Princípios – As eleições municipais decidem os destinos das cidades. Entretanto, há um debate sobre o impacto de seus resultados na próxima eleição presidencial. Qual sua opinião?
Renato Rabelo – Em relação a essa questão penso que 2008 é a “largada” para 2010. Não há como separar uma coisa da outra. De certa forma, as eleições municipais preparam as eleições de 2010, porque o resultado de 2008 vai influir na correlação de forças políticas do país. Seria ingenuidade afirmar que não há influência na correlação política para 2010. É importante esse balizamento para não haver uma leitura superficial desse embate e nem serem cometidos equívocos na política de alianças.

Princípios – Neste início de campanha, como se apresentam as perspectivas nos campos políticos em luta?
Renato Rabelo – As forças do campo de apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficaram bem situadas, embora haja uma diversidade de candidaturas. Todavia, a tendência é que se realize – sobretudo em cidades que terão dois turnos – uma convergência no segundo turno em torno de uma candidatura do campo político do governo Lula. A não ser em casos muito excepcionais, a tendência principal é essa. Tanto que Lula já liberou o uso da imagem dele para todos os candidatos do leque de partidos que o apóiam. Com isso, apesar de um mesmo município ter mais de uma candidatura dos partidos da base aliada, o apoio ao presidente da República é que representará um ponto de encontro entre elas, provocando certa homogeneidade.

Princípios – E especificamente em relação à esquerda, como ela está situada?
Renato Rabelo – Dentro do campo de apoio ao presidente Lula, a esquerda tem jogado um papel importante. Novamente, no seu âmbito de atuação, se confirma a hegemonia do PT. Este diagnóstico se refere às capitais e às demais cidades grandes. Não me refiro à totalidade dos municípios, mas às cidades que concentram a maior quantidade de eleitores. Quanto ao Bloco de Esquerda, ele procurou desempenhar seu papel como ficou patenteado em São Paulo. Mas recebeu os impactos dispersivos de uma eleição atomizada, marcada por uma realidade política que se diferencia de um município para outro. Destaco no Bloco, enquanto resultado, uma aliança básica entre PCdoB e PSB.

Princípios – Vários analistas políticos destacam as chances do PCdoB em colégios eleitorais de peso como uma das novidades desta eleição. Qual a razão dessa participação destacada?
Renato Rabelo – O PCdoB, desta vez, tem um projeto eleitoral mais ambicioso. E pela primeira vez ele aparece com destaque, com candidaturas majoritárias em grandes colégios eleitorais e centros políticos importantes. Isso decorre do êxito da orientação traçada já desde o início de 2007, em que o PCdoB deveria ter uma política mais afirmativa do ponto de vista do Partido e maior ousadia com referência a seus objetivos políticos. Então, como conseqüência disso, formulou um projeto que, digamos assim, pela primeira vez se destaca nessas cidades de importância maior. Pelos dados desse período inicial da campanha, várias candidaturas do PCdoB são competitivas e disputam com chances de vitória. Por uma questão de espaço, comentarei somente algumas delas. Por exemplo, no Rio de Janeiro, o segundo colégio eleitoral do país, o PCdoB tem uma candidata muito bem posicionada: Jandira Feghali é a segunda colocada em todas as pesquisas de opinião feitas até aqui. Em Porto Alegre, Manuela D’Ávila disputa a segunda posição. Na cidade de Belo Horizonte, Jô Moraes, neste início de campanha eleitoral, aparece na frente, é líder nas pesquisas contra um candidato apoiado pelo governador do estado e o prefeito da cidade. Além disso, há candidaturas em outras capitais importantes: Ângela Albino, em Florianópolis; Flávio Dino, em São Luis; e, ainda, Ricardo Gomide em Curitiba; David Chiquilito, em Porto Velho.
E não apenas nas capitais, o Partido disputa também prefeituras importantes, como Jundiaí em São Paulo. No projeto partidário, sublinho duas cidades: Aracaju e Olinda. Elas têm uma importância particular porque já são administradas pelo PCdoB. Olinda, já por dois mandatos. Se o PCdoB eleger Edvaldo Nogueira, em Aracaju e Renildo Calheiros em Olinda, essas vitórias terão o significado de que a gestão do PCdoB foi aprovada pela população.

Princípios – Passou pelo teste de governar?
Renato Rabelo – Passou exatamente pelo crivo da população. No caso de Olinda seria um terceiro governo seguido do PCdoB, mostrando que reúne condições, portanto, de governar. E em Aracaju seria a reeleição do atual prefeito, Edvaldo Nogueira, que dá continuidade a um tempo novo que surgiu nesse estado desde a eleição de Marcelo Deda. Porque de certa forma o aparecimento de Deda, hoje governador, é uma fase nova nesse estado, por ter enfrentado as oligarquias tradicionais de Sergipe. E Edvaldo dá continuidade a isso. Se ele se reeleger mostra, portanto, que também temos condições de governar uma capital como Aracaju.

