O PCdoB acabou de completar, em março, 85 anos de existência ininterrupta. É uma longa trajetória marcada por muitas lutas e grandes vicissitudes em um país onde transcorreram curtos períodos de liberdades democráticas. E neste mês de maio, dia 27, faz cinco anos que o ex-presidente do nosso Partido, João Amazonas, não está mais entre nós.
O camarada Amazonas alcançou 90 anos de vida, dos quais quase 7 décadas dedicadas à atividade política, em defesa das convicções revolucionárias, sempre como militante do Partido Comunista do Brasil. Amazonas foi um grande dirigente do PCdoB, um dos mais proeminentes ideólogos da causa revolucionária em nosso país, destacado batalhador da aplicação da teoria marxista à realidade própria do Brasil.
“Ele se foi, mas continua” , como declama o poeta comunista Adalberto Monteiro, porque deixa o legado de rico pensamento político, de exemplo de militante revolucionário e um respeitado e influente Partido Comunista do Brasil. Como militante político coerente e conseqüente, tinha uma marcante atitude ao empreender um esforço constante de ligação da teoria com a prática, da proclamação com a ação prática e uma atividade permanente de estar integrado aos anseios dos trabalhadores e do povo e de viver atualizado com sua época. Como pensador político revolucionário, em larga etapa de sua vida percorrida, deixou rica obra escrita. Mas sua obra maior, diferentemente dos pensadores diletantes ou sem compromisso político, foi ser um grande construtor do Partido Comunista do Brasil.
Neste ano de comemoração do 85º aniversário do PCdoB, ao evocar a memória de João Amazonas, temos salientado o papel decisivo deste eminente comunista nas reorganizações do PC em períodos históricos cruciais de sua longa trajetória, que resultou no partido que existe hoje. Destaco o papel de Amazonas na primeira reorganização de que participou, durante o período da ditadura do Estado Novo, quando da realização, em 1943, da clandestina Conferência Nacional da Mantiqueira; a segunda foi a reorganização ideológica e política do Partido Comunista do Brasil, em 18 de fevereiro de 1962, com a realização da 6ª Conferência Nacional; a terceira, com a realização, em 1978 e 1979, da 7ª Conferência Nacional, fora do país no final do regime militar, visando à reestruturação do partido.
Mas pode-se acrescentar um quarto momento dessa larga história de existência do partido, no qual João Amazonas teve papel decisivo na defesa da identidade do Partido Comunista, dos seus ideais, da sua continuidade, tendo o mesmo sentido dos períodos de reorganização do partido. Refiro-me às resoluções e ao papel desempenhado pela realização, em 1992, do 8º Congresso do PCdoB. Este congresso tem lugar num momento decisivo da história das primeiras experiências de construção da sociedade socialista no século XX, do papel do movimento comunista. A década de 90 tem como centro episódios emblemáticos, como a derrubada do muro de Berlim – que separava a Alemanha Ocidental da Oriental – e o fim da União Soviética, a gigantesca obra revolucionária do século recém-findo.
Todos esses impactantes acontecimentos refletiram pesadamente sobre a perspectiva da construção de uma nova sociedade socialista, sobre o destino dos partidos comunistas, atingindo todo movimento de esquerda e avançado no mundo.
Diante desses acontecimentos, os comunistas, sobretudo, ficaram sujeitos à colossal pressão ideológica com o destampar da onda conservadora e anti-revolucionária. As lições e os ensinamentos que deveriam ser extraídos pelos comunistas e forças de esquerda em tal situação histórica, em muitos casos, tenderam à desesperança e à perda de perspectiva ou negação de toda experiência. Em outros casos, se chegava a conclusões que exprimiam rendição e abandono do caminho transformador revolucionário.
É nesse momento histórico de profundo revolvimento e ameaça aos ideais revolucionários que a figura do eminente revolucionário João Amazonas se revelava. Ele consegue responder a momento tão inquietante com uma contribuição que procura, de modo agudo, vasculhar os meandros da vasta experiência revolucionária do século XX, as causas dos revezes, a dissecação dos ensinamentos essenciais. Ele oferece uma decisiva contribuição teórica e política para o Partido Comunista nesse período. Sustenta uma posição que já vinha construindo desde antes da crise do socialismo, nas décadas de 80 e 90, e que refletiam a crise da teoria marxista. É a sua estagnação que levou à paralisia do curso político revolucionário, exigindo desde há muito o desenvolvimento da teoria revolucionária, tendo em vista responder às novas exigências e desafios históricos contemporâneos.
Nesse esforço teórico, Amazonas localiza um dos ensinamentos essenciais da vasta e complexa experiência do movimento comunista: de que não existe um só modelo de construção socialista. Apesar de haver uma teoria geral, esta deve ser aplicada levando-se em conta as particularidades nacionais, históricas, políticas, econômicas, sociais e culturais em conjunção com os pensamentos político e científico avançados de cada país. O socialismo na Rússia foi um, na China é outro, como também são outros no Vietnã e em Cuba.
No caso do Brasil, sua contribuição foi primordial para a evolução do pensamento estratégico do PCdoB. Mais especificamente no sentido de que existe uma etapa objetiva de transição relativamente prolongada do capitalismo ao socialismo, ou seja, essa etapa não pode ser determinada arbitrariamente, nem suprimida ou acelerada artificialmente. Não existe uma passagem direta e automática do capitalismo ao socialismo. Essa etapa de transição se constitui na conquista de um poder estatal democrático-popular, no aprofundamento da democracia e na defesa da independência e da soberania nacional, de ampla liberdade política para as correntes populares, da existência, ainda, de uma economia híbrida com vários componentes de caráter econômico diferenciado.
A resultante da importante contribuição de Amazonas nesse difícil período do início da década de 1990 é que o PCdoB não abriu mão de sua identidade comunista, mas procurou extrair lições, tornando a teoria e a prática política condizentes com a exigência de nossa época, atualizando nossa compreensão estratégica sobre o desenvolvimento histórico rumo ao socialismo.
Para responder a essa nova realidade de nossa época é que se conformou a consigna na construção partidária expressa no binômio afirmação e revolução. E hoje, em função do desenvolvimento dessa compreensão estratégica, chegou-se à formulação de uma concepção de acumulação estratégica de forças, visando a orientar a resistência e o avanço da nova luta pelo socialismo.
Para completar, o homem e o revolucionário João Amazonas, por suas idéias, coerência, persistência, simplicidade e elevado caráter, influenciou e adquiriu grande respeito além dos marcos partidários. Teve papel destacado em convencer Tancredo Neves a deixar o governo de Minas Gerais e se candidatar a presidente da República pelo Colégio Eleitoral, que acabou prevalecendo, em momento delicado para a luta pela redemocratização em nosso país, quando era preciso encontrar uma saída para superação do regime militar implantado desde 1964.
Lutou e teve papel singular na luta político-eleitoral para a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, desde a construção da Frente Brasil Popular, em 1989. E nas eleições subseqüentes até o início da campanha em 2002. Em recente viagem ao Paraná, em encontro com Roberto Requião, o governador disse que “Amazonas era um homem político raro. Sua dimensão não se comparava com a indignidade da política convencional”.
Ele se foi, mas continua! Ele se foi, mas está presente! Camarada Amazonas, você está presente!
*presidente nacional do PCdoB