Para o intelectual, ou mero cidadão em busca de informações objetivas e editoriais de centro-esquerda, seria quase uma heresia não comprar sua cópia vespertina do Le Monde. Lê-lo em cafés, metrôs, ou mesmo caminhar com um exemplar do mais prestigioso diário francês confere credibilidade aos seus portadores há quase meio século. No entanto, há quem suspeite que vários flanadores não leem o jornal. Mas não há dúvida: o vespertino oferece informações e editoriais com pontos de vista respeitáveis, mas por vezes a leitura de artigos escritos requer vários cafezinhos. Talvez fosse o caso de colocar uma rubrica humorística na última página.

De qualquer forma, hoje é tão comum ver gente pelas ruas lendo algo em seus celulares, laptops e iPads. Ao sabor dessas novas tecnologias, o futuro do Monde (e da imprensa) é uma incerteza. Le Parisien, diário popular, está a venda. O Libération, fundado por Jean-Paul Sartre, atravessa uma crise brava.

O Monde não escapou da crise. A receita dos anúncios declina. Embora sua tiragem ainda seja de 288 mil exemplares, em maio de 1968, no maio das lendárias manifestações, o vespertino vendia 800 mil cópias. Hoje, sua dívida é de 100 milhões de euros. No fim deste mês, o reputado diário carecia de somas suficientes para pagar seus funcionários.

Mas na sexta-feira 25, jornalistas e funcionários, estes com controle sobre o jornal, escolheram um trio de magnatas como novos proprietários do Le Monde SA (além do Monde, o grupo é dono de, entre outras, publicações como os semanários Courrier International e o Le Monde Diplomatique). De saída, os magnatas injetaram 10 milhões de euros. Assim os funcionários receberão seus salários ao longo dos próximos três meses.

Do consórcio faz parte Pierre Bergé, de 79 anos. Companheiro e mecenas do falecido Yves Saint Laurent, Bergé foi diretor da Ópera de Paris e financia publicações como a revista Têtu. Também integra o trio Xavier Niel, de 42 anos. Fez fortuna na internet, em grande parte com sites pornográficos. O terceiro homem do consórcio responde por Matthieu Pigasse, de 41 anos. Dono da revista alternativa Inrockuptibles, é diretor-geral do banco Lazard. Em comum, Bergé, Niel e Pigasse dividem inclinações ideológicas de centro-esquerda. Ou seja, em perfeita sintonia com as do Monde.

Dos três, Bergé e Pigasse são aqueles com comprovadas credenciais esquerdistas. Bergé foi um dos financiadores da campanha da candidata à Presidência Ségolène Royal. Por sua vez, Pigasse é ex-conselheiro do ex-ministro socialista de Finanças Dominique Strauss-Kahn, atual chefe do Fundo Monetário Internacional. E de Royal. Strauss-Kahn é considerado o mais crível líder da oposição para confrontar Nicolas Sarkozy nas eleições presidenciais de 2012.

Niel é o chamado geek. Traz, com Pigasse, uma nova geração para o tradicional Le Monde. É ele, me diz uma fonte do Monde, quem quer amalgamar o site do jornal com a versão impressa. Os planos de Niel não foram ainda revelados, mas de internet o homem entende.

Esse trio financiando o Monde é positivo. Em 1944, o general De Gaulle, preocupado com o fato de o diário de referência da época, Le Temps, ter colaborado com os nazistas, quis criar uma nova voz para o Hexágono. Seu fundador, Hubert Beuve-Méry, integrante da Resistência, exigiu a não interferência do Estado. Além disso, os funcionários controlariam o jornal.

O atual consórcio concordou em deixar um controle minoritário para a redação. Mais: a redação manterá poderes para despedir e nomear seus diretores. E os proprietários garantem: não interferirão na linha editorial. Porém, a venda do Monde marca o fim de uma era. Agora, empresas controlam jornais – e por tabela a notícia em busca do lucro. Le Monde passa a ser o último jornal europeu a ser controlado por seus próprios funcionários. No novo contexto, jornalistas podem ser, de fato, independentes?

Sarko não se comove com independência jornalística. Convocou Eric Fottorino, editor-chefe do Monde, para ir vê-lo no Élysée. O presidente preferia a oferta de um consórcio do qual fazia parte a estatal France Telecom – e assim ele poderia ter influência sobre a linha editorial. Sarko disse a Fottorino que a escolha do consórcio de Bergé poderia significar um corte de anúncios do Estado. O presidente age assim por estar preocupado com a eleição de 2012. Mas sua interferência irritou a redação do Monde: 90% votaram pelo consórcio de Bergé. Felizmente.

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Fonte: revista Carta Capital