Pintura de Marcos Andruchak

Os ventos mais fortes avisam que é a hora delas subirem, dançantes, decididas, ao ôco azul do céu que nessa época do ano é quase todo limpo de nuvens. Alçam seu vôo com a missão de exibir sua graça, desenvoltura e força. Subir e subir e ganhar aqueles céus gelados de julho, empolgadas com o incentivo de seu criador. Marionetes dos meninos que, agarrados às suas almas de papel de seda, ganham sua liberdade através delas. São pipas sorridentes, com os cabelos esvoaçantes e que olham tudo lá de cima. São os olhos dos meninos que aqui na terra sonham em ganhar o mundo. Todo menino um dia cria sua pipa com a técnica milenar que parece vir no DNA da molecada. Uma coisa que não se aprende nos livros. É mesmo coisa de menino, apesar de eu mesma ter segurado pipas que meu pai fazia, quebrando esse tabú de brincadeiras separadas entre os gêneros. Ela me puxava chamando para ir com ela. Nem podiamos mais ver a expressão de alegria uma da outra, ela subia até perder de vista. Mandávamos bilhetinhos que dobrados pela linha subiam como se tivessem vida própria. Depois eram checados se foram lidos quando a pipa voltava à realidade do chão… e a tinta da escrita sempre vinha escorrida como uma carta de amor lida sob as lágrimas da saudade. Depois de horas a fio treinando vôos panorâmicos ela vinha úmida, desbotada mas com a alma renovada, cheia de sabedoria, cansada das alturas, dolorida dos solavancos e machucada pelo vento. Sua vida é sempre curta, mas intensa. O cansaço do vôo rasga sua face e quebra seus ossos de bambu. Nas alturas elas travam uma guerra entre sí, mas uma guerra que não é delas e que, como todas as guerras, são inventadas. Muitas não sobrevivem ou se perdem em outras paragens. Seus cabelos, caudas de plástico, permanecerão até o próximo inverno, enroscados nos postes e fios de energia, perfeitos cemitérios, testemunha de que viveram grandes aventuras. Ficarão como um suvenir da temporada. Sua vida efêmera será a longa vida das lembranças da infância que, por várias gerações, ganham os corações dos homens sempre meninos e do meu, sempre menina.

Eliana Ada Gasparini  –    "Coisas de Ada" está concorrendo ao prêmio TopBlog2011.

http://coisasdeada.blogspot.com/

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