O resgate do programa por Lula tem um simbolismo político que é explorado eleitoralmente pelos aliados do governo: o candidato do PSDB a presidente, José Serra, sempre foi um crítico desse modelo de industrialização. Já a candidata do PT, Dilma Rousseff, apoiou publicamente sua retomada.

A ZPE consiste em um distrito industrial cujas empresas recebem tratamento fiscal, cambial e administrativo diferenciado e precisam exportar pelo menos 80% de sua produção. Modelo implantado em vários países, a ZPE é vista como polo de desenvolvimento regional, de industrialização e geração de emprego e renda.

Antes de Lula, foram criadas no Brasil, por decreto, 13 ZPEs por Sarney e quatro por Itamar, mas nenhuma foi implantada. O programa ficou pendente de regulamentação e foi abandonado nos governos Fernando Collor de Mello (1990-92) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), contrários ao modelo.

O presidente petista, que tem Sarney como forte aliado, já criou até agora seis novas ZPEs, sempre atendendo a reivindicações políticas: as de Assu (RN), Senador Guiomard (AC), Boa Vista (RR), Aracruz (ES), Fernandópolis (SP) e Bataguassu (MS).

Pelo menos outras quatro estão em fase de análise e podem ser criadas ainda no seu governo.

Entre elas, uma em Alagoas e outra no Maranhão, reivindicadas respectivamente pelos senadores Renan Calheiros (AL), líder do PMDB, e Sarney (AP).

Aos poucos, também por decreto, Lula está mudando a localização destinada a ZPEs antigas, que corriam o risco de perder a validade antes mesmo da implantação, se não fossem relocalizadas. Com a mudança de local, o prazo é reaberto.

Em período eleitoral, cada criação ou relocalização de ZPE é comemorada pelos aliados de Lula nos Estados. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), festejou a publicação do decreto criando a ZPE de Boa Vista, no dia 1º de julho. “Uma grande vitória para nosso Estado”, disse. Ele admite que a ZPE traz dividendos políticos, que serão maiores quando ela for de fato implantada.

Em junho, foi o líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Henrique Alves (RN) que registrou em seu twitter a criação de duas ZPEs no seu Estado, as de Macaíba e de Assú. “Além do distrito em si, em torno dele se cria um cinturão gerador de serviços, hotéis, restaurantes, posto de gasolina, oficinas. Por aí começa a mudar o desequilíbrio regional”, afirmou Alves, em entrevista.

A antiga posição de Serra contra a ZPE é lembrada pelo presidente da Associação Brasileira de ZPE (Abrazpe), Helson Braga, aliado de Sarney que atua diretamente na implantação de todos esses distritos. O tucano fez críticas públicas ao modelo, assim como Luiz Paulo Velloso Lucas, presidente do Instituto Teotonio Vilela (ITV), órgão de estudo do PSDB. Em artigo publicado em 1988, Serra justificou a “inconveniência” da criação de ZPEs no Brasil, listando uma série de possíveis consequências, como o estímulo à sonegação fiscal e ao contrabando.

Citou, ainda, o risco de deslocamento das atividades exportadoras domésticas para as ZPEs e a substituição de investimentos na economia interna por investimentos nas ZPEs. Serra ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto nesta fase de campanha eleitoral. Mas, a interlocutores, diz ter mudado de posição, porque o quadro é outro, após a abertura econômica dos anos 90.

Já Dilma defendeu o modelo, em artigo publicado num jornal de Pernambuco, dias após a assinatura do decreto de criação da ZPE de Suape, em Jaboatão dos Guararapes – demanda do governador Eduardo Campos (PSB). “Nosso governo tem como prioridade fazer com que o desenvolvimento chegue a todas as regiões, especialmente às que foram historicamente abandonadas”. Em muitos países, o modelo de ZPE “estimulou, com sucesso, a criação de polos econômicos”, disse a então ministra.

Os números envolvendo cada distrito industrial explicam o interesse político. A ZPE do Ceará, por exemplo – defendida tanto pelo governador Cid Gomes (PSB) e pelo senador Inácio Arruda (PC do B), ambos da base de Lula, quanto pelo senador oposicionista Tasso Jereissati (PSDB) -, já nascerá com um grande empreendimento, a Siderúrgica do Ceará, que já está em obras e poderá produzir cerca de 6 milhões de toneladas de placas de aço por ano a partir de 2013.

