Foi, na nossa opinião, um período em que o nosso Encontro se fortaleceu, alargou e ganhou importância política e visibilidade. Um período em que vários partidos se envolveram e se responsabilizaram pelo sucesso dos Encontros Internacionais e durante o qual se registaram passos positivos – apesar de insuficientes – no trabalho colectivo da sua preparação e na aferição colectiva das suas principais conclusões.

Avançámos no conhecimento mútuo dos nossos Partidos, demos passos na identificação do muito que nos une, assim como dos temas e aspectos em que temos opiniões diferentes e diversas. Avançamos ainda, mesmo que de forma claramente insuficiente, na concretização da acção comum ou convergente dos nossos partidos, um dos objectivos centrais dos nossos Encontros ao qual deveremos continuar a dar toda a nossa atenção.

Apesar das debilidades e instabilidade que continua a afectar o Movimento Comunista e Revolucionário Internacional, apesar da diversidade de condições e de situações concretas em que intervimos, apesar de atrasos na definição e concretização da nossa acção comum ou convergente, apesar de percursos, níveis de reflexão e opções, apesar de tudo isso, estamos a ser capazes de dinamizar juntos um processo que, partindo do respeito mútuo e da soberania e independência de cada Partido, visa reforçar o nosso movimento a partir das forças de cada um e com isso reforçar também cada um dos nossos Partidos e a sua intervenção. Pensamos que isso já é uma importante vitória.

Estamos em África, um continente violentamente fustigado pelos efeitos do colonialismo, onde os crimes imperialistas assumem contornos particularmente violentos e escandalosos e onde dezenas de milhões de seres humanos são atirados para a luta individual pela sobrevivência diária e simultaneamente adormecidos na sua consciência de classe pelo negócio da caridade e do assistencialismo, um elemento central da ofensiva ideológica em África. Um continente que é actualmente sujeito a poderosas manobras de ingerência e neocolonialismo e a ofensivas visando a extorsão dos seus recursos naturais, a exploração das suas férteis terras, a exploração selectiva dos seus recursos humanos, a negação do direito ao desenvolvimento e a subversão das conquistas alcançadas pelas lutas de libertação nacional – seja por via de poderosos e complexos mecanismos de controlo económico, político, militar, ideológico e supostamente «ambiental» do imperialismo, seja por via da crescente formação e associação de burguesias nacionais ao grande capital estrangeiro, elemento fulcral na estratégia e interesses do imperialismo, nomeadamente das ex-potências coloniais.

E é porque conhecemos as difíceis condições objectivas e subjectivas em que intervêm os comunistas e outras forças progressistas deste continente, bem como a complexidade dos desafios que têm pela frente, que encaramos este Encontro como uma especial expressão da nossa solidariedade e amizade para com os camaradas africanos e em particular para com o Partido Comunista sul-africano, força determinante da vitória povo sul-africano contra o apartheid e pelo cumprimento dos objectivos da revolução democrática e nacional. Solidariedade com as lutas que estão a travar e com o esforço que fazem para, partindo da heróica história dos movimentos de libertação nacional, dar seguimento aos processos libertadores, progressistas e revolucionários, aprofundar os laços entre os comunistas e outras forças progressistas e assim construir e reforçar um movimento anti-imperialista capaz de fazer frente aos ataques e ameaças a que os povos africanos, os seus direitos e a soberania dos seus países estão sujeitos. Amizade e solidariedade que vos transmitimos de forma muito especial quando se comemoram os 50 anos do início da descolonização formal no continente africano.

Crise estrutural e sistémica do capitalismo

Nos últimos Encontros Internacionais procedemos a uma análise da crise do capitalismo e alertámos para alguns dos seus previsíveis desenvolvimentos. A realidade aí está a confirmar essas análises comprovando-se assim a validade e notável actualidade do marxismo-leninismo na análise sobre o funcionamento do sistema capitalista.

