Eis o poema:

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A meu partido

Fora de ti, embora que ardente,

embora que fogo,

eu seria uma frágil fagulha,

um doce alimento do vento.

Em ti continuo a ser fagulha

mas integrante das chamas,

das labaredas

que escuridão e lama

nenhuma conseguirão deter.

Fora de ti,

sou um “indivíduo …

nada mais”.

Em ti,

continuo sendo um pigmento

mas um pigmento rubro

da vermelha aurora

que o sol hasteia

a cada manhã.

Fora de ti,

sou homem frágil

atirado ao mar;

lá já estive

e me lembro o que eu era:

um homem com punhos cortados

e a alma ferida;

não que eu não amasse, sempre amei,

não que eu não guerreasse,

sempre na guerra estive.

É que sozinho

eu me julgava

um guerreiro de uma guerra

já perdida,

um cavaleiro de um princesa

já sem vida.

Sozinho, muitas vezes às cegas

eu vagava,

e os meus olhos

eram só sal e água.

Sozinho, eu me sentia

uma caça miúda com a qual

o inimigo se divertia.

Contigo, estou em toda parte,

sou muita gente,

tenho muitos nomes:

sou greve, sou tocaia,

sou guerrilha

sou beijo

sou canção.

Contigo,

aprendi que o futuro

não é uma toalha de renda

bordada

pelas mãos divinas.

O futuro

— ensinaste-me —

nossas mãos unidas

vão arrancando,

vão talhando,

esculpindo, polindo,

na rocha bruta,

áspera

adversa

do presente.