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    Comunicação

    Cinco anos sem Amazonas: o desafio de desenvolver a teoria marxista

    O livro Os desafios do socialismo no século 21, que agora sai em sua segunda edição ampliada, abarca uma coletânea de textos com as contribuições de João Amazonas no período final do século 20. Em especial o final da década de 1980 e toda a década de 90. Um período marcado pelo que o próprio […]

    POR: Renato Rabelo*

    O livro Os desafios do socialismo no século 21, que agora sai em sua segunda edição ampliada, abarca uma coletânea de textos com as contribuições de João Amazonas no período final do século 20. Em especial o final da década de 1980 e toda a década de 90.

    Um período marcado pelo que o próprio Amazonas denomina de crise do marxismo e crise do socialismo – foi ele quem primeiramente levantou essa questão. A partir desse momento se inicia um processo longo de acumulação de forças por parte do movimento transformador, revolucionário.

    Desse contexto parte a contribuição de Amazonas. O legado que ele nos deixou, suas idéias e seu exemplo, é um grande patrimônio do Partido Comunista do Brasil e da luta dos trabalhadores.

    A trajetória de João Amazonas abarcou um amplo período histórico, em que ele jogou um importante papel e fez grande esforço para a aplicação da teoria social avançada, o marxismo, à realidade brasileira.

    Foi um homem que procurou estudar a ciência social avançada, às vezes exaustivamente, concomitantemente ao esforço de entender a realidade concreta de nosso país. Desenvolveu assim uma significativa e original contribuição política e teórica, estando à frente do Partido nas últimas décadas.

    Foi ao mesmo tempo um homem do estudo e da práxis, da ação revolucionária. Um militante da teoria e um militante fiel ao Partido e atuante no dia-a-dia do curso político – algo raro de acontecer. Deu-nos uma rica contribuição, além de ser um homem dedicado à luta, uma pessoa de vida simples.

    Ele teve uma intensa vida pública e política e morreu sem bens materiais. A vida dele sempre foi o Partido e, por excelência foi um homem de partido. Dos grandes dirigentes que o Partido teve, foi ele quem passou mais tempo dedicado à nossa elaboração política.

    Do esforço de estudo e elaboração, Amazonas deixou um importante legado teórico e político. Algumas idéias chave desenvolvidas por ele merecem destaque.

    Desde a década de 80 ele procurou problematizar o que conceituou de crise do marxismo. Vários textos do livro abordam esse tema. Qual é a crise diagnosticada por Amazonas? Para ele não se pode vencer tal crise sem se desenvolver a própria teoria marxista.

    A crise, então, é justamente uma crise de desenvolvimento da teoria revolucionária. Isso porque o marxismo não é algo estático, e a crise expressa justamente uma necessidade de atualização do marxismo. É essa uma idéia avançada e fundamental para o enfrentamento dessa crise, coisa que poucos partidos levantavam à época.

    Amazonas recuperou Lênin para afirmar que o marxismo não é um dogma, não é uma doutrina acabada – idéia, na prática, ainda predominante no movimento comunista internacional de então. Ele se rebelou contra a forma escolástica com que a teoria era encarada.

    Essa contribuição de João Amazonas foi fundamental, pois a visão dogmática que permeava o movimento impediu a construção de novas alternativas revolucionárias levando-se em conta a diversidade e singularidade própria de cada país.

    Além dos erros da fossilização e dogmatização, segundo João, não houve o devido desenvolvimento da teoria marxista na URSS – essa foi uma das principais conclusões do 8º Congresso do PCdoB e acabou tendo repercussão no âmbito do movimento revolucionário.

    Infelizmente, o que valia naquele período ainda eram as cópias mecânicas e “soluções decalcadas” da experiência soviética. Amazonas ajudou assim a revolver uma concepção equivocada, o que tem sido fundamental à nossa atuação nos dias de hoje. Vários textos aqui expostos expõem essa abordagem com grande vivacidade.

    Uma segunda contribuição importante da elaboração de João Amazonas foi a compreensão da relação dialética entre a tática e a estratégia – que a tática deve ser ampla e flexível ao mesmo tempo em que deve haver nitidez no rumo e objetivos.

    Ele sempre foi audacioso e propunha amplas alianças políticas, a exemplo da participação no Colégio Eleitoral com Tancredo Neves para derrotar o candidato oriundo do regime militar. Sem amplitude e flexibilidade não há como alcançar os objetivos programáticos. Nesta elaboração tática se destaca o papel da frente única – uma vez que sem frente não se dá passo adiante.

