Na mesa de abertura, cujo tema foi “Saúde, Estado e Desenvolvimento Nacional”, participaram Carlos Grabois Gadelha e Jandira Feghali. Gadelha destacou a consonância entre os princípios norteadores do seminário, que associam desenvolvimento social e saúde. Ele considera que existe um dilema no campo sanitário. “Como equacionar capitalismo e necessidades sociais no campo da saúde? Como é possível desenvolver as forças produtivas num sistema onde elas terão valor de troca, e ainda assim, atender as necessidades sociais às quais deveriam responder a priori?”, afirmou.

Para o secretário, a articulação entre a lógica econômica e a social revela o padrão de sociedade pretendido. Gadelha entende que a não conclusão do Estado de bem-estar no país é um grande gargalo a ser vencido. Citou a falta de uma política de medicamentos em território nacional que seja capaz de planificar os preços, ampliando o acesso.

O secretário acredita que o Brasil vive um momento político favorável, com gestores mais sensíveis às questões humanas, o que torna viável a aproximação entre saúde e desenvolvimento social. “O aprofundamento da reforma sanitária passa por uma agenda estrutural que coloca a ciência e a tecnologia de inovação como elemento inerente para seu o avanço e de um novo padrão de desenvolvimento para o pais”, disse. Nesse sentido, acredita que o país reúne, pela primeira vez, condições para reformar o SUS.

Gadelha deixou o evento com a certeza de que o seminário traz um discurso perfeitamente alinhado ao do Ministério da Saúde e espera que este não tenha sido um encontro pontual, mas o início de um diálogo. Sobre os laços com seu tio-avô, Maurício Grabois — ele é neto de Jayme Grabois, irmão de Maurício —, e a presença na entidade que leva seu nome, Gadelha diz ter ficado sensibilizado e bastante feliz com o convite.

Na sequência, a deputada Jandira Feghali defendeu a importância de ampliar os acessos aos bens de saúde e apostou em uma visão agregadora entre política, saúde e cultura. Jandira Feghali acredita que a diversidade e a riqueza étnica do povo brasileiro devem ser usadas em favor da criação de uma identidade nacional como um importante instrumento de fortalecimento do sentimento de pertencimento da nação.

A deputada acredita que neste debate, sem o processo de construção e participação social não é possível avançar. “Quando se trata desta questão, acredito que não podemos ser tão modernos a ponto de esquecer os princípios e conceitos e nem tão dogmáticos a ponto de não perceber a atualização dos fatos e não conseguir avançar nas formulações”, disse. Em uma digressão histórica em que apontou os caminhos percorridos pelo Estado no que tange às questões sanitárias, Jandira Feghali foi taxativa ao afirmar a necessidade de o Estado chamar para si a responsabilidade da universalização da saúde.
Para tal, aposta na inversão da injeção de recursos entre os setores público e privado. No modelo atual, de acordo com a deputada, o setor privado investe mais, o que significa o mercado tomando controle da situação e estabelecendo uma condição em que o SUS é fragilizado, pois a classe média, os sindicatos e os servidores públicos optam por defender a bandeira dos planos de saúde privados. Nesse sentido, uma grande parte da população que necessita do SUS fica desamparada. “É em nome desta parcela que o PCdoB tem que se movimentar”, convocou Jandira Feghali.

Movimentos sociais

A segunda mesa, “Democracia e participação social e a 14ª Conferência nacional de Saúde”, contou com a participação de representantes dos movimentos sociais, com seus olhares distintos e complementares. Rogério Nunes, da Central dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTB), relatou a experiência do movimento sindical, construindo uma concepção e um projeto da central em relação aos objetos relacionados à saúde, centrando como elemento primordial a alteração da política econômica como mecanismo de garantir a universalização e amplitude dos direitos sociais e civis. Nunes afirmou que o papel preponderante do Estado dever responder à necessidade do público se sobrepor ao privado.

Para Nunes, sem abdicar dos princípios de sua classe, existe a necessidade de participar nos governos a fim de criar um programa de diálogo com as centrais. Conclui falando da preparação da CTB para a 14ª Conferência Nacional de Saúde e dos planos de dar à sua participação caráter deliberativo a fim contribuir para a promoção do avanço no processo de consolidação de uma democracia participativa no país.

Fernando Eliotério apresentou um estudo sobre a representação da saúde, priorizando seu foco nos mecanismos democráticos de sua construção e demonstrando profundo conhecimento no colorário legal do tema. Foi assertivo ao afirmar a importância do conhecimento e entendimento desse esquema e estruturação como instrumento de transformação social. Eliotério ressaltou a elaboração de uma análise sobre a natureza dos Conselhos de Saúde, destacando suas fragilidades, a judicialização, a impunidade e os processos contraditórios ao exercício e cumprimento da lei. Defendeu o controle social e o combate à judicialização, que é um dos fatores de diminuição do acesso da população. Eliotério convocou os parlamentares ao aperfeiçoamento da legislação. Finalizou denunciando a terceirização, a privatização e precarização do setor.

