Estas ameaças já possuíam inclusive um cenário preferencial, bem como nome e sobrenome. O local era o Acre, um território que pertencia formalmente à Bolívia, mas que havia sido ocupado por brasileiros que se consideravam os legítimos donos da região. E o nome da ameaça internacional era Bonorte-americano que pretendia arrendar o Acre da sobre as terras e sua população.livian Syndicate, uma companhia de capital inglês e Bolívia pelo prazo de vinte anos com amplos direitos
Diante da inércia do governo brasileiro à época, que nada fez para evitar o arrendamento do Acre ao Bolivian Syndicate, coube às pessoas que ocupavam essas terras tomar nas mãos o seu destino e por consequência de toda a Amazônia.

Depois de diversos movimentos insurrecionais iniciados em 1899, nos quais o Acre chegou a se proclamar um Estado Independente, coube ao ex-militar gaúcho José Plácido de Castro o importante papel de comandar as ações revolucionárias, a partir de 1902. Mas não menos importantes foram os milhares de seringueiros e seringalistas, a grande maioria deles até hoje anônimos, que dedicaram o melhor de suas vidas à causa de tornar o Acre parte do Brasil.

Seis anos mais tarde, em 1908, a ameaça internacional havia sido vencida e o Acre já tinha sido integrado ao Brasil através do Tratado de Petrópolis, assinado com a Bolívia em 1903. Entretanto ainda não havia cessado a luta por um Acre e uma Amazônia plenamente reconhecidos em sua importância.

O governo brasileiro promoveu uma traição ao povo acreano, que tanto havia lutado por essa região, ao aqui implantar o regime de Território Federal. Um regime injusto que tutelava os acreanos e os condenava a ser cidadãos de segunda categoria dentro de seu próprio país. Um estranho e autoritário regime que mais tarde foi estendido a outras regiões da Amazônia brasileira (Rondônia, Amapá e Roraima). Mais uma vez foi necessário levantar a voz contra o descaso do governo brasileiro, que deveria ter sido o primeiro a reconhecer com gratidão todos os sacrifícios até então empreendidos pelos acreanos. E à frente desse novo movimento, que recebeu o nome de Movimento Autonomista, mais uma vez estava Plácido de Castro e seus muitos soldados que, mesmo de forma anônima, não poderiam em sã consciência se calar.

E foi pela defesa desse Acre livre, soberano e com plenos direitos para todos os seus cidadãos que o Cel. Plácido de Castro pagou com a vida em uma emboscada realizada em 09 de agosto de 1908, vindo a falecer dois dias mais tarde, no dia 11 de agosto.

É por isso que, ao chegar no centenário da morte desse grande líder de todo o povo acreano e brasileiro, o governo do Estado realizou uma série de homenagens, estendendo-as não só ao Cel. Plácido de Castro, mas também a todos os revolucionários, a título da gratidão que todos nós acreanos temos para com esses homens e mulheres que não mediram sacrifícios para que cumpríssemos nosso destino como povo amazônico e brasileiro.

Origem e formação de Plácido de Castro

Em 12 de dezembro de 1873, nascia na cidade de São Gabriel, próximo à fronteira com o Uruguai, o primeiro filho do casamento do Capitão Prudente da Fonseca Castro com Dona Zeferina de Oliveira Castro. O menino recebeu o nome de seu avô paterno, José Plácido de Castro que, a exemplo de seu pai e de seu bisavô (Joaquim José Domingues), também havia sido militar. Com isso, o menino parecia predestinado a seguir a carreira militar que acompanhava os homens daquela família por três gerações consecutivas. Mas a morte do pai, quando Plácido tinha por volta de 12 anos de idade, dificultou a formação do menino que se viu obrigado a trabalhar para ajudar no sustento da mãe e de seis irmãos menores.

Trabalhou em diversos ramos de atividade, desde então. O primeiro emprego foi em uma loja de fazendas, a seguir foi aprendiz em uma ourivesaria e finalmente se transferiu para a cidade de São Francisco de Assis, onde um irmão paterno lhe ofereceu um emprego em seu Cartório.

Em 1889, o jovem Plácido assentou praça no 1º Regimento de Artilharia de Campanha, mais conhecido como “Boi de Botas”, para logo em seguida ingressar na Escola Tática de Rio Pardo, de onde retornou, já em 1892, como 2º Sargento ao regimento de onde saíra. No ano seguinte conseguiu uma vaga na Escola Militar de Porto Alegre na qual permaneceu até que começaram os conflitos da Revolução Federalista que assolou todo o país durante a presidência de Floriano Peixoto. Entre os Pica-paus, republicanos partidários de Floriano Peixoto, e os Maragatos, que reuniam federalistas e monarquistas, Plácido acabou por se alinhar aos últimos e lutou em diversos combates alcançando rapidamente o posto de Major. Porém, a derrota dos Maragatos levou Plácido de Castro a abandonar a carreira militar, mesmo tendo sido anistiado, num dos episódios menos compreendidos de sua biografia, uma vez que ele parecia talhado para a carreira militar.

