Os desdobramentos da crise de 2008 começam a ganhar ares dramáticos após a queda de governos na eurozona. Ao que tudo indica, a próxima peça do dominó será a França. Independente de méritos e habilidades políticas dos líderes, a tirania das circunstâncias impõe mudanças de rumos.

Segundo John K. Galbraith (1958), “o inimigo da sabedoria convencional não são as ideias, mas a marcha dos acontecimentos”. A discussão sobre orçamentos equilibrados em épocas de recessão ou depressão não é nova. Situar o debate no tempo é importante para ver o quanto não estaríamos repetindo a história.

No início da década de 1930, o presidente republicano norte-americano Herbert Hoover proclamou a “necessidade absoluta” do equilíbrio fiscal. Economistas e analistas políticos da época concordaram. Posteriormente, o democrata Franklin D. Roosevelt, eleito em 1932, assumiria com o compromisso de restabelecer o equilíbrio fiscal.

Buscando ser claro em sua argumentação, o presidente Roosevelt usou uma famosa metáfora cara a alguns conservadores do presente: “A receita antes dos gastos deve cobrir os gastos de qualquer modo. Qualquer governo, como qualquer família, pode gastar em um ano um pouco mais do que ganha. Mas você e eu sabemos que uma continuação desse hábito significa o asilo de pobres”. Não é preciso aprofundar a questão para mostrar que a realidade se impôs à simplória e inadequada comparação entre governo e família.

Infelizmente esse discurso conservador retornou e está assombrando a Europa novamente. A camisa de força do euro, o novo padrão ouro, apenas aumenta o potencial de estragos institucionais dos desdobramentos da crise financeira deflagrada com a queda do Lehman Brothers. De lá para cá, os países viram suas relações dívida/PIB aumentarem e os déficits fiscais alargarem. Qualquer medida governamental, nesse contexto, que busque apenas acelerar a redução do déficit fiscal afetaria diretamente a demanda agregada e aprofundaria a difícil situação socioeconômica vigente. Há quem diga que a eurozona caminha para o suicídio econômico programado.

Apostar contra o euro, afirmou recentemente George Soros, seria uma atitude racional nesse momento. Pode ainda estar cedo para se formar fileiras com Keynes no que diz respeito ao novo padrão ouro, chamado outrora de “relíquia bárbara”, mas os sinais de estresse na eurozona são evidentes e os extremismos políticos mostram suas novas caras na região. Nesse cenário, dificilmente se pode esperar que o Brasil descole do que se passa no mundo.

Reduções no crescimento chinês afetariam as exportações brasileiras, preços e quantidades. Os ativismos monetários do Fed e do BCE, por sua vez, são sinais de que o câmbio deverá ser o carro-chefe de uma nova onda protecionista. A recusa da OMC em tomar posição institucional contra manipulações cambiais é simbólica. Nos EUA, existem projetos de re-industrialização de regiões e os preços favoráveis de insumos energéticos, como o gás de xisto, favorecem esse processo. Pelo lado europeu, caso seja do interesse geral manter os regimes democráticos, os governos precisarão agir de forma mais arrojada na macroeconomia.

Quanto ao Brasil, segundo o Monitor Fiscal do FMI, suas necessidades brutas de financiamentos giram em torno de 18% do PIB para 2012 e 2013 e o déficit fiscal estimado é de aproximadamente 2,3% do PIB. O peso do Estado na economia é equivalente ao de um país desenvolvido, ainda que o Brasil esteja mais próximo em termos de renda média do grupo chamado de “emergente”.

Dentre as quarenta maiores economias do planeta, o Brasil consta no segundo lugar no quesito juro básico real, 3,4%. Na lista dos países avaliados recentemente pela corretora Cruzeiro do Sul, vinte e dois registram juros reais negativos, o que empurrou a média da amostra para -0,5%. Esse diferencial de juros não ajuda o Brasil a enfrentar a persistente sobrevalorização cambial do real. Seu déficit em conta corrente na casa dos 2% do PIB aponta que o consumo doméstico não deve ser o carro-chefe exclusivo de um ciclo sustentado de crescimento com inclusão social.

Alguns analistas apontam que a “guerra dos juros” começou no País. O governo teria vencido a primeira rodada ao fazer com que bancos privados seguissem os bancos públicos na redução das taxas de juros, ainda elevadas quando comparadas internacionalmente. Conforme observou recentemente o professor Luiz G. Belluzzo, “é mais fácil exaltar as virtudes da concorrência do que praticar suas disciplinas”. Investimentos produtivos dependem em primeira instância de oportunidades econômicas e condições de financiamento.

Oportunidades de investimento existem muitas no Brasil; o nó górdio diz respeito às condições adversas de financiamento. Por certo que essa é uma questão política e que não se resume ao cálculo frio de taxas naturais de juros que equilibrariam oferta e demanda por recursos monetários. Em 1996, os dez maiores bancos no Brasil detinham 51% dos ativos do setor e em 2010, os dez maiores bancos respondiam por aproximadamente 81%. Diversos estudos mostram efeitos da concentração bancária sobre a concorrência. Ao que tudo indica, esse parece ser o momento adequado para se encarar essa e outras questões referentes à competitividade da economia brasileira.

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Rodrigo L. Medeiros (D.Sc.) é membro da World Economics Association (WEA). [email protected]

Gustavo dos Santos (Ph.D.) é economista de carreira do BNDES. [email protected]

Fonte: Carta Maior