Os mais velhos repetiam esta sentença com dolorosa resignação. Experientes em retiranças acautelavam os noviços sobre como se portar em terras estranhas de estranhas gentes. Onde “O filho chora e a mãe não vê”. Lugar do desterro. O retirante é o adventício, o suspeito, o chegante. Como tal, estranho, desconhecido, objeto de temor, curiosidade ou desconfiança. Para trás ficaram o terreno conhecido dos pés, a vizinhança, os afetos, os laços com um mundo que deve ser esquecido para, aos poucos, ir-se deixando moldar, absorver ao novo território e costumes. Mas, as novas condições não apagam a funda herança que jorrara com o leite materno, o lugar imemorial da orígem. O migrante passa a ser um híbrido que permanentemente busca um lugar entre os sítios perdidos e os novos logradouros que pretende habitar. Desde os aventureiros do descobrimento, da caça ao ouro e da preação indígena; desde a forçada migração africana, às posteriores levas de europeus do fim do século dezenove até as mais recentes, a nação brasileira tornou-se um encontro de etnias, culturas e cores. Isso talvez explique a tolerância, o acolhimento que dispensamos a todo forâneo. Nos últimos tempos as migrações se aceleram em todo o mundo. Muitas vezes clandestinos cruzam fronteiras. Passam a viver como párias, principalmente nos países do chamado primeiro mundo. Cevados na exploração colonial, na pilhagem de tantas terras, negam às vítimas de suas políticas a dignidade e o respeito que merecem. Cada vez mais militâncias etnocêntricas, legislações exclusivas oprimem os migrantes do terceiro mundo que correm atrás da sobrevivência que seus países e governos, sistematicamente lhes negam. Pelas ruas de nossas cidades descobrimos rostos novos, principalmente de nossos vizinhos peruanos, colombianos, chilenos, bolivianos, argentinos. Todos têm os mesmos sonhos: descobrir lugares de paz, trabalho e liberdade. A recente lei que permite a regularização dos migrantes que vivem ilegalmente no Brasil é um grande avanço. Vamos ao sentido contrário dos países ricos. Será possível, de imediato a regularização de 40 a 50 mil estrangeiros, dos mais de duzentos mil existentes. Terão reconhecidos direito a trabalho, assistência à saúde e outros atributos da existência cidadã. O Presidente Lula, ao sancionar a lei teve um momento de lucidez. Falou nele o migrante nordestino. Criticou as políticas dos países ricos e lembrou a necessidade de abrandarmos o rigor das fronteiras. De fato, as fronteiras não devem servir à separação das pessoas, podem ser pontos de encontro, travessias, pontes que assinalam as convergências e os traços que identificam todo ser humano. Haverá dia em que ninguém precisará pedir desculpas por chegar. Poderá cantar sua saudade, almejar futuro e não terá que berrar amofinado como vaca, mas caminhar confiante, certo de que não estará em terra alheia, estará pisando a mãe terra, igual em todos os lugares. Caminhando ao lado de seres humanos. Seja quem for, chegue de onde chegar. Pois todo lugar deve ser a residência comum, a planetária casa dos homens.
Boi erado, em terra alheia, berra como vaca?
Os mais velhos repetiam esta sentença com dolorosa resignação. Experientes em retiranças acautelavam os noviços sobre como se portar em terras estranhas de estranhas gentes. Onde “O filho chora e a mãe não vê”. Lugar do desterro. O retirante é o adventício, o suspeito, o chegante. Como tal, estranho, desconhecido, objeto de temor, curiosidade […]
POR: Aidenor Aires
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