convergentes com as nossas, entre elas as organizações do movimento democrático e popular brasileiro e latino-americano, sempre em função de atingir os nossos objetivos: um mundo livre da opressão e das guerras. Temos a arraigada convicção de que para isso é indispensável fortalecer e ampliar o Conselho Mundial da Paz vincando seu caráter de organização antiimperialista unitária e de massas, capaz de aglutinar e mobilizar amplas forças políticas e sociais, assim como personalidades independentes.

Princípios – Por que você afirmou em seu primeiro discurso como presidente do Conselho Mundial da Paz que esta missão é um dos maiores desafios de sua militância política e social?
SOCORRO GOMES – Durante a maior parte de minha existência tenho lutado junto ao povo brasileiro por justiça, direitos humanos, liberdade, soberania nacional e pelo socialismo.
O Conselho Mundial da Paz nas circunstâncias históricas atuais tem como seu maior objetivo aglutinar forças políticas do mundo inteiro na luta contra a maior máquina de destruição da terra, um poder bélico jamais visto, sustentado por forças que promovem tortura, assassinatos, que elevaram o terrorismo ao patamar de política de Estado. Estas forças encontram-se no vértice do poder dos Estados Unidos. O CMP realizou sua Assembléia de abril em Caracas num momento em que o imperialismo mais aplica a política de guerra permanente, tornando dezenas de países seu alvo. Mas é também um momento em que crescem o repúdio e a condenação dos povos do mundo a essas políticas ameaçadoras.
Assumimos essa tarefa com a arraigada convicção de que o imperialismo não é invencível, pode ser derrotado e será derrotado. Só assim a humanidade poderá construir um mundo de paz.
Então nosso desafio é fortalecer o CMP, que teve em suas fileiras brasileiros ilustres como Josué Castro, Cândido Portinari e tem, através do nosso Cebrapaz, o arquiteto Oscar Niemeyer como seu mais ilustre membro e conselheiro. Nossa grande meta, com o secretário-geral, o companheiro Pafilis Thanassis, o Comitê Executivo, o Secretariado, as instâncias continentais e as organizações nacionais, é fazer do Conselho Mundial da Paz uma forte organização de luta contra o militarismo, as guerras imperialistas de agressão, pela soberania dos povos e nações e pela paz mundial como bem supremo da humanidade.

* Rubens Diniz é membro da direção nacional do Centro brasileiro de solidariedade aos povos e luta pela paz (Cebrapaz)

EDIÇÃO 96, JUN/JUL, 2008, PÁGINAS 79, 80, 81