O ano de 1896 assiste à chegada de Plácido ao Rio de Janeiro onde se empregou no Colégio Militar. Mais uma vez ele ascendeu rapidamente, melhorando de posto até que, ao brigar com um dos professores do Colégio, abandonou definitivamente a caserna. Foi parar desse modo em São Paulo, em 1898, onde trabalhou na Doca de Santos para juntar dinheiro e empreender uma longa viagem até Manaus, onde alguns amigos lhe acenavam com a possibilidade de rápida fortuna.

Seguindo seu tortuoso caminho, Plácido logo chegou às terras amazônicas. Começou a trabalhar como agrimensor na demarcação daquelas terras ainda pouco exploradas, mas muito ricas graças à exportação da borracha natural. A virada do século encontrou Plácido de Castro, gaúcho das frias terras do sul, sofrendo com o clima amazônico, tornando-o mais uma vítima do impaludismo que tanto provocava sofrimento aos exploradores da região.

O ano de 1900 já estava próximo de seu final quando Plácido foi localizado em um seringal do rio Purus por um grupo de homens que se dirigia ao Acre a fim de realizar uma revolta armada contra os bolivianos. O objetivo deste grupo era convidar Plácido de Castro para participar daquele empreendimento que necessitava de homens experimentados nas artes da guerra. Seja em função de seu precário estado de saúde, seja porque já percebia o desatino daquela aventura a que se lançavam homens mais devotados ao copo e a boêmia do que às armas, Plácido recusou o convite que lhe foi feito e assistiu à partida da Expedição dos Poetas, que logo seria derrotada pelas forças bolivianas.

Pouco mais de um ano depois, Rodrigo de Carvalho acompanhado de dois outros grandes seringalistas, alarmados pelas notícias do arrendamento do Acre ao Bolivian Syndicate, procuraram Plácido de Castro para lhe propor um movimento armado definitivo. Após ouvir seus motivos e ponderações, Plácido mostrou-se favorável a participar daquela revolta, mas para tanto apresentou três condições indispensáveis:

1- Tudo se fará à margem do Governador do Amazonas; 2- Será estabelecida uma junta revolucionária, mas, uma vez desencadeada a revolução, esta se dissolverá ficando todos os poderes atribuídos ao chefe militar, que os senhores propõem que seja eu; 3- Deve ficar assentado que, firmadas as condições, quem faltar aos compromissos será sumariamente passado pelas armas.

As condições impostas foram aceitas e Plácido de Castro começou a preparar a luta que marcaria a história de sua vida.

Revolução Acreana

Muito tem sido dito sobre o papel de Plácido de Castro na vitória revolucionária contra os bolivianos. As manifestações mais comuns se dedicam a traçar páginas do mais puro heroísmo épico que visam a criar uma imagem até certo ponto romântica acerca desse homem e de seu destino. Parece mais sensato buscar alguns dos aspectos mais relevantes na vitória da Revolução Acreana, deixando um pouco de lado uma visão ufanista dos fatos.

É preciso considerar que a quarta revolução ocorrida no Acre foi até certo ponto curta em sua duração. Começou em 6 de agosto de 1902 e terminou em 24 de janeiro de 1903. Ou seja, apenas seis meses de confrontos mais agudos, o que facilitou em muito o seu desfecho favorável. Talvez o principal fator do sucesso desse movimento armado tenha sido que pela primeira vez se procurou formar um exército organizado. Por um lado, é verdade que era composto por seringueiros sem experiência militar, mas, por outro, a organização implementada foi suficiente para direcionar corretamente os esforços e ações daquelas centenas de homens. Nesse aspecto foi fundamental a experiência que Plácido possuía da vida militar, onde disciplina e obediência são condições primárias do funcionamento de um agrupamento armado. Neste ponto, o comandante-em-chefe do exército acreano era radical, não admitindo atos de rebeldia ou o descumprimento de suas determinações. Alguns o acusam, inclusive, de ter sido até duro demais no exercício do comando, mas esse era seu modo de conseguir a coesão daquele grupo tão desigual, no que obteve sucesso.

Um outro fator de peso no resultado positivo do movimento armado foi o forte apoio obtido dos grandes seringalistas, especialmente dos proprietários de terras do rio Acre. Isso lhe deu o suporte necessário para a formação e manutenção de um exército como ainda não havia existido nesta região. Durante os longos dias de cerco e combate às posições bolivianas, não faltaram suprimentos, munição e armamentos para o exército acreano, apesar de aqui e ali o próprio Plácido de Castro ter se queixado, em seus apontamentos escritos após a revolução, das provações passadas nos dias de marcha forçada quando faltavam provisões para alimentar seus soldados. É certo que, ao final da revolução, o exército acreano havia acumulado uma grande dívida junto aos fornecedores de gêneros e armas, mas que foi facilmente paga pelo butim tomado ao exército boliviano.

Apesar do exagero tão comum nos livros que tratam da Revolução Acreana, onde Plácido de Castro foi pintado com cores quase sobrenaturais, é preciso reconhecer que ele foi um dos principais responsáveis pelo sucesso do movimento armado que tornou o Acre brasileiro.

