Inicialmente, Marco Aurélio Garcia expressou sua solidariedade para com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que se encontra em Cuba para tratamento de um câncer. O assessor da presidenta Dilma destacou que a América do Sul vive hoje um momento de grandes transformações, com processos absolutamente originais. Para ele, “mesmo nos países onde as forças de esquerda, populares e nacionalistas não tiveram vitórias, contamos com uma direção à esquerda”. Entretanto, segundo Marco Aurélio, ainda não se trata de “uma hegemonia das ideias de esquerda, mas de políticas de esquerda”.

Mesmo assim, segundo Marco Aurélio Garcia é auspicioso perceber que, em processos eleitorais recentemente transcorridos na América Latina, incluindo a corrida presidencial em curso na vizinha nação argentina, forças conservadoras apresentam grande resistência em assumir-se como sendo de direita.

Ainda em relação à América Latina, Garcia saudou a recente vitória de Ollanta Humala no Peru e destacou a fundação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) como fato de grande importância para a integração solidária da América Latina, possível apenas em função das vitórias e dos avanços obtidos no continente pelas forças progressistas.

Marco Aurélio Garcia referiu-se à experiência brasileira relatando o que considera eixos destacados da atuação do governo federal nos últimos anos. Segundo Garcia, no Brasil os governantes jamais haviam decidido enfrentar com firmeza a questão das desigualdades sociais, o que inviabilizava inclusive uma democracia política mais sólida. Para piorar, quando da assunção de Lula à Presidência da República o Brasil se encontrava estagnado havia 20 anos. E, na visão do assessor especial de Dilma, mesmo considerando, como Celso Furtado, que crescimento não necessariamente é desenvolvimento, a expansão econômica foi fator decisivo no processo de enfrentamento do apartheid social que se encontrava instalado no país desde os anos 80.

Na contramão dessa história, os últimos anos assistiram a uma melhoria inédita do nível de vida da população, com “a retomada do crescimento, que não foi espetacular mas constante, e a fortíssima distribuição de renda, que nos permitiu incluir mais de 40 milhões de pessoas. Segundo dados do IBGE, nos últimos anos a renda dos mais ricos cresceu 10%, enquanto a dos mais pobres, aumentou 65%".

Na visão do assessor da Presidência, além da política salarial, com o aumento do salário mínimo acima da inflação, também contribuíram para esse processo os programas sociais, como o Bolsa Família, e a ampliação do crédito popular. Medidas como essas ajudaram a fortalecer, no Brasil, um mercado de consumo de massas – fator decisivo no enfrentamento da crise econômica mundial.

Sobre a política externa brasileira, Marco Aurélio falou da clara opção pela América do Sul. Para ele, a integração latino-americana precisa ser diferente de outros processos de mesma natureza que têm se concretizado em todo o mundo. "Precisamos de uma integração solidária. E entendemos que nosso processo não será diferente de outros por aí se a região permanecer desigual regionalmente. Nós, brasileiros, não queremos ser a Alemanha da América Latina", finalizou Garcia, ovacionado por todo o auditório.

A mesa contou ainda com o embaixador e representante especial para a Integração do Mercosul da Argentina, Oscar Laborde. Para ele, cada processo tem seu caminho próprio, destacando que “não se trata de dizer um para o outro qual o melhor”. Disse ainda que o mundo já “não é mais bipolar ou unipolar, mas multipolar e a América do Sul pode ser um polo neste sentido e que, por isso, é preciso pensar um sistema alternativo ao modelo neoliberal e capitalista”.

Laborde ressaltou que a similitude dos processos vividos pelos países latino-americanos – populares, de luta e de resistência ao neoliberalismo – é a decisão dos governos de colocar o Estado a serviço dos povos. Para o embaixador, os governos de esquerda e progressistas da região disseram não à ALCA em 2005 e, se isso não tivesse acontecido, no enfrentamento da crise financeira internacional de 2009 teriam visto um resultado bem diferente. Os modelos existentes eram de submissão da política pela economia e ao dizer não à ALCA era necessário buscar outra alternativa. Ele citou a fundação da Unasul e a decisão, sem precedentes nos 200 anos de independência dos países da América do Sul, de criar o Centro de Estudos Estratégicos para a Defesa para reunir países que nunca haviam discutido um sistema de defesa comum.