A expectativa do governo do Estado é que somente a siderúrgica incremente em cerca de 48% o PIB industrial do Ceará. Após a instalação de outras empresas (indústria calçadista, de confecções, de couro e fruticultura), a expectativa é que o PIB industrial do Estado dobre até 2015. A expectativa é de geração de 10 mil novos postos de trabalho.

“Chegamos bastante atrasados nessa questão das ZPEs. Há anos temos isso no mundo, como na China, Índia e Vietnã. Mas antes tarde do que nunca”, disse Inácio Arruda.

Idealizadas como polo indutor do desenvolvimento regional, as ZPEs estão sendo criadas no país todo. O líder do PT no Senado e candidato a governador de São Paulo, Aloizio Mercadante (PT), considera importante a implantação da ZPE de Fernandópolis (SP), região que, segundo ele, sofre um “esvaziamento econômico e demográfico”.

O último decreto assinado por Lula foi o da ZPE acreana, localizada em município próximo à capital, Rio Branco. Foi no dia 1º de julho, em solenidade no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde o presidente está despachando durante a reforma do Palácio do Planalto.

Estavam presentes o governador do Acre, Binho Marques, o ex-governador Jorge Viana e o senador Tião Viana, candidato a governador, todos do PT, que pressionaram Lula pela ZPE. Tião Viana registrou, em seu twitter, a criação da ZPE: “É um dia histórico para o querido Acre e sua economia industrializada que está sendo edificada”.

Depois de Sarney, programa foi relegado

Programa lançado no governo Sarney, a implantação de distritos industriais voltados para a exportação, cujas empresas recebem tratamento tributário, fiscal e cambial diferenciado, foi abandonada nas gestões seguintes, com breve retomada por Itamar Franco.

Sarney criou 13 e Itamar, quatro, nos municípios de Barcarena (PA), São Luis (MA), Parnaíba (PI), Maracanaú (CE), Macaíba (RN), João Pessoa (PB), Suape (PE), Nossa Senhora do Socorro (SE), Ilhéus (BA), Vila Velha (ES), Itaguaí (RJ), Imbituba (SC), Rio Grande (RS), Teófilo Otoni (MG), Cáceres (MT), Corumbá (MS) e Araguaína (TO).

Dessas, já construíram as obras de infraestrutura as ZPEs de Imbituba, Rio Grande, Araguaína e Teófilo Otoni. Aguardam apenas o alfandegamento da Receita Federal (espécie de habite-se) para começarem a operar. A Abrazpe, que atua no processo, acredita que até o fim do ano elas estejam em condições de receber as primeiras empresas.

As demais já iniciaram as obras ou mudaram de localização, o que levou à reabertura do prazo para que as autorizações percam a validade. A de Vila Velha (ES) caducou sem que houvesse interesse em sua relocalização.

O governo Fernando Henrique Cardoso “tentou desesperadamente” extinguir o programa, segundo o presidente da Abrazpe, o economista Helson Braga, mas não conseguiu por causa da mobilização dos defensores do programa. Braga, aliado de Sarney, é um dos maiores entusiastas.

Segundo ele, os efeitos positivos de uma ZPE não ficam limitados ao município onde está instalada, já que o distrito estimula a instalação de empresas fora dele e a difusão de novas tecnologias. “As ZPEs dependem de logística para escoar e receber produtos do exterior. Sua implantação estimula o desenvolvimento de uma infraestrutura mais adequada, mas tem que existir alguma coisa antes”, diz Braga.

O governo Lula resgatou o programa, apoiando a aprovação da regulamentação pelo Congresso e recriando o conselho nacional, presidido pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e encarregado de aprovar novas ZPEs e projetos de empresas interessadas em nelas se instalar.

Pela lei, as empresas localizadas nessas áreas são beneficiadas com a suspensão de tributos (IPI, AFRMM, PIS/Cofins, PIS/Cofins-Importação), isenção do ICMS, procedimentos de exportação e importação simplificados, liberdade cambial (receitas de exportação podem ser mantidas 100% no exterior) e redução de 75% do imposto de renda sobre os lucros por dez anos.

Esses benefícios são garantidos por 20 anos. As empresas têm que exportar pelo menos 80% de sua produção. Sobre o que for comercializado internamente, a empresa paga todos os impostos.

Cada ZPE tem uma empresa administradora, pública ou privada. No caso das localizadas em Araguaína e Teófilo Otoni, o controle acionário é privado. As empresas administradoras das ZPEs de Rio Grande e Imbituba são públicas (a maioria das ações é dos respectivos governos estaduais), mas deverão ser privatizadas.

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Fonte: jornal Valor Econômico