Os trabalhadores brasileiros estão conscientes de que a crise financeira internacional, deflagrada nos Estados Unidos, é uma das mais destrutivas da história. Segundo avaliação de economistas e especialistas do mercado financeiro, ela chega a superar o crash da Bolsa de Valores de Nova Iorque, de 1929. Os estilhaços da quebradeira espalharam-se por todo o mundo e provocaram a destruição de bancos e grandes empresas, a queda drástica das cotações das ações nas bolsas de valores, a redução do comércio internacional e uma forte e profunda recessão nas principais economias do mundo.

No mundo do trabalho, os resultados são ainda mais assustadores. Os assalariados são os primeiros a sentir os efeitos da crise. O desemprego e a pobreza aumentaram no mundo e, em particular, em regiões menos desenvolvidas como a América Latina. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por exemplo, reformulou suas projeções sobre o desemprego em 2009, e calcula que o total de desempregados ficará entre 210 e 239 milhões no mundo este ano.

Ainda de acordo com a OIT, a crise acrescentará de 39 a 59 milhões pessoas nas ruas sem um emprego decente para garantir a sua subsistência. A comparação do instituto é com as cifras de 2007. Segundo estimativas, o total de pessoas com renda abaixo de dois dólares por dia deverá crescer para 140 milhões de pessoas. São os chamados “trabalhadores pobres”. Os milhões de trabalhadores que perderam ou poderão perder os seus empregos são vítimas da crise capitalista, resultado da falta de controle dos governos nacionais sobre a especulação financeira.

Com a queda na produção das economias dos países e o aumento do desemprego, a renda e o consumo desabaram, enquanto os patrões aceleraram a precarização das relações de trabalho por meio do aumento da informalidade, com o propósito de começar na prática com a política de redução dos direitos dos empregados.

Ninguém tem dúvida de que praticamente todas as economias desenvolvidas estão em recessão, o que pode ser comprovado pelo extermínio de milhões de postos no planeta. Os reflexos da crise nos países da periferia do sistema são os mesmos, porém com consequências muito mais graves, pois a destruição de vagas aumenta a miséria, causando graves problemas sociais, desagregação familiar e uma escalada da violência na sociedade.

A recessão econômica no mundo é tão grave que já reverteu 20 anos de declínio da pobreza, devendo haver por este ano mais de 90 milhões de pessoas entre aqueles que passam fome, dado que corresponde a 6% em relação aos números atuais, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). A estimativa consta de um relatório sobre um programa desenvolvido há dez anos pela ONU para conduzir países pobres ao desenvolvimento até 2015, e indica que 17% dos 6,8 bilhões de habitantes do mundo estarão classificados como extremamente pobres no fim de 2009.

Ciclo de expansão da economia latino-americana

Durante o rápido ciclo de expansão da economia latino-americana, os países da região se beneficiaram da liquidez do mercado mundial e da aceleração dos preços das commodities, a exemplo do petróleo e dos produtos agrícolas. Neste cenário, boa parte dos países da América Latina experimentou um crescimento econômico em torno de 5%, o que provocou um pequeno aumento na oferta de emprego e numa evolução positiva, mas tímida, na melhoria da renda.

Com a eclosão da crise nos Estados Unidos e nos países europeus, em 2008 houve redução do crédito externo e queda na demanda por commodities, prejudicando principalmente o comércio dos países emergentes. A crise decorre do predomínio do capital especulativo sobre o investimento produtivo. Tal especulação pressupõe liberdade plena de circulação dos capitais e total desregulação do sistema financeiro.

No plano teórico, a crise pôs em xeque o argumento neoliberal de que o mercado é capaz de resolver todos os problemas da sociedade – o mercado tudo pode – e levou os capitalistas a pedirem desesperadamente a intervenção do Estado na economia. Por interesses econômicos, deixaram de lado a ideia do “Estado mínimo”.

Diante deste cenário de terra arrasada, a sociedade, com a participação atuante do movimento sindical, tem de debater um programa democrático e alternativo à crise. Esta discussão não pode ficar circunscrita a interesses de grupos, mas tem de reunir todos os setores progressistas, de fato comprometidos com o desenvolvimento do país, com o crescimento econômico, o emprego, a distribuição de renda, a reforma agrária, a garantia dos direitos dos trabalhadores e que defendam maciços investimentos em políticas públicas e nos segmentos altamente geradores de mão-de-obra.

