Os serviços de saneamento básico começaram a surgir no Brasil somente em 1877, e em 25 de julho daquele ano nasce em São Paulo a Companhia Cantareira de Água e Esgoto, idealizada pelos barões do café e engenheiros ingleses.

Entre 1880 e 1930, em atendimento às necessidades do sistema capitalista, o Estado brasileiro passa a adequar seus serviços de saúde em observância aos padrões de produção para exportação.
Os órgãos instituídos para atender ao setor receberam o nome de saneamento e beneficência e, imediatamente após, de saúde pública e de assistência social.
O escoamento da produção cafeeira exigia do Estado a obrigatoriedade do saneamento terrestre e marítimo.

Por imposição dos Estados Unidos, em meados do século XX, constituiu-se a Fundação Rockfeller para o saneamento dos Portos. A primeira visão do saneamento era unicamente focada na produção de soros e vacinas, sem considerar ações de ataque aos vetores (insetos e roedores), nem a interface da saúde com o ambiente e as doenças.

Com o processo de industrialização no Brasil e o surgimento dos trabalhadores urbanos, as corporações impõem uma nova função ao Estado, integrando saúde, saneamento, higiene pública, previdência, proteção e seguro social.

A forte intervenção do Estado brasileiro se dá com a publicação do Decreto 26463 de 10 de julho de 1934, conhecido como Código das Águas, em que o governo nacionaliza e torna estaduais as concessionárias estrangeiras responsáveis pela operação dos serviços ferroviários, de energia, bondes, telefonia, abastecimento de água e de esgotamento sanitário nos centros urbanos de porte.
Em 1942 é criada a Fundação de Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP) e a Funasa, Fundação Nacional de Saúde, com atribuições de implantar sistemas de saneamento básico e programas de educação sanitária nos municípios mais pobres das regiões menos desenvolvidas.

Inicia-se o financiamento do setor

As estratégias, desde então, passaram a privilegiar o interesse econômico de curto prazo, modernizando aceleradamente os meios de produção, demandando maior oferta de infra-estrutura em detrimento das questões sócio-ambientais.

A junta militar constituída pelos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, que governou o Brasil entre 31 de agosto e 30 de outubro de 1969, editou o Decreto-Lei 949 autorizando o BNH a aplicar recursos nas operações de financiamento para o saneamento, em especial os advindos do FGTS, modalidade que surge para pôr fim à estabilidade no emprego a quem permanecesse na mesma empresa por 10 anos seguidos.

Com esses recursos, o BNH cria o Sistema Financeiro do Saneamento e com ele o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), com o objetivo de:
• Eliminar o déficit de saneamento básico (água e esgoto) nos núcleos urbanos;
• perseguir a auto-sustentação financeira do setor;
• criar e consolidar o desenvolvimento institucional das companhias estaduais de saneamento básico (Cesb’s); e
• desenvolver tecnologias de baixo custo.

Ao BNH foi confiado duplo papel: o de agente financeiro e de órgão normativo do setor, enquanto centralizador dos recursos e definidor das prioridades na alocação dos mesmos, estendidas por isso às Companhias Estaduais de Saneamento.

No âmbito estadual, foram criados os Fundos de Financiamento de Água e Esgoto (FAE’s), constituídos por recursos das dotações orçamentárias dos governos estaduais.
O modelo das companhias estaduais de saneamento foi concebido e imposto pelos agentes multilaterais BID e BIRD.

Com a centralização do poder decisório, sem nenhum controle social, não tardou a ação de lobistas ligados ou constituídos por fabricantes de equipamentos, empreiteiras das áreas de projetos, construção que, sem titubear, fizeram aprovar obras de eficácia duvidosa e com forte grau de superfaturamento.

Como o Sistema Financeiro de Saneamento foi concebido para atender às companhias estaduais, os serviços municipais e autônomos que não aderissem a ele estavam impedidos do acesso aos recursos financeiros para manutenção ou ampliação dos serviços, recebendo apenas apoio técnico da Funasa, mediante a celebração de convênios.
Diante das recorrentes crises econômico-financeiras mundiais e nacional, o Planasa é desestruturado em 1985, com a extinção do BNH pela Resolução 076/92 do então presidente Fernando Collor de Melo.

Privatização

Em 1989, aos desviar recursos do FGTS do saneamento para outros setores da economia, percebe-se a intenção do governo federal em privatizar o setor. Em 1991realiza-se o I Encontro Nacional dos trabalhadores do setor, em Brasília, onde é desenvolvido o Plano de lutas contra a privatização.
Em 1992, o II Encontro dos trabalhadores em saneamento denunciou na Eco-92 a política privatista dos governos nas diferentes esferas.