A evolução da economia mundial é actualmente marcada pela continuação e aprofundamento da crise; pela profunda e prolongada recessão na tríade capitalista; pela volatilidade do sector financeiro; pela sucessão de ciclos viciosos de drenagem de fundos públicos para apoio ao grande capital, crises de dívida soberana e imposição de políticas anti-sociais e antinacionais, nomeadamente na Europa e ainda por crescentes tensões económicas e monetárias no plano mundial.

Tais traços confirmam o cenário de uma profunda e prolongada crise económica de sobreprodução e sobreacumulação, expressão viva da crise estrutural e sistémica do capitalismo, que entretanto se manifesta noutros planos como os alimentar, energético e ambiental onde poderá ter evoluções rápidas e com consequências imprevisíveis para os povos dos países ditos em desenvolvimento. Uma crise marcada pela grande visibilidade de aspectos centrais da evolução do capitalismo, nomeadamente o seu desenvolvimento desigual, e que se aprofunda num quadro de mutação nas relações internacionais marcado pelo declínio da principal potência capitalista (EUA) e pela afirmação de novas potências económicas. Um quadro em que não há propriamente um embate entre dois blocos antagónicos, mas em que alguns dos países que protagonizam estas mudanças – e que objectivamente estão em rota de colisão com as principais potências capitalistas – estão envolvidos em processos progressistas de afirmação soberana ou estabelecem como objectivo a construção do socialismo.

Mas se os acontecimentos trazem para a ribalta os limites históricos do capitalismo, as suas contradições e as potencialidades de luta, também é verdade que a correlação de forças é ainda profundamente desfavorável às forças do trabalho e do progresso. O poder económico, político e mediático do capital é usado para desenvolver uma violenta ofensiva anti-social, opressora e ideológica contra os trabalhadores e os povos e contra a soberania dos estados. As principais potências capitalistas – com destaque para os EUA e o directório de potências da União Europeia – lançam-se numa deriva militarista e securitária como o demonstra a intensificação da guerra imperialista no Afeganistão, a profusão de focos de tensão e de provocações em todo o Mundo e, de forma particularmente grave, as conclusões da Cimeira da NATO de Lisboa e a adopção do novo conceito estratégico desta aliança militar agressiva. Uma deriva que deita por terra quaisquer ilusões, quer relativamente ao «prémio Nobel» Obama quer relativamente à tão falsa quanto impossível «independência» da União Europeia da NATO.

Estamos perante uma perigosa fuga para a frente do sistema que visa operar uma regressão histórica no plano dos direitos dos trabalhadores e dos povos, avançar ainda mais na concentração e centralização do capital e do poder político e conter a resistência dos trabalhadores e dos povos – seja por via da ofensiva ideológica visando o esmagamento das consciências com a teoria das inevitabilidades, seja pela força através de uma nova onda repressiva e de tentativa de criminalização da resistência.

Uma fuga para a frente caracterizada por crescentes atropelos e ataques à democracia e onde a reabilitação do fascismo e o anticomunismo desempenham um importante papel. Uma fuga para a frente que, no plano económico, fica bem demonstrada na última reunião do G20, onde, num quadro de crescentes tensões económicas e monetárias, sobressai por um lado a inexistência, dentro dos limites do capitalismo, de reais soluções de fundo para a actual crise e por outro a reafirmação das políticas que estão na génese da crise e que são elas mesmas, como já provado, sementes de novas crises.

A situação portuguesa

A fuga em frente em curso desenvolve-se a um ritmo muito elevado e tem expressões em todas as regiões do globo. Portugal não é excepção. A par com outros países da chamada periferia da Europa a situação portuguesa é um exemplo marcante do que acabamos de afirmar. Mergulhado numa profunda crise resultante de décadas de políticas anti-sociais, de destruição do aparelho produtivo e de abdicação nacional na sequência da entrada de Portugal na União Europeia, o nosso país é agora sujeito a poderosas manobras de chantagem e colonização económica, desencadeadas em função dos interesses do grande capital, dirigidas pelos centros de decisão da União Europeia e pelo directório das suas potências, mas com a activa participação em Portugal do Governo do Partido Socialista (o Partido da social-democracia em Portugal).