Princípios – Como se explica esse fenômeno de o PCdoB, um partido ainda pequeno, ter lideranças tão competitivas em capitais importantes?
Renato Rabelo – Obviamente, isso não acontece por acaso. Um partido que tem capacidade e condições de apresentar lideranças políticas de relevo demonstra que soube construir lideranças de porte. É uma prova de que o PCdoB é um partido que vem se afirmando, crescendo, se ampliando e que passa a gozar de um prestígio, de uma autoridade crescente no âmbito político nacional. Esse é um dado insofismável, dito até por setores da oposição. É um partido hoje respeitado no país. Ele tem se destacado exatamente por sua coerência, por suas posições. É um partido que de certa maneira é uma espécie de “instituição política” nacional por sua longa trajetória percorrida no país. Em mais de 86 anos de existência, desempenhou um papel de força avançada em todo o processo político brasileiro, desde o início do século passado.
Outro fator: Já não estamos naquele período de queda da União Soviética, no início dos anos 1990, quando prevaleceu uma avalanche conservadora contrária ao socialismo e ao comunismo. De lá para cá, sublinhe-se, em pouco tempo histórico a vida vai comprovando não ter havido nenhum “fim da história”, e não proceder a sentença da propaganda capitalista de que o socialismo fracassou, de que não é viável. Na realidade, a vida vai comprovando que o socialismo está começando, está iniciando sua presença na cena da história. Porque o sistema capitalista cada vez mais demonstra sua impotência para enfrentar os grandes desafios da nossa época. As crises sucessivas, as agressões contra os povos atestam nossa afirmativa. Estamos atravessando agora uma crise econômica de grande dimensão, que pode ter impactos ainda imprevisíveis. Tudo isso mostra que a vida fala mais alto, e que os comunistas são capazes de apresentar uma alternativa. Uma alternativa para uma situação que nega ao povo a prosperidade, que nega às nações o direito à paz e ao desenvolvimento. O capitalismo vai se revelando aos olhos de muitos como a fonte dessas graves ameaças que atormentam o mundo. Essa trajetória joga para longe – apesar de ainda recente – aquele clima de obscurantismo decorrente do fim da União Soviética. Esse ímpeto anticomunista diminuiu.
Um terceiro fator é que o partido demonstrou ter capacidade para uma comunicação fluente com setores importantes da população e para estabelecer vínculos com a juventude e as mulheres; para ser um canal de representação política desses segmentos. Isso por suas posições políticas, por sua conduta e coerência. Entre nossas lideranças, destacam-se, exatamente, jovens e mulheres. E isso é um trunfo, pois um partido que consegue crescer entre as mulheres e entre os jovens demonstra uma capacidade de renovação extraordinária. E vejam, tais setores eram politicamente marginalizados, sem espaço político. E o fato de agora surgirem desses segmentos lideranças expressivas, através do nosso partido, demonstra então haver alguma tendência renovadora pelo caminho. E quem está expressando isso é o PCdoB.

Princípios – O projeto eleitoral do PCdoB ressalta a opção dos comunistas brasileiros pela participação em governos nas diferentes esferas. Em que se alicerça essa convicção do PCdoB de assumir essas responsabilidades de governo no capitalismo?
Renato Rabelo – A atividade política do partido não se restringe a um setor. Hoje ela é multifacética. E, sobretudo a um partido como o PCdoB – que tem objetivos estratégicos de govrnar o país e de, no presente, influenciar e contribuir com as realizações de governos democráticos – impõe-se na contemporaneidade o desafio de ter de dar provas de que pode e sabe governar. Porque faz parte da experiência política saber governar. Além disso, o partido tem a atuação fundamental – pela própria origem, pela própria compreensão nossa de como podemos crescer e acumular forças – de atuar junto ao povo, sobretudo entre os trabalhadores. O Partido tem uma atuação permanente e não apenas no período eleitoral. Essa atuação contínua, que destaca talvez o PCdoB dos demais partidos, manifesta-se com força nos movimentos socais: na esfera sindical, estudantil, da juventude, de mulheres etc. Ou seja, nas atividades do movimento social do país temos uma atuação destacada. Além disso, participa no cotidiano do debate de idéias com sua imprensa, procura expor suas opiniões nos meios de comunicação.