O líder autonomista

Com a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de novembro de 1903, estava resolvida a questão do Acre, e Plácido de Castro fez questão de ir pessoalmente ao Rio de Janeiro, em março de 1904, entregar em mãos do Barão do Rio Branco o seu relatório. Durante toda a viagem Plácido foi homenageado, especialmente em Manaus e Belém. Os historiadores descrevem como apoteótica sua chegada ao Rio de Janeiro, onde de fato foi recebido ainda a bordo do navio pelo próprio Barão, então ministro das Relações Exteriores.

Depois seguiu ao Rio Grande do Sul para rever a mãe em São Gabriel. Já de retorno ao Rio de Janeiro recusou o oferecimento de uma patente de coronel da Guarda Nacional, pois julgava ofensiva esta honraria comumente feita a coronéis e compadres políticos do poder oficial. Finalmente retornou ao Acre onde a expectativa de realizar sua independência financeira lhe acenava.

Com efeito, mais uma vez a ascensão de Plácido de Castro foi rápida. Logo se tornou proprietário do Seringal Capatará, onde implantou um sistema diferenciado da maioria dos seringalistas. Baseava sua atuação em uma rígida disciplina de trabalho e obrigava seus fregueses a ter suas próprias plantações (roçados). Em um gesto audaz, entrou no território boliviano para requisitar a posse legal de terras que ele havia conquistado na Bolívia. Tendo obtido sucesso nessa empreitada, já era um grande latifundiário que sonhava em implantar sistemas mais racionais de exploração daquelas terras, planejando inclusive estabelecer a criação de bois e muares nas pastagens naturais de algumas localidades acreanas. Esse processo culmina com a compra também a crédito do grande seringal Bagaço, consolidando assim uma fortuna pessoal que era causa de acusações por parte de seus inimigos.

A vida no agora Território do Acre ainda estava sujeita às oscilações políticas que caracterizaram os primeiros anos após sua legalização. Plácido de Castro ainda se viu envolvido nas discussões sobre os abusos cometidos pelo governo federal que cobrava um imposto escorchante sobre o comércio da borracha, a ponto de, após cinco anos apenas, já ter recuperado o capital que havia pago como indenização à Bolívia e ao Bolivian Syndicate. Sem, entretanto, investir no desenvolvimento do Acre, como todos esperavam que fosse feito pelo Governo Federal. Convocado a participar de uma reunião no seringal Bagé, Plácido se opôs a qualquer movimento armado contra o governo brasileiro, limitando-se a negar com veemência a possibilidade de anexação do Acre ao Amazonas e a reivindicar a autonomia acreana através de sua elevação a Estado da federação. Ainda assim não lhe faltaram acusações de estar tramando uma revolta contra o governo federal.

Já entre os anos 1906 e 1907, durante oito meses, exerceu o cargo de Prefeito Interino do Departamento do Alto Acre, a partir do que remeteu relatório ao ministro da Justiça. Após o que retomou suas atividades de seringalista até a chegada do novo Prefeito Departamental do Alto Acre, o Cel. Gabino Besouro, que esteve envolvido no desfecho de sua trajetória.

A vida pela causa acreana

Na verdade os acontecimentos que levaram ao desentendimento de Gabino Besouro e Plácido de Castro são ainda um capítulo pouco claro dessa história. O mais provável é que a disputa política regional que marcou esse período tenha sido o principal fator das disputas que se sucederam. O certo é que um dos homens fortes de Gabino Besouro, e que havia lutado ao lado de Plácido de Castro durante a revolução, assumiu uma postura de confronto direto com Plácido. O Cel. Alexandrino José da Silva, agora subdelegado nomeado pelo Prefeito, havia se notabilizado durante a revolução como um homem cruel e que só atendia o próprio comandante do exército acreano.

O fato é que em 09 de agosto ao retornar da cidade de Rio Branco para o Seringal Capatará, Plácido acompanhado pelo irmão e alguns amigos, sofreu uma emboscada. No ataque de surpresa, Plácido recebeu dois tiros à queima roupa, um dos quais lhe perfurou o pulmão. Levado ao seringal Benfica, de seu amigo João Rola, agonizou durante dois dias e, em 11 de agosto de 1908, deixou a vida nas terras que ajudou a conquistar.

Mas em 2002, por ocasião das comemorações do Centenário da Revolução Acreana, o governo brasileiro começou a reparar essa injustiça histórica ao inscrever o nome do Cel. Plácido de Castro no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília, reconhecendo ainda que de forma tardia a importância deste homem que com sua luta garantiu a soberania brasileira sobre a Amazônia.

Binho Marques, 45 anos, Governador do Acre (2007-2010). Graduado em História pela UFAC e Mestrado em Educação pela UFRJ. Secretário de Educação de Rio Branco (1993-1996), Secretário de Estado de Educação (1999-2006), vice-governador (2003-2006).

EDIÇÃO 98, OUT/NOV, 2008, PÁGINAS 70, 71, 72, 73, 74