O senado imperial e a lei do ventre livre

É interessante notar que, apesar do Senado, desde o Império até os dias de hoje, abrigar um setor mais “aristocrático” da elite nacional, em alguns momentos ele se demonstrou mais sensível que a própria Câmara, possivelmente por sua ligação mais direta com o poder imperial e sua burocracia ilustrada. Um exemplo disso foi quando da votação da Lei do Ventre Livre, proposta pelo gabinete do Visconde do Rio Branco em 1871.

Esta votação talvez tenha sido a maior batalha parlamentar do Brasil no século XIX. Isso por que, considerando que já não havia tráfico desde 1850, se os filhos de escravos nascessem livres não haveria mais como reproduzir a escravidão. Morto o último cativo, estaria extinto o cativeiro. O que, é claro, só ocorreria nas primeiras décadas do século XX. Era o fim anunciado da escravidão, mesmo que fosse a longo prazo.

Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei obteve 65 votos favoráveis e 45 contrários. Foi aprovado, portanto, por uma margem relativamente estreita. Destes, 30 eram de deputados das três províncias cafeeiras: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. No Senado foram 33 votos favoráveis e 7 contrários. Entre os votos contra o projeto, 5 foram de senadores das províncias cafeeiras. Ou seja, a Câmara dos Deputados demonstrava-se mais atenta aos interesses dos setores escravistas retrógrados do que o próprio Senado.

No final do Império tentou-se uma reforma eleitoral. Acabou-se com as eleições em dois níveis e estabeleceram-se as eleições diretas, embora tenha elevado o senso para 200 mil réis. O valor não era alto, mas os critérios de aferição da renda passaram ser mais enérgico o que excluiu um grande número de trabalhadores assalariados. Os não-católicos e os negros libertos, pela primeira vez, passaram ter o direito de serem eleitos. Foi lhes dado o direito, mas não as condições para tal.

Contudo, a introdução da proibição do voto do analfabeto excluiu a grande maioria da população brasileira do processo eleitoral. Foi quase que um golpe branco. Da noite para o dia ocorreu uma redução de 87% no número de eleitores que já era baixo. No final, a reforma de cunho liberal consolidou a exclusão do povo da intervenção na política institucional. Restrição que permaneceria por quase todo período republicano, sendo extinta apenas com a constituição de 1988.

De fato, a existência de um parlamento funcionando de maneira ininterrupta, a manutenção da liberdade de imprensa e a necessidade de que todos os projetos passassem pela Câmara e o Senado, demonstram que durante o império houve no Brasil um quadro político mais complexo do que geralmente se imagina. É por isso que não podemos, ao contrario do que é costume pensar, considerar que a Republica fundou o espaço público brasileiro. Este, mesmo sendo bastante limitado, existiu desde o século XIX e nele o Senado teve um papel relevante.