Ninguém questiona o fato de que o clima na Terra está em permanente mudança. O consenso, entretanto, para nisso. As mudanças climáticas podem ser mais ou menos severas do que sugerem as estimativas atuais, assim como a ocorrência de eventos climáticos extremos. Em nenhum momento da história humana a ação do homem sobre a natureza foi mais intensa do que nos dias atuais. Não há consenso, porém, sobre até que ponto as mudanças climáticas recentes decorrem da ação humana ou de processos cujos ciclos podem ser medidos em centenas, milhares ou milhões anos. Da mesma forma, as tecnologias necessárias para neutralizar os efeitos da atividade humana sobre o equilíbrio do meio ambiente, que muitos julgam estar “ao alcance da mão”, podem não só estar mais distantes do que se imagina, como serem pouco efetivas, a depender das reais causas das mudanças.

Diante do elevado grau de incerteza da maioria das hipóteses, adotar planos de contingência para todos os cenários imagináveis, mesmo os mais catastróficos e improváveis, baseados na hipótese de que “o planeta se encontra à beira do colapso em decorrência da ação humana” e de que “existem soluções de baixo custo”, podem implicar em custos sociais e econômicos desproporcionais aos possíveis e mesmo improváveis ganhos, principalmente se consideramos a tendência de que a conta pesará mais sobre os pobres.

Pensamos, assim, que por mais tentadora que seja a ideia de transformar os frágeis consensos atuais em “cláusulas pétreas” sobre as quais as políticas futuras sobre o clima devam estar baseadas, não seria justo nem sensato. Ao contrário, as incertezas científicas e econômicas recomendam uma abordagem mais flexível, que possa estar sujeita a revisões periódicas, na medida em que avance o nosso entendimento sobre as mudanças climáticas.

Afinal, não custa lembrar que há não muito mais de 30 anos, a grande “certeza”, em importantes círculos científicos, era que nos avizinhávamos de uma nova “era do gelo”. O fato do consenso ter sofrido mudança radical em tão curto espaço de tempo deveria, ao menos, servir de alerta e estímulo para os que pretendem transformar consensos tão frágeis em verdades eternas vistam as sandálias da humildade; esta nos parece ser a atitude mais adequada para os que se pretendem homens de ciência, pois mais do que as certezas, sempre foram as dúvidas que a fizeram avançar.

a) Aumento das temperaturas médias

O IPCC, sigla em inglês do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, chegou à conclusão, no seu IV Relatório Anual, em 2007, que a temperatura da superfície da Terra havia definitivamente aumentado e que as atividades humanas – o chamado efeito antropogênico – foram as principais responsáveis por essa mudança.

O mencionado relatório indicava as seguintes mudanças:

a. A temperatura da superfície da Terra aumentou em média 0,74oC nos últimos 100 anos, com o maior aumento tendo ocorrido nas últimas três décadas.
b. Entre 1996 e 2006, ocorreram 11 dos 12 anos mais quentes já registrados desde que começaram as medições de temperatura da superfície terrestre.
c. A temperatura medida da Terra irá crescer, até 2100, de 2oC a 6oC.
d. No período entre 1970 e 2004, as emissões dos gases do efeito estufa (CO2, CH4, N2O, HFCs, PFCs, SF6) aumentaram 70%, de 21 para 38 bilhões de toneladas anuais.
e. O nível médio do mar cresceu a uma taxa média de 1,9mm por ano por quatro décadas, entre 1961 e 2003 e 3,1mm por ano nos dez anos entre 1993 e 2003.
f. A cobertura de gelo do Mar Ártico teria encolhido 2,7% por década.
g. O nível do mar vai aumentar entre 0,18 e 0,60 metros até 2100, relativamente aos níveis de 1980-1990.

Outros estudos também apontam para o aumento de temperatura e de concentração de CO2, que teriam variado de 280 partes por milhão (PPM) no período pré-industrial, por volta de 1750, para 380 PPMs em 2005. Tais previsões consideram que, se o ritmo atual for mantido, este nível alcançará 550 PPMs em 2050, o que provocará um aumento de 2oC a 5oC na temperatura da Terra até 2050.

Apesar do grande alarde que se faz em torno e com base nesses números, respeitáveis cientistas os questionam. Primeiro, porque grande parte do que se apresenta como “fatos”, são, na verdade, estimativas obtidas via métodos que muitos consideram falhos e subjetivos e projeções de cálculos em computadores montados a partir de estatísticas não comprovadas. O fato do IPCC ter sido obrigado recentemente a reconhecer que as previsões sobre o derretimento das geleiras do Himalaia não eram confiáveis e o vazamento de mensagens entre pesquisadores ligados àquele órgão, combinando dificultar a divulgação de artigos que contestem suas teses, revelam, no mínimo, o elevado grau de subjetividade em boa parte de muitas de suas afirmações.