    Há aliados, aliados temporários, aliados pontuais e se deve aproveitar mesmo os aliados vacilantes. Para Amazonas, neste sentido, deve ser feito um esforço para analisar com muito cuidado a correlação de forças – que é a essência da tática – e procurar aglutinar, ao máximo, possíveis aliados.

    A relação entre radicalização e ampliação é uma conceituação tática introduzida por ele em nosso meio: não é possível radicalizar sem ampliar, senão ocorre o isolamento político; agora, apenas ampliar sem dar um passo adiante acaba-se por ficar no mesmo lugar. Mas, ao mesmo tempo em que sustentava uma tática ampla, João segurava firme os princípios e o norte revolucionário. Todos esses ensinamentos táticos conformaram o pensamento tático que ajudou a educar nosso Partido.

    Outro aspecto de sua obra versa sobre a imprescindibilidade do Partido de vanguarda. Amazonas sempre afirmou que o Partido Comunista era uma exigência histórica em nosso país. Isso explicaria porque, mesmo diante de infinitas vicissitudes, há longevidade e importância do Partido em nossa história.

    Uma exigência histórica de caráter político e social que pesa nesse fator. Pare ele o Partido é um instrumento imprescindível, sem o que os objetivos transformadores não se viabilizam, como a tomada e a manutenção do poder político pelas novas forças democráticas, populares.

    Mas dentre as elaborações de João Amazonas poderíamos destacar uma questão nova e atual, que ele foi buscar em Lênin: a idéia da transição do capitalismo ao socialismo.

    O período de transição do capitalismo ao socialismo na Rússia, que vai de 1917 a 1928 aproximadamente, e sobretudo o período em que Lênin acompanhou (que vai de 1917 a 1923), foi – segundo Amazonas – um período muito rico a ser compreendido. Nele Lênin teoriza e desenvolve leis e categorias acerca da transição do capitalismo ao socialismo. Infelizmente toda essa elaboração acabou ficando apagada, não sendo divulgada e visualizada pelo movimento comunista internacional.

    O que acabou ficando como oficial foi o que ocorria na União Soviética após esse rico período. Justamente o conhecimento dessa fase que realizou a transição para a União Soviética, em que os desafios para a superação do estágio atrasado do capitalismo na Rússia e o descortinamento dos primeiros passos socialistas ocorreram, em que se adentrou às particularidades locais, acabou sendo desconhecido aos demais partidos que lutavam em suas realidades próprias.

    Assim, acabou sendo ressaltada e prevalecendo a idéia de uma passagem direta do capitalismo ao socialismo, como se bastasse vencer a luta pelo poder político e passar direto ao socialismo nos moldes do que já existia na URSS.

    O conhecimento do tortuoso processo desse período de 1917-23 poderia despertar nos partidos, mundo afora, que ainda não haviam chegado ao poder, a compreensão da importância dessa transição. Por isso, Amazonas foi vasculhar histórica e teoricamente essa elaboração de Lênin sobre a transição e traz uma importante contribuição aos problemas da atualidade.

    O período de transição é difícil e singular e envolve leis objetivas e particulares. Isso nos leva a entender que mais difícil que alcançar o poder político é construir o novo regime – este é o desafio da transição. Aqui entra o aspecto de como vai se dar a formatação do novo regime em sintonia com as leis objetivas e as etapas de transição.

    Ao colocar o “dedo na ferida” desse debate, Amazonas descortina o entendimento dialético do problema, permitindo a compreensão de um processo de etapas de transição. Isso se tornou uma contribuição decisiva para a compreensão da tática e da estratégia e retirou a venda que impedia aos marxistas entender melhor as características desse processo.

    No dia 27 de maio de 2002, quando faleceu de insuficiência respiratória, esse eminente comunista tinha 90 anos de idade. O desejo manifesto do camarada Amazonas foi que as cinzas de seu corpo fossem espalhadas na região do Araguaia, cenário da gloriosa luta de resistência contra a tirania ditatorial, pela liberdade e os direitos do povo do interior.

    Neste ato ele sintetiza de forma pungente seu compromisso com a luta do povo brasileiro por um país desenvolvido, soberano, democrático – um Brasil socialista!
    *presidente do Partido Comunista do Brasil

     

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