Para finalizar, o embaixador listou, entre os desafios colocados agora para a América do Sul, a decisão de não retroceder nos avanços conquistados e a necessidade de saber se a esquerda é capaz de constituir uma matriz de pensamento comum latino-americano, que passe pela redefinição do papel
do Estado e pela promoção da democratização das instituições.

Já a deputada do Partido Socialista Unido da Venezuela e vice-presidenta do Grupo Parlamentar Venezuelano no Parlamento Latino-americano, Ana Elisa Osório, enfatizou que o atual quadro político da América Latina é de um avanço considerável, mas que ainda existem países isolados desse conjunto que chegou à democracia. No caso da Revolução Bolivariana vivida pela Venezuela, ela enfatizou que são 12 anos de um processo de inclusão, participação e de abertura das correntes de pensamento progressistas e de esquerda, que há muitos anos vinham apostando em mudanças nas desgastadas estruturas do Estado. Os elementos que configuram o modelo político atual da Venezuela, segundo Ana Osório, são as eleições livres, plurais e com alternância de poder; a liberdade de associação e pluralismo político; a plena liberdade de expressão e manifestação; a liberdade de imprensa; e a autonomia e independência dos poderes públicos.

Para Ana, os países latino-americanos e caribenhos têm em comum a resistência contra os invasores e que a visão da revolução bolivariana está presente nos outros países, como a luta pela igualdade, a democracia, a equidade, a soberania dos povos, o amor, a complementaridade, a solidariedade. A deputada enfatizou que o futuro social, político, ecológico e cultural dos povos da região não pode se manter isolado, pelo contrário, é preciso projetar iniciativas, formas cooperativas e objetivos que sejam adotados cada dia por mais governos e povos. A organização dos povos da região, segundo ela, é um dos objetivos mais importantes a ser concretizados, contando com importante participação dos movimentos sociais e consolidando vínculos para estreitar relações com os movimentos dos indígenas e dos afrodescentes para que participem da elaboração de projetos de integração.

Representante do Paraguai, o diretor-geral da Itaipu Binacional, Gustavo Codas, abordou as mudanças em seu país e o governo do presidente Fernando Lugo, um ex-bispo da Teologia da Libertação.

Segundo Codas, o governo Lugo é formado por uma “ampla coalizão que vai da esquerda – inclusive de extrema esquerda – até a centro-direita. Uma coalizão formada para derrotar o Partido Colorado, que estava no governo desde 1947”. Gustavo também falou sobre as disputas internas. Segundo ele, “dentro do governo convivem tendências de mudanças e conservadoras e o grande desafio é aprofundar essas mudanças. Em 2010, constituímos a Frente Iguaçu, que reúne os setores progressistas e nacionalistas para apontar esses caminhos para seguirmos mais longe”, afirmou o representante do Paraguai.

Codas enfatizou ainda que já existem diversos espaços de integração regional como o Mercosul, a Alba, a Unasul e, mais recentemente, a Comunidade de Estados da América Latina e Caribe, mas que é preciso pensar nas relações que os países querem construir em nível Sul-Sul e sobretudo em relação à integração regional. Ele citou o exemplo da posição brasileira frente à decisão boliviana de nacionalizar o gás, quando o então presidente brasileiro Luis Inácio Lula da Silva afirmou que aquela era uma questão de soberania do povo boliviano. Da mesma forma, as relações entre Brasil e Paraguai em relação à energia de Itaipu só foram impulsionadas quando de um lado estava o presidente Fernando Lugo e do outro, Lula, tendo como base novos parâmetros para as relações bilaterais que não as exclusivas de mercado.

Do Rio de Janeiro.