Considerações e questionamentos

O segundo dia deabteu “Participação e controle social como questão do Estado” com as participações do secretário de Saúde do Estado do Ceará, Raimundo José de Arruda Bastos; do superintendente de Ciência e Tecnologia e Assistência Farmacêutica da Secretaria do Estado da Bahia, Alfredo Boa Sorte Jr.; do secretário municipal de Saúde de São José dos Pinhais (PR), Armando Raggio; e do superintendente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) de Porto Alegre (RS), Neio Lúcio Fraga Pereira. Os palestrantes destacaram o papel do gestor no sistema de saúde pública, fazendo questionamentos em relação à política desenvolvida pelo governo e ressaltando a necessidade de se trabalhar dentro da realidade e necessidade da população brasileira.

Raggio chamou a atenção para o que define como uma inversão epistemológica. “A ciência deveria estar servindo à saúde, mas, na prática, tem servido aos interesses pessoais de classe em detrimento à comunidade”, disse. Ele criticou a apropriação privada da tecnologia sobre a ciência. Já o superintendente Neio Pereira passou em revista toda estrutura de atendimento do SUS, pontuando que, apesar das dificuldades entre financiamento e gestão, o que se deve ter em mente é a necessidade dos pacientes e a realidade local. Defendeu que o eixo estruturante do sistema deve ser a atenção primária à saúde. “Nós, marxistas, temos que ter a visão baseada na realidade completa. Estamos lá para servir o povo, naquele momento e naquela realidade objetiva. Não podemos esperar a situação ideal,” concluiu.
Último a falar na mesa, Bastos Arruda apresentou o modelo bem sucedido em vigor na sua gestão, que tem como solução para algumas das dificuldades do seu Estado a criação de um fundo de saúde cuja verba vem do ICMS e IPVA gerados nos municípios. O fundo é constituído ainda por recursos do tesouro estadual e é subordinado à Secretaria de Saúde do Estado. Esse exemplo mostra como é possível angariar meios sem onerar a população, realçou.

O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, passou pelo Simpósio para fazer uma saudação ao evento e registrar que a saúde tem grande relevância para o projeto nacional de desenvolvimento. Após cada mesa, os presentes fizeram considerações e questionamentos. As intervenções giraram torno de questões como financiamento, gestão e abrangência do SUS como i8nstrumento para o projeto nacional de desenvolvimento. Apareceu com destaque nos debates o papel do Estado como articulador desse leque de atribuições do sistema e a importância de uma ação política para a aprovação da legislação que regulamento o funcionamento e financiamento do setor. Uma das questões pendentes e a Contribuição Social para a Saúde que, segundo a deputada Jandira Feghali, não há ainda unidade política suficiente para ser votada. Para ela, a mobilização popular seria fator decisivo para se avançar nessa questão. A deputada fez uma apelo para que as entidades populares encampem as bandeiras que dizem respeito à saúde a fim de criar um ambiente de pressão social sobre o Congresso Nacional.

A continuidade do debate



Para a coordenadora nacional de saúde do PCdoB, Júlia Roland, o sucesso do Simpósio foi a tradução da participação ampla de representantes de diferentes regiões. A qualificação dos participantes e a qualidade dos debatedores, segundo ela, garantiram a retomada do debate sobre o tema em alto nível. Júlia Roland explicou que o assunto estava exigindo um debate como esse, com amplitude e profundidade, tendo em vista inseri-lo na discussão sobre o novo projeto nacional de desenvolvimento. Para ela, cumpre agora às entidades que organizaram o evento — a Fundação Maurício Grabois, com apoio da CTB e do PCdoB — sistematizar o debate para indicar uma agenda política que impulsione o aprofundamento do tema.

Júlia Roland destacou que o assunto guarda uma importante relação com a defesa da soberania nacional, demonstrando que a indústria do setor — produção de equipamentos e remédios — cumpre papel decisivo no projeto nacional de desenvolvimento. Segundo ela, um item relevante da balança comercial que apresenta déficit é exatamente o da indústria ligada à saúde. Para Júlia Roland, o debate sobre esse assunto deve prosseguir. Aliado a ele, disse, é preciso considerar os modelos de gestão e da aplicação do SUS, tendo em conta a dimensão do país e as peculiaridades de cada local. Não é possível a existência de um único modelo nacional, ressaltou.

A formação dos profissionais de saúde é outro item que Júlia Roland entende como fundamental. Para ela, o Brasil precisa investir cada vez mais em cursos médios, universitários e de qualificação para formar um perfil mais adequado às exigências do setor. Todos esses assuntos, disse Júlia Roland, foram debatidos em profundidade, revelando que havia um anseio generalizado para se iniciasse a discussão. Segundo ela, uma comissão nacional foi formada com o objetivo de dar andamento ao debate. Integram a comissão, por enquanto, um represente da região Norte, três da região Nordeste, três da região sudeste, dois da região Sul, um da região Centro-Oeste, dois representante do setor acadêmico e um do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

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Leia também:

O SUS, a saúde e o desenvolvimento

Pronunciamento do presidente da Fundação maurício Grabois na abertura do “I Seminário Nacional de Saúde”.

http://grabois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=8&id_noticia=5526