Invocando a hipócrita necessidade de «acalmar» os «mercados», o Governo, contando com o apoio do Presidente da República e dos partidos da direita, aprofunda, depois de apoios milionários à Banca, uma autêntica guerra social, desencadeando o mais grave ataque aos direitos dos trabalhadores e do povo desde o 25 de Abril, empurrando o País para uma situação de ainda maior dependência e crise económica e abdicando do que resta das parcelas de soberania nacional. Tentam agora, com a ameaça da entrada do FMI, empurrar os trabalhadores para o atentismo [NR:galicismo que significaria inclinação a aguardar], o medo e a resignação. Mas o facto é que o que o governo da social-democracia tem vindo a fazer é nada mais nada menos do que a aplicação das receitas da UE e do FMI. O resultado, como o caso da Irlanda bem evidencia, só poderá ser uma ainda maior degradação da situação, e os trabalhadores começam a perceber isso. Por isso é que acabam de dar uma exemplar resposta à chantagem e ao ciclo vicioso para que são empurrados realizando uma das maiores greves gerais da História de Portugal que, convocada pela central sindical de classe (CGTP/IN), envolveu mais de 3 000 000 de trabalhadores, ou seja mais de 70% dos trabalhadores portugueses.

A questão da União Europeia

A situação em países como a Grécia, Irlanda e Portugal obrigam a um aprofundamento da reflexão sobre a questão da União Europeia. A forma como a superstrutura do capitalismo europeu se comporta no quadro da crise e as alterações de fundo que o Tratado de Lisboa introduziu, confirmam um acelerado processo desenvolvido a partir dos três pilares da União Europeia – o neoliberalismo, o militarismo e o federalismo – visando a edificação na Europa de um bloco imperialista construído à custa dos direitos dos trabalhadores e dos povos, da soberania e direito ao desenvolvimento dos povos e da própria democracia.

A profunda crise social que alastra por toda a Europa, a sobreposição do poder dos monopólios às próprias instituições, o salto ultraliberal e federalista em curso nas instituições da UE e o rápido aprofundamento das contradições políticas e institucionais no seu seio, são expressões do processo de concentração do poder político e económico, rolo compressor de direitos e da soberania nacional dos estados europeus. Mas são também elementos que revelam com assinalável nitidez os limites objectivos União Europeia, demonstrando que esta não é reformável e que a construção de uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos terá necessariamente de ser feita sob as ruínas da actual União Europeia. Uma luta que passará obrigatoriamente pela afirmação soberana dos estados europeus ao direito ao seu desenvolvimento económico e social, provando-se uma vez mais que a luta pela defesa da soberania popular é um importante elemento da luta pela emancipação social e de classe, como aliás é bem patente noutros continentes, como a América Latina.

Camaradas, tínhamos razão quando há dois anos alertámos para a possibilidade de uma resposta de força do capitalismo à sua própria crise. Ela aí está a desenvolver-se nos planos económico e social, político, ideológico e mediático, militar, repressivo e de ataque à soberania dos povos, e tudo indica que a situação se venha a degradar ainda mais pois o cenário é de aprofundamento da crise estrutural.

Simultaneamente desenvolve-se, ainda que de forma insuficiente, a luta dos trabalhadores e dos povos. As grandes lutas e greves na Europa (Grécia, Portugal, Espanha, França, etc…), a resistência dos povos vítimas das agressões e ingerências do imperialismo, nomeadamente no Médio Oriente e Ásia, as lutas progressistas pelo desenvolvimento soberano na América Latina, mas também aqui em África, a luta anti-imperialista e contra o militarismo (que nos orgulhamos ter tido um ponto alto em Lisboa aquando da recente cimeira da NATO), são importantes focos e elementos de resistência que importa valorizar muito.