Preparação para grandes confrontos

Enquanto a correlação de forças da sociedade não pender definitivamente para o campo progressista, o povo deve se preparar para os duros confrontos que se avizinham. Como a história revela, os efeitos das crises capitalistas recaem sobre os ombros dos trabalhadores. A destruição de milhões de postos de trabalho no mundo comprova essa afirmação.

Exemplo claro foi a iniciativa dos patrões que, diante das primeiras notícias sobre a crise internacional, iniciaram demissões em massa, como ocorreu na Maxion (a maior fabricante de peças para veículos comerciais e ferroviários do Brasil), em Osasco (SP), na Renault (montadora automobilística), em São José dos Pinhais (PR), e na Embraer (fabricante de aviões), em São José dos Campos (SP). A situação só não foi mais dramática, por causa da pronta reação das centrais sindicais, que deflagraram um amplo processo de mobilização, além de suscitar a intervenção da Justiça do Trabalho.

Na fase próspera, de crescimento das economias, os empresários embolsam os grandes lucros. Na crise, na recessão, a ideia deles é dividir os prejuízos. Antes, pregavam o Estado mínimo, agora, com a colaboração dos governos, sugam o dinheiro público, que é do povo. Precisa ficar claro para a sociedade em geral, e o movimento sindical em particular, que a crise por si só não leva à superação do neoliberalismo.

Ao contrário, a tendência é o agravamento das condições sociais dos mais pobres, aqueles setores mais sofridos com a falta de oportunidade de emprego. Sem organização, a sociedade e o movimento sindical não terão forças para influir na construção de um programa alternativo que derrube o grande cassino financeiro internacional. Neste sentido, o sindicalismo brasileiro tem grande chance de ser um dos protagonistas da história do país, seja na formulação de propostas imediatas que apontem para a superação da crise, seja na construção com outros setores de uma nova ordem econômica nacional.

A unidade das centrais sindicais (Força Sindical, CTB, Nova Central, CUT, UGT e CGTB), mesmo antes de sua regulamentação, em abril de 2008, foi suficiente para registrar avanços importantes conquistados pelos trabalhadores na defesa dos seus interesses políticos, econômicos e sociais, assim como melhorou a relação do sindicalismo com diferentes níveis de governo, com os empresários e com a sociedade civil em geral.

Apesar de a reforma sindical não ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, a unidade das centrais sindicais não foi prejudicada, talvez por suas direções terem sido maduras o suficiente para estabelecer um amplo processo de negociação entre si e com toda a sociedade, com vistas à superação de divergências históricas, muitas delas superficiais que, no passado, contribuíram para dividir o movimento e os trabalhadores.

Além de participar com os sindicatos da luta pelas reivindicações específicas dos trabalhadores, a Força Sindical, junto com as demais centrais, também atua na sociedade, debatendo os problemas do país e apresentando propostas que, a seu ver, podem melhorar as condições de vida de todo o povo. Ao assimilar a nova realidade político-econômica mundial e ao reconhecer como muito importante para a negociação entre capital e trabalho a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as mais importantes correntes sindicais alcançaram vitórias nos últimos quatro anos.

Em decorrência da unidade na luta, foi possível barrar a Emenda 3 aprovada pelo Congresso Nacional, cujo conteúdo apontava para o fim da contratação de trabalhadores sem registro em carteira. Era o início da reforma da legislação trabalhista pela porta dos fundos. A unidade de ação construída pelas centrais sindicais possibilitou a realização unitária do Dia Nacional de Luta contra a Emenda 3, em 2007, o que levou o presidente Lula a vetar a emenda.

Outra conquista que merece destaque foi o processo de negociação entre trabalhadores e o governo federal que resultou no acordo de recuperação do poder de compra do salário-mínimo, praticamente na mesma época do acordo de reajuste da tabela do Imposto de Renda na fonte. Falta ainda aprovar o projeto de lei do salário-mínimo que tramita no Congresso Nacional, o que vai exigir pressão sindical para a sua rápida aprovação. A pressão de toda a sociedade fez o governo iniciar a redução da taxa de juros e aumentar o tempo de concessão do seguro-desemprego.