Princípios – Quais são as idéias e as principais diretrizes programáticas do PCdoB para enfrentar o desafio de governar as cidades?
Renato Rabelo – O Brasil transformou-se num país eminentemente urbano, com metrópoles e cidades médias e pequenas. Esse processo de urbanização foi muito rápido, uma particularidade do nosso país, o que provocou o acúmulo e um contencioso social enorme. E com isso as cidades incharam. Esse inchamento criou grandes deformações, como acontece com um corpo obeso. É o caso hoje das metrópoles, dos aglomerados urbanos. Então, quando o Partido propugna governar esses centros urbanos, nossa diretriz principal de governo deriva dos vínculos históricos e atuais do PCdoB com os direitos e os interesses dos trabalhadores e do povo. Por isso, nosso programa para as cidades busca dar respostas a esse contencioso que se formou nas grandes cidades.
No concreto, o programa, as diretrizes de governo devem responder, além de outros, a dois problemas fundamentais: primeiro, enfrentar os graves problemas sociais que afetam as cidades, sobretudo suas periferias. Dramático cenário presente não apenas nas grandes e médias, mas até nas pequenas cidades. O fato é que nessas cidades formaram-se grandes periferias nas quais se acumularam gravíssimos problemas. E se instaurou uma defasagem entre as demandas dessa realidade e a capacidade de resposta das administrações municipais. A péssima condição de vida do povo nas periferias retrata a grande desigualdade social que há no Brasil. As cidades com suas periferias gigantes – onde o povo padece toda sorte de privações – refletem as distorções do modelo de desenvolvimento que vigorou até bem pouco tempo. É uma face da concentração de renda e da desigualdade.
Por isso, uma prioridade de nossas diretrizes é dar respostas a essa situação dramática e perversa que impera nas periferias. Como? Para que progressivamente diminua essa absurda desigualdade social é preciso avançar na universalidade e na qualidade da saúde, da educação e, também, da moradia. O incremento dessas políticas públicas requer uma ação conjugada das esferas federal, estadual e municipal. Se não há acesso à educação de qualidade como um direito para todos, de igual modo à saúde e, também, à moradia para todos, não se pode ao menos amainar as desigualdades. Trata-se, portanto de ampliar, aprofundar a democracia para se enfrentar essa herança de desigualdade e exclusão social.
Segundo, além dessa problemática das periferias, há três outras questões que afetam a cidade como um todo: transporte, mobilidade social, segurança pública e meio ambiente.
Se não há transporte coletivo ágil e de qualidade a cidade como um todo é atingida. Chamo de contencioso porque não foi devidamente enfrentado e foi sendo agravado. Esse é um problema que deveria ter recebido investimentos crescentes já há muito tempo para que não tivesse havido o estrangulamento já estabelecido em várias cidades. O trânsito caótico e o transporte coletivo lento representam dilemas sérios que rebaixam a qualidade de vida de todos e oneram a economia dos municípios.
A questão da segurança pública ante a crescente criminalidade e violência urbana tornou-se uma exigência destacada dos cidadãos. A violência atinge a todos. Embora os ricos sejam alvos de crimes contra o patrimônio e os pobres vítimas de crimes contra a vida. O trágico é que os jovens pobres são as maiores vítimas. O elenco de medidas para assegurar a paz nas cidades requer uma interação da prefeitura com o estado e a União, os principais responsáveis pela segurança.
Por fim, a questão do meio ambiente também atinge o conjunto da cidade. O processo de urbanização caótico e o modelo de desenvolvimento medíocre que não buscou harmonizar as atividades econômicas com a preservação ambiental devastaram as cidades, destruindo sua flora e poluindo seus rios. O saneamento, apesar dos investimentos recentes do governo federal, ainda está longe de se universalizar. Todos são afetados, mas obviamente os pobres sofrem mais, muitos vivem em locais insalubres e em áreas de risco. A luta por cidades saudáveis se impôs como uma necessidade imperativa.
Por falar em cidades saudáveis, destaco o papel do esporte, do lazer e da cultura nesse processo que chamamos de “humanização” das cidades. O PCdoB, à frente do Ministério do Esporte e de várias secretarias municipais e, também, com responsabilidade no Ministério da Cultura, tem dado contribuições destacadas na elaboração de políticas públicas e programas que alargaram o acesso do povo a essas atividades.
Portanto, face a esses problemas fundamentais nosso dever é ter diretrizes para enfrentá-los. Claro, sem deixar de levar em conta as particularidades de cada cidade, com os desafios mais urgentes que cada uma tem. Em síntese, nosso programa tem como cerne o enfrentamento das desigualdades para que tenhamos cidades mais humanas e, simultaneamente, a busca por superar aqueles problemas que afetam a cidade como um todo.

Princípios – Por último, por favor, discorra sobre a dimensão democrática de governar as cidades.
Renato Rabelo – A democracia é uma das marcas das experiências de governo do PCdoB. Pode-se dizer até ser uma forma de o PCdoB governar. A governança em torno de uma aliança ampla, com a participação de todos. Os exemplos de Aracaju e de Olinda demonstram que o PCdoB não governa sozinho. Administramos com os partidos aliados, ouvindo sempre os segmentos e instituições das cidades e buscando uma crescente participação da população nos destinos do município. Ligado a isso, incentivamos a formação de fóruns, de espaços de participação popular para que a própria população tenha canais para expressar suas opiniões, junto tanto ao prefeito e a seus auxiliares quanto à Câmara de vereadores.

Ressalto, finalmente, que para nosso Partido o patrimônio e os recursos públicos são sagrados. Sua utilização deve se dar sob as normas da legalidade, da eficácia, da honestidade e sob a égide do interesse público.

Adalberto Monteiro é Presidente da Fundação Maurício Grabois e editor de Princípios

EDIÇÃO 97, AGO/SET, 2008, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10