As tarefas em que todos temos estado envolvidos são de grande complexidade e exigência. No nosso País temos vindo a exigir do nosso Partido toda a sua máxima força e energia, a sua firmeza de princípios compaginada com a sua necessária flexibilidade táctica e, acima de tudo, uma profunda e constante ligação aos trabalhadores e ao povo, tentando alargar o mais possível a frente de resistência à ofensiva multifacetada com que estamos confrontados, tentando com isso alargar a frente social de luta que vá mais além da resistência e permita avançar na construção da alternativa.

Pensamos que não há, neste quadro, soluções rápidas, fáceis e universais, bem pelo contrário. Mas também é verdade que a situação abre perspectivas que não devemos sub-avaliar. Se o aprofundamento da ofensiva imperialista carrega consigo grandes perigos também é verdade que conduz ao alargamento e diversificação das forças que objectivamente adoptam posições anti-imperialistas e patrióticas. Compete-nos a nós, comunistas, contribuir para alargar e radicalizar a frente anti-imperialista, factor essencial para derrotar as forças oportunistas e obscurantistas que tentam instrumentalizar os genuínos sentimentos de revolta dos povos e para alcançar uma alteração positiva da correlação de forças num quadro de intensa agudização da luta de classes.

A construção da alternativa

Este é na nossa opinião o caminho que pode abrir espaço à construção de amplas alianças sociais antimonopolistas e anti-imperialistas que não só desenvolvam a luta de resistência mas que avancem na luta pelo poder, e tomem o poder, promovendo assim profundas transformações progressistas. Para tal a existência de fortes partidos comunistas, com real influência nas massas, com a sua organização, independência e ideologia, é uma condição fundamental a par com o aprofundamento da nossa cooperação e solidariedade. Ou seja, para nós, o fortalecimento e radicalização da frente anti-imperialistas acontece de braço dado com o reforço do movimento comunista e revolucionário.

Teremos para tal de dar uma especial atenção à relação entre a luta de resistência e a necessária ofensiva ideológica, tema importantíssimo nos dias de hoje, sem descurar nenhuma delas. As condições objectivas para o desenvolvimento da luta revolucionária estão aí, vibrantes e isso torna mais visível o significativo atraso do factor subjectivo. Necessitamos aprofundar a discussão em torno desta questão. É óbvio que o fundamental estamos a tentar fazê-lo: desenvolver e estimular a luta, envolver as massas nas diversas frentes de batalha, com destaque para a luta social e a luta anti-imperialista, e fortalecer os nossos partidos. Mas necessitamos aprofundar a reflexão em torno da necessidade de desenvolvimento da consciência política das massas, reflectir como acelerar a percepção nas massas, e especialmente na juventude, da íntima relação entre luta social, luta anti-imperialista, luta antimonopolista e anticapitalista, e a construção da alternativa. Necessitamos de reflectir nas formas de como dar maior visibilidade à alternativa do socialismo, sem cair em soluções voluntaristas ou num verbalismo desligado das reais condições e forças.

O ano passado definimos grandes linhas de acção dos nossos partidos, centraram-se na luta social, na luta pela paz, e na luta da juventude. É com agrado que hoje o PCP vos pode afirmar que na sua actividade fez tudo para dar expressão em Portugal às decisões que tomámos. E é com especial alegria que não poderia terminar esta intervenção do PCP sem desejar, por vosso intermédio, às vossas organizações de juventude, os maiores sucessos para o XVII Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes que se iniciará dentro de poucos dias aqui na África do Sul.

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Intervenção do Partido Comunista Português

Ângelo Alves – membro da Comissão Política do Comité Central

12.º Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários

Tshwane, 3-5 Dezembro 2010

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Fonte: jornal Avante!