Os resultados satisfatórios obtidos pelos trabalhadores neste novo cenário político brasileiro (desde a eleição do presidente Lula), se manifestaram também no campo das campanhas salariais e nas negociações coletivas entre capital e trabalho. Com a colaboração das centrais, as categorias conseguiram fechar bons acordos coletivos, pois obtiveram a reposição da inflação passada e mais aumento real de salário. De acordo com o Dieese, por exemplo, de janeiro a maio deste ano, 96% das negociações salariais conseguiram repor as perdas com a inflação ou tiveram aumento maior, ante 2008, quando o índice bateu em 89%.

Ao mesmo tempo em que firmou bons acordos nas negociações com o governo federal, com o Congresso Nacional e com o empresariado, o movimento sindical elaborou uma pauta unitária que inclui as reivindicações de amplos segmentos da sociedade. Além dos trabalhadores das cidades, o sindicalismo brasileiro hoje apoia a luta pela recuperação do poder de compra dos aposentados e pensionistas, quer o fim do fator previdenciário e apoia o trabalhador do campo na sua luta pela reforma agrária, entre outros.

Intensificar a luta pela semana de 40 horas

Depois da aprovação do relatório que propõe a jornada semana de trabalho de 40 horas, com a manutenção dos salários, as centrais sindicar precisam intensificar a luta para aprovar o benefício em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Comandada pelas centrais sindicais, em 2008, o Dia Nacional de Luta pela Redução da Jornada levou milhares de trabalhadores às ruas em atos públicos, manifestações de massa, paralisações rápidas e passeatas nos principais centros urbanos. Também com a participação das principais forças que constituem o movimento sindical, foram realizadas a Marcha Mundial das Mulheres e a Jornada Mundial pelo Trabalho Decente.

Merece atenção especial do movimento sindical a necessidade de abrir negociação com o governo para elaborar uma nova tabela para o desconto do Imposto de Renda na Fonte, assim como sentar à mesa com os parlamentares a fim de acelerar o processo de ratificação pelo Brasil das Convenções 151 (dispõe sobre a negociação coletiva dos trabalhadores do setor público) e 158 (restringe as demissões sem motivo) da OIT.

Apesar de as relações entre o governo federal, os trabalhadores e os empresários terem sofrido um sopro de modernização, o que melhora as negociações e o debate sobre pleitos específicos e gerais, um inimigo perigoso e dissimulado desfere seguidos ataques contra os direitos dos assalariados e a organização sindical. No primeiro caso, os sindicalistas conseguiram vencer o primeiro round ao negociar com o presidente da República o veto à Emenda 3.

Porém, nada ainda foi resolvido para rechaçar as investidas do Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a organização dos trabalhadores. O MPT tem se notabilizado em ingressar com ações na Justiça pleiteando a exclusão dos acordos e convenções coletivas das cláusulas relativas à contribuição assistencial e confederativa, sob o argumento de que tais contribuições são exigíveis exclusivamente dos trabalhadores sindicalizados. Ele toma como base para suas atividades as decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Não bastassem os problemas decorrentes destas ações antissindicais, há também a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), do Democratas, que solicita ao STF posicionamento em relação ao projeto de lei de reconhecimento das centrais sindicais. O texto questiona o repasse da parcela da contribuição sindical para as centrais sindicais, sob a justificativa de que estas entidades, por não pertencerem ao sistema confederativo, não poderiam receber recursos públicos.

A ofensiva contra o mundo do trabalho merece total atenção da Força Sindical, das demais centrais e do conjunto do movimento sindical, pois tais contribuições são hoje fontes de receita fundamentais para boa parte, senão a maioria, dos sindicatos, enquanto o corte delas pode levar muitos sindicatos à insolvência. A falta de dinheiro, como é público e notório, prejudica as ações dos sindicatos na manutenção da assistência prestada aos trabalhadores, dificulta a mobilização das bases em defesa dos seus direitos e restringe o papel dos sindicatos nas negociações coletivas.