Em 1993, num esforço concentrado com diversos segmentos sociais, foi elaborado o projeto de Lei Complementar 199 que instituía a Política Nacional de Saneamento, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional e vetada por Fernando Henrique Cardoso no quinto dia de seu primeiro mandato.
Em 1997 a ofensiva privatista se manifesta no PLS 266, de autoria do então senador José Serra, que tira o poder concedente dos serviços de saneamento dos municípios que constituem as regiões metropolitanas, passando para os Estados a titularidade – projeto derrotado com a pronta ação dos setores comprometidos com o saneamento público e universalizado.

Todos os projetos do governo federal visando à privatização do setor estiveram combinados com o contingenciamento de recursos financeiros para os operadores públicos, enquanto para os operadores privados houve o estímulo da constituição de Sociedades de Propósitos Específicos (SPE’s), com recursos altamente subsidiados pelo BNDES e demais agentes financeiros nacionais e internacionais.

A luta pelo saneamento de qualidade sob a gestão pública

É importante ressaltar o papel cumprido pelo PCdoB, a partir do então deputado federal Inácio Arruda, do Ceará, que promoveu inúmeras atividades dentro e fora do Congresso Nacional em defesa da revitalização das companhias estaduais e da participação dos municípios na definição das políticas públicas.

Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva há uma polarização entre os defensores do serviço público de qualidade com gestão democrática e controle social e os privatistas de sempre.
O grande mérito do governo Lula foi ter garantido e estimulado o debate que culminou na Lei Federal 11.445/07 que, somada à Lei Federal 11.107/05 (consórcios públicos) e ao Decreto 6017/07 (regulamenta o setor e dá prioridade de recursos de dotação orçamentária do governo federal, dos estaduais e municipais), pode vir a ser um novo marco para o saneamento ambiental enquanto fator de saúde pública, qualidade de vida, desenvolvimento e cidadania.

Cabe destaque ao empenho do então presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, que priorizou na agenda do Congresso a aprovação da legislação acima citada após ter ouvido os diversos atores envolvidos, inclusive a Frente Nacional em Defesa do Saneamento Ambiental, da qual fazemos parte.

Diretrizes

Consideramos que a universalização do acesso aos serviços de saneamento ambiental passa pela consolidação de políticas públicas enquanto fator de saúde e de qualidade de vida.
A prestação dos serviços deve ser processada:

• Sob gestão pública com valorização e atualização do corpo funcional, controle social e participação efetiva na gestão e na definição dos investimentos e metas com foco na inclusão social e no interesse público;na instalação de agências reguladoras e fiscalizadoras sobre a prestação dos serviços; revitalização e fortalecimento dos serviços municipais e das companhias estaduais públicas;
• blindagem política e econômica das companhias estaduais e dos serviços públicos municipais, objetivando com isso coibir eventuais desvios de recursos e finalidade para o qual foram constituídos; ereformulação dos contratos de programas, onde a prática do subsídio cruzado tenha total transparência a partir da reestruturação tarifária, garantia do caráter público dos serviços, impedindo qualquer modalidade privada, conforme vem sendo perseguido por grupos econômicos que enxergam no saneamento uma oportunidade de negócio e de mercado, objetivando o lucro em detrimento do social.

Saneamento hoje

Segundo apontam dados do Ministério das Cidades, somente no âmbito do PAC foram disponibilizados R$ 6 bilhões entre 2002 e junho de 2007 para obras em saneamento. Porém, foram desembolsados apenas R$ 2 bilhões por insuficiência ou inviabilidade técnica dos projetos apresentados pelos estados, municípios e operadores dos serviços públicos estatais, municipais e autônomos, caindo por terra a máxima de o Estado não possuir recursos financeiros e, por isso, deve privatizar os serviços.

Estamos, sim, carentes de governantes e gestores públicos compromissados com a qualidade de vida, saúde e respeito à coletividade, até porque, segundo a ONU, 2008 foi promulgado como o ano do saneamento.

O Brasil ainda apresenta um déficit de 20% no abastecimento de água e 52% nos serviços de esgoto por redes coletoras de esgoto, e, do total de esgotos coletados, em torno de 10% recebem tratamento e disposição final adequados.

João Pedro Apolinário é Técnico Sanitarista da Sabesp e diretor tesoureiro do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo)

EDIÇÃO 97, AGO/SET, 2008, PÁGINAS 62, 63, 64