O novo governo se inicia sem as circunstâncias adversas e a “dramaticidade” do primeiro governo Lula. Recordemos que ele foi acossado o tempo todo pela oposição, e a direita golpista tudo fez para cassar o seu mandato. Já sua sucessora começa com maioria nas duas Casas do Congresso, maioria entre os governadores, apoio das centrais sindicais e movimentos sociais. A oposição, por sua vez, se encontra, momentaneamente, dividida e alquebrada. E, de quebra, Dilma recebeu uma herança benfazeja.

Claro que em luta política num sobressalto a borrasca encobre o céu azul. Ademais, o centro do capitalismo aumenta pressão para que recaia sobre os países de sua chamada periferia o ônus da crise. No plano interno, se os partidos de oposição ainda estão por se levantar, seu braço midiático segue atirando. Justiça seja feita, com esperteza. Os mesmos que satanizaram a candidata agora bajulam a presidenta. Demonstram por A mais B que ela é diferente de Lula. E que Dilma rompe a linha da continuidade.

Depois do anúncio do corte de 50 bilhões de reais do Orçamento da União, aproveitam o episódio para dizer que Dilma rompe com a “gastança” e empreende o necessário “ajuste fiscal”.

A primeira condição para o avanço é exatamente dar continuidade às diretrizes desenvolvimentistas de Lula, e alterar, aprimorar ou inovar o que ele não teve tempo ou condições políticas para fazer. A oposição sabe que, se Dilma fizer um bom governo, o ciclo de 12 anos pode se estender para 16, 20 anos. Por isso, solta esse canto de sereia – sublinhe-se até pueril – sulcando um suposto antagonismo entre Dilma e Lula.

Há muito o mercado chantageia a sociedade com o terror da volta da inflação. Usa esse estratagema para impor a estratosférica taxa de juros como fórmula única e pétrea no controle da alta dos preços. E, agora, cantam louvores ao dito “ajustaço”.

É inegável a fadiga da atual política macroeconômica. É certo que não foi Dilma que a implantou, tão pouco Lula. Veio da era FHC e nos dois últimos quadriênios sobreviveu, a bem dizer, quase incólume. Não há ilusões de que em dois meses esse problema estrutural fosse superado. Mas não é certo, de modo algum, transformar o ajuste fiscal em “mantra” ou em augusta novidade enquanto nada se diz sobre o imenso gasto e drástico custo social do pagamento da dívida pública.

As regras de reajuste do salário-mínimo grafadas em lei representaram uma conquista dos trabalhadores. Todavia, o valor fixado atritou o governo com as centrais sindicais. Um alerta para o governo ficar sensível à sua base social de apoio e, da parte dos trabalhadores, a necessidade de reforçar suas mobilizações e lutas.
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Uma palavra sobre a condução do governo. Uma aliança ampla de doze legendas, cujo arco vai da esquerda ao centro-direita, impõe com relevo a direção do processo, ou seja, o exercício da hegemonia que o PT reivindica exercer. Neste ponto crucial, há uma disjuntiva: exercício correto da liderança ou imposição de um hegemonismo? “Desvio”
que sacrifica a coesão da base, o êxito do projeto, por motivações exclusivistas e pragmáticas. Qual o papel político da esquerda nesta condução? Será alijada ou terá relevância? Miremos as lições do passado recente. A esquerda e os movimentos sociais foram decisivos tanto para defender o governo da sanha golpista do conservadorismo quanto para impulsioná-lo a realizar as mudanças.

O governo Dilma apenas começa. Ele é a continuidade de um acúmulo positivo de 8 anos. Por isto, sem a febre dos frenéticos nem o freio dos adversários da mudança é preciso passo a passo – e também com saltos – transformar em realidade o “mantra” que elegeu Dilma: “continuar é avançar”. E isto significa caminhar na direção de uma nova etapa do projeto nacional de desenvolvimento.

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Membro do Secretariado Nacional do Partido Comunista do Brasil e presidente da Fundação Maurício Grabois