Os dirigentes da Força Sindical estão convencidos de que tal situação será definitivamente resolvida com a aprovação de uma nova legislação para regulamentar o financiamento sindical. Para isso, a Central afirma ser fundamental avançar nas negociações bipartites (governo federal e centrais sindicais), com o propósito de remeter ao Congresso Nacional projeto com esta finalidade.

Denunciar as práticas antissindicais

Ao encaminhar estas medidas de caráter político e legislativo ao Parlamento, o movimento sindical não pode se esquecer de denunciar internacionalmente a indevida interferência do Ministério Público do Trabalho (MPT) nas organizações sindicais. Entre outras iniciativas, destaca-se o encaminhamento de denúncia formal de crime contra a organização sindical à OIT. Tais questões foram levadas ao debate preparatório do 6º Congresso Nacional da Força Sindical, realizado de 29 a 31 de julho, na Praia Grande (SP).

Além dos temas relacionados ao mundo do trabalho, passaram pelo crivo dos delegados as teses relacionadas à economia. Conforme entende a Central, o governo federal tem atuado de forma satisfatória no enfrentamento da miséria e da crise financeira, mas precisa melhorar ainda muito. É necessário a implementação de novas medidas compensatórias para os desempregados, bem como a manutenção e ampliação dos programas sociais de transferência de renda, como o Bolsa Família que, ao lado da política de recuperação do salário-mínimo, tem contribuído para a redução da pobreza, por meio do acesso de milhões de brasileiros ao mercado de consumo de massas.

O governo federal exerceu com regularidade a luta para reduzir os efeitos da crise sobre o país. A situação continua a exigir o aprofundamento das ações, especialmente manutenção e ampliação da desoneração fiscal, a fim de levar o benefício para outros segmentos industriais, como os setores de máquinas, siderurgia, mineração, borracha, combustíveis, revendas, têxtil e vidro. Em paralelo, o presidente Lula tem de exigir do Banco Central (BC) a redução drástica e rápida da taxa de juros, precisa melhorar a oferta de crédito para a produção e o consumo e tem de criar novas alíquotas para o Imposto de Renda.

Mas estas iniciativas não apresentarão resultados significativos em médio e longo prazo caso o governo mantenha inalterada a política econômica que prioriza o capital financeiro, a especulação desenfreada, em detrimento do investimento na produção. Além dos juros, o país tem de tomar medidas para diminuir o spread bancário de modo a facilitar o acesso ao crédito pelas empresas e cidadãos. É preciso incentivar a produção e o consumo para gerar emprego e riqueza.

Por isso, a Força Sindical tem conclamado as centrais sindicais a reforçarem a unidade de ação para enfrentar os efeitos danosos da crise financeira sobre o emprego, os salários e as condições de vida e trabalho do povo brasileiro. Os trabalhadores não pagarão pela crise é a palavra-de-ordem sugerida pela Central. Assim, temos insistido em realizar mensalmente manifestações unitárias para exigir a implementação na prática das propostas que são consenso entre as diversas correntes do movimento sindical, como ocorreu em março último, quando foi realizado o Dia Nacional de Luta Contra a Crise.

Este programa de lutas, debatido pelos delegados eleitos ao 6º Congresso Nacional, passará pela discussão e negociação com as outras centrais sindicais. Resumindo: além da luta pela redução da jornada, o programa inclui o combate à demissão imotivada e a toda forma de precarização das relações de trabalho – pelo trabalho decente –, pelo direito à negociação coletiva dos servidores públicos, pela previdência social pública e universal com benefícios justos e dignos.

O país precisa deflagrar uma grande luta contra o trabalho precário, o trabalho infantil e a exploração sexual de crianças e adolescentes. A reforma agrária e o incentivo à agricultura familiar serão importantes para diminuir a pobreza e baratear os gêneros de primeira necessidade. Não se pode abrir mão também do aumento real dos salários e do estabelecimento de medidas que combatam a discriminação de gênero, raça, opção sexual no trabalho e na sociedade. Para trabalho igual, salário igual.

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Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, é presidente da Força Sindical e deputado federal (PDT-SP)

Publicado originalmente na revista Princípios