O parlamento e a resistência à Ditadura Militar

O golpe militar de 1º de abril de 1964, pelas características que assumiu, não extinguiu o Congresso Nacional, embora o tenha colocado em recesso diversas vezes e esvaziado dramaticamente seus poderes. A ditadura militar começou a entrar em crise a partir de 1974. A crise política acompanhou a crise do modelo econômico do regime. A queda de popularidade do poder militar ficou demonstrada nas eleições ocorridas em novembro daquele mesmo ano.

O partido da oposição, Movimento Democrático Brasileiro (MDB), conseguiu eleger uma grande bancada no congresso nacional e nas assembléias legislativas. Na eleição para o Senado elegeu 16 dos 22 cargos em disputa e conseguiu 4,5 milhões de votos a mais que o partido do governo, a Aliança de Renovação Nacional (ARENA). Na Câmara dos Deputados o MDB conseguiu superar o 1/3 necessário para barrar as propostas de reformas constitucionais e poder propor comissões de inquérito. O Congresso deixava se ser um lugar seguro para o governo militar.

Em 1976, para evitar que se repetisse a derrota eleitoral de 1974, o governo criou a Lei Falcão, que limitava a propaganda eleitoral na televisão. Semente seria permitida a exibição da foto, nome e número dos candidatos. Proibiu-se, assim, o debate em torno das propostas dos candidatos e dos partidos. Mesmo sob o signo desta lei, o MDB obteve um maior número de votos nas eleições municipais em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador. Na época não havia eleições para prefeitos das capitais, o que garantiu que estas grandes cidades se mantivessem sob comando da ARENA.

A primeira grande crise institucional ocorreu no início de 1977, quando Geisel tentou promover uma reforma do poder judiciário e não conseguiu os 2/3 necessários na Câmara dos Deputados. Utilizando o AI-5 o governo fechou o Congresso e aprovou um pacote de medidas discricionárias — era o chamado “pacote de abril”. Ele prolongou os mandatos presidenciais para 6 anos, suspendeu as eleições diretas para os governos de Estado que deveriam se realizar em 1978.

O “pacote de abril” criou os chamados senadores biônicos que seriam eleitos por colégios eleitorais nos estados. Foi uma das formas encontradas para impedir que a ARENA perdesse a maioria no Senado. Além disso, distorceu a representação parlamentar através do aumento do número de deputados dos estados menores. E, por fim, eliminou a necessidade de 2/3 de votos para a realização de reformas constitucionais. Estas medidas aumentaram o descontentamento popular e a radicalização das posições do MDB. Recrudesceu a luta pela anistia e em defesa da convocação de uma assembléia nacional constituinte.

Não contente com todas as medidas tomadas para garantir a vitória do seu sucessor, o governo realizou ainda uma reforma do colégio eleitoral, visando aumentar a participação de delegados governistas: dividiu em dois o estado de Mato Grosso, fundiu a Guanabara com o Rio de Janeiro, dobrou o número de delegados dos territórios etc. O casuísmo governista parecia não ter limites.

Alguns anos depois, prevendo uma estrondosa derrota nas eleições de 1982, o governo militar promoveu uma reforma partidária, visando pulverizar a oposição. Os partidos comunistas, Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) continuaram sendo proibidos no país. Esta estratégia foi, em parte, bem sucedida. Do esfacelamento do MDB surgiram PMDB, Partido Popular (PP), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos Trabalhadores (PT). A ARENA, por sua vez, se transformou em Partido Democrático-Social (PDS). O próximo passo foi proibir as coligações e estabelecer o voto vinculado. O eleitor só poderia votar em um único partido para todos os cargos. Mas estas medidas não impediram mais uma derrota do governo. A oposição ganhou os governos de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Pará e Acre. Mas, a divisão da oposição garantiu a vitória governista no Rio Grande do Sul. O PDS ganhou em todos os estados nordestinos.

A derrota eleitoral governista impulsionou a campanha pelas eleições diretas para a presidência da República — a maior campanha cívica da história do país. Apesar do boicote inicial da rede Globo, milhões de brasileiros saíram às ruas exigindo Diretas Já! No dia da votação o governo decretou estado e emergência em Brasília e proibiu manifestações públicas. Apesar de ter conseguido 289 votos contra 55 — ocorreu 113 ausências — faltou 22 votos para se conseguir a reforma constitucional estabelecendo a eleição direta. Iniciou-se uma articulação oposicionista para construir uma candidatura única das oposições que pudesse ter condição de concorrer e vencer o candidato do regime no colégio eleitoral. O nome escolhido pelo PMDB foi o de Tancredo Neves e iniciou-se uma grande campanha popular. Os comícios de Tancredo reuniram milhões de pessoas em todo país.

O desgaste do governo Figueiredo e a indicação do impopular Paulo Maluf como candidato do PDS levou a uma cisão nas hostes governistas e criaram as condições para uma vitória oposicionista. A crise política e mobilização popular garantiram a derrota acachapante de Maluf e a eleição de Tancredo Neves. O resultado foi de 480 votos contra 180. A ditadura foi derrotada no seu próprio terreno, num espaço construído especialmente para sua perpetuação. A morte de Tancredo, antes mesmo da posse, levou a presidência o seu vice José Sarney. Surgiu assim a Nova República.

Iniciou-se a aplicação de uma agenda política de democratização do Estado. Estabeleceram-se eleições diretas para a presidência, para prefeitos nas capitais e nas chamadas áreas de segurança nacional, a legalização dos partidos clandestinos e das centrais sindicais. Ampliaram-se as liberdades sindicais, estendeu-se o voto aos analfabetos e convocou-se uma Assembléia Nacional Constituinte. Mais tarde estendeu-se o direito de voto aos jovens maiores de 16 anos. Direitos consolidados na Constituição de 1988. Abriu-se o período de maior liberdade que o país já tinha visto na sua história.

Na Assembléia Nacional Constituinte, os comunistas novamente levantaram a bandeira do parlamentarismo democrático e da extinção do Senado Federal. Até esse momento era forte a tradição comunista em defesa da extinção do Senado, por considerá-lo uma casa menos democrática que Câmara dos Deputados, por ser menor e, principalmente, por ter um caráter mais elitista quanto a sua composição. Esta visão, no entanto, vem sendo relativizada pela consideração de que as duas casas têm naturezas diferentes, cada uma exercendo certo tipo de representação.