Segundo, porque, por mais isentos e objetivos que sejam tais estudos, não há quem não reconheça o elevado grau de incerteza e imponderabilidade dos fenômenos climáticos. Os mecanismos responsáveis pelas mudanças climáticas na Terra são infinitamente mais complexos do que se supõe. Conforme afirmam José Reynaldo Bastos da Silva e Celso Dal Ré Carneiro, “a dinâmica climática é controlada por três categorias de fatores: astronômicos, atmosféricos e tectônicos. As causas específicas ainda não estão bem compreendidas, mas já se conhece a periodicidade dos ciclos, da ordem de centenas, milhares e milhões de anos”.

De acordo com Gary Clyde Hufbauer, Steve Charnovitz e Jisun Kim, autores de Global Warming in the World Trading System, “para ilustrar como a opinião científica muda, vale a pena recordar as opiniões de algumas décadas atrás, quando respeitados cientistas estavam prevendo um episódio de resfriamento global. Revendo a literatura anterior sobre mudanças climáticas, Thomas C. Peterson, William M. Coonolley e John Fleck observavam que nos anos 1970 havia generalizada preocupação a respeito do resfriamento global (evoluindo para receios de outra idade do gelo), desencadeado por uma queda de temperatura nos anos 1950 e 1960 no Hemisfério Norte”.

Publicação de 1975, da revista norte-americana Newsweek, chamou a atenção do público para a questão do resfriamento global, citando opinião de renomados climatologistas e meteorologistas que, no mesmo tom dos artigos atuais sobre o aquecimento global, alertavam que o resfriamento poderia levar a mudanças climáticas extremas que poderiam diminuir de forma radical o suprimento de alimentos, levando a trágicos ajustes sociais e econômicos em escala global. Se em pouco mais de 30 anos a opinião dos maiores especialistas sobre o tema mudou de forma tão radical, o que pode nos garantir que nos próximos 30 anos não haja mudanças da mesma magnitude?

Hufbauer, Charnovitz e Kim defendem que “a razão para que o debate continue é que as mudanças climáticas implicam cálculos muito complexos, que envolvem muitos fatores que são difíceis de medir e de prever, e frequentemente interagem entre si. Por exemplo, alguns observadores argumentam que não tem havido mudanças significativas de temperatura desde 1998, quando o fenômeno El Niño aqueceu a Terra. Alguns cientistas argumentam que a variabilidade natural do clima pode mascarar o efeito de aquecimento global dos gases de efeito de estufa e que simulações que analisam períodos curtos – uma ou duas décadas futuras – prevêem efeitos de resfriamento de curto prazo em algumas regiões na próxima década. Tais efeitos podem ultrapassar as contribuições de longo prazo do aumento dos gases do efeito estufa. Por exemplo, as temperaturas podem subir ou cair devido à variação na corrente do Golfo, mesmo na ausência da ação humana”.

b) Ocorrência de eventos climáticos extremos

Situações extremas são características do sistema climático. Ainda segundo Hufbauer, Charnovitz e Kim, dois eventos climáticos extremos aumentaram a preocupação com tais ocorrências: a onda de calor que em 2003 causou cerca de 20 mil mortes na Europa e o furacão Katrina, que em 2005 devastou áreas da costa centro-norte do Golfo do México, inclusive a cidade de Nova Orleans, nos Estados Unidos.

Esses dois eventos passaram a representar, no imaginário coletivo, a plausibilidade dos cenários catastróficos do relatório do IPCC. Tornaram-se, assim, fortes os argumentos em favor de medidas amplas e radicais, mesmo que custosas, contra as emissões dos gases do efeito estufa. Uma espécie de “seguro internacional contra eventos extremos” seria plenamente justificável se o custo desse seguro representasse uma pequena porcentagem do PIB global.

A questão, entretanto, é que muitos cientistas são bastante relutantes em apostar na hipótese do aumento da frequência de eventos extremos, mesmo porque, por sua natureza altamente incerta, a margem de erro neste tipo de previsão é enorme. Dado o grau de incerteza, é discutível se o argumento da segurança justificaria medidas tão radicais e resultados duvidosos, cujo custo estaria em torno de 1% ou 2% do PIB global (cerca de US$ 540 bilhões a US$ 1,1 trilhão anuais).

c) Custos de mitigação

A terceira incerteza refere-se às estimativas dos custos de mitigação. Os cálculos dos custos anuais para reduzir a emissão de carbono em 50% até 2050 variam de -1% a 5,5% do PIB global. Tamanha variação se deve às diferentes hipóteses quanto às tecnologias que viabilizem um novo padrão tecnológico de produção “livre de carbono”. Se considerarmos que 1% do PIB mundial corresponde a cerca de US$ 540 bilhões, estes custos não são baixos. Basta considerar, por exemplo, que, em 2006, toda a ajuda oficial dos países ricos aos países em desenvolvimento foi de US$ 100 bilhões.

d) Soluções tecnológicas

A quarta incerteza refere-se à possibilidade de se encontrar soluções tecnológicas que permitam a “produção livre de carbono”. As tecnologias mais frequentemente mencionadas são a captura e estocagem de carbono, a energia nuclear, o uso de hidrogênio para produção de combustíveis para aquecimento e transporte, carros elétricos e híbridos, biocombustíveis, energia eólica, solar e das marés. A questão em torno dessas tecnologias é se incentivos econômicos serão suficientes para colocá-las para funcionar, dadas as incertezas em relação ao preço dos combustíveis à base de carbono.

Ecologia, desenvolvimento e o protecionismo verde

O progresso é um processo conflituoso, pois todas as ações humanas geram impactos, positivos e negativos. Cada vez que enfrentamos um problema geramos outro, ou seja, realizamos um intercâmbio de problemas, trocando um que tem alto valor para nós, por outros considerados de menor valor. Nenhum enfrentamento é limpo, no sentido de que seja sem custos sobre outros problemas ou outros atores. A rigor, os problemas nunca se solucionam, pois cada vez que enfrentamos um problema realizamos, na verdade, apenas um intercâmbio.

Tomemos o exemplo da transposição das águas do Rio São Francisco, ou o da construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, ou do desassoreamento do canal do Porto de Santos.

A rigor, não há como realizar nenhuma dessas três ações sem gerar algum tipo de impacto ambiental e, portanto, algum problema. No caso do Rio São Francisco, transpor uma parte das águas para o sertão de Pernambuco e do Ceará implicará em diminuir, na mesma proporção, a vazão do rio a montante do ponto em que a água for desviada; no caso do Rio Madeira, a formação dos lagos para a construção das usinas criará um grande espelho d’água, com aumento da evaporação de água, que contribui para o aquecimento da atmosfera, além da emissão de CO2 gerado pelo apodrecimento da vegetação submersa, e o aumento da malária, pelo inevitável aumento da concentração humana em redor das usinas, além dos impactos na fauna e na flora fluvial; no caso do canal do Porto de Santos, para onde quer que se leve o lodo contaminado por metais pesados depositado no fundo do canal, inevitavelmente haverá algum tipo de impacto.

Em que pese os problemas gerados por estas três ações e a consequente resistência daqueles que consideram os problemas gerados por elas de maior valor que os que se tenta resolver, o fato é que o governo entendeu que os problemas que vai solucionar com essas três ações são de valor maior do que os que se vão criar. E, assim, mesmo enfrentando resistência de segmentos da sociedade que têm opinião contrária, leva os três projetos adiante.

Irrigar o sertão do Nordeste substitui a água salobra consumida pela população sertaneja por outra de melhor qualidade, reduzindo os casos de doenças renais e cardiovasculares decorrentes do alto consumo de sal; eleva a renda e melhora as condições de vida da população. As represas do Madeira gerarão energia elétrica para sustentar o crescimento econômico e a criação de empregos no País, oferecendo ainda a opção de terras para a agricultura irrigada e o transporte por meio de hidrovias, desde que construídas as eclusas necessárias para tanto. Aumentar a capacidade do Porto de Santos amplia as exportações brasileiras e, portanto, a renda do País, de estados e municípios exportadores, além da geração de empregos. Eis o balanço que precisa ser feito em decisões que obrigam o Estado e a sociedade a escolhas nem sempre consensuais.

O raciocínio acima exposto aplica-se da mesma forma aos benefícios e prejuízos que a atividade agrícola e a pecuária ensejam para as sociedades que as praticam. Cada centímetro de solo utilizado determina perdas e ganhos que devem ser calculados pelo próprio interesse humano. A ação do homem constrói cidades, rodovias, lagos artificias, produz alimentos, energia e abre oportunidades de trabalho para as pessoas, melhorando o padrão de vida da sociedade. Ao mesmo tempo, a mesma ação contribui para a extinção de formas de vida nas áreas ocupadas, amplia os riscos e a exposição dos seres humanos, principalmente quando não são adotados cuidados inerentes ao ofício da